Eliara Santana, sobre o editorial ”Jair Rousseff”, da Folha: Falta candidato neoliberal para 2022?

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Por Eliara Santana*, compartilhado de Viomundo – 

“Jair Rousseff” é o titulo de editorial da Folha de São Paulo de hoje, 22 de agosto.

No versal, “O que a Folha pensa”.

Acho que vou fazer um exercício de adivinhação e tentar imaginar “o que a Folha pensa”.




Primeiro, vou tentar dizer o que a Folha SABE.

Apesar do editorial tendenciosíssimo, a Folha SABE que Jair e Dilma, ou Jair e Lula, NÃO se equivalem.

Folha também sabe que Jair está se cacifando fortemente para 2022, com recursos liberados para a gastança.

Folha também sabe que o bloco neoliberal ou bloco liberal-ilustrado (cuja argumentação em relação à esquerda tem se aproximado bastante dos pôneis malditos – “que nojinho”) NÃO tem candidato viável a ser construído.

Portanto, é preciso desconstruir as forças de esquerda, únicas capazes de fazerem frente a Jair.

Dito isso, o híbrido argumentativo “Jair Rousseff” se ancora na velha ideia de polarização que prejudica o país.

Ou seja, segundo os neoliberais, as forças representadas por Jair e as forças representadas por Dilma são polos igualmente “radicais” que prejudicam o país.

A ideia da polarização não é recente, ela já foi adotada em 2018, quando Lula ainda poderia ser candidato.

Naquele momento, o radicalismo era apontado e destacado pela conduta de cada um, pelas mobilizações, pelas falas.

Como se de fato as propostas se equivalessem. Não se equivalem.

Jair nunca vai se equivaler aos governos Lula e Dilma, que tiraram 40 milhões de brasileiros da miséria. Entre outras várias ações.


Agora, essa nova marcação apontada pelo editorial traz o elemento adorado pelo empresariado e pelo poder econômico: o teto de gastos.

Segundo o editorial, Dilma Rousseff “levou a fórmula aos limites da capacidade do Tesouro e da lei — o que resultou na maior crise econômica em gerações e lhe custou o segundo mandato”.

O trecho contém uma falácia (a expansão dos gastos custou o segundo mandato – Dilma não foi afastada porque gastou) e um recado a Bolsonaro (podemos utilizar esse argumento para afastar você também, caso não colabore).

Diz também o ilustrado editorial que Bolsonaro tem o azar de herdar o governo de Dilma Rousseff – “deficitário e excessivamente endividado, com poucas opções de políticas públicas à disposição”.

Ora, salvo engano, Jair herdou o governo de Michel, aquele austero que poderia fazer todas as sonhadas reformas.

Não entrarei no mérito da discussão econômica de problemas havidos no governo Dilma porque, primeiro, não tenho competência para tal; segundo, porque a questão econômica, os famosos gastos ou a inusitada pedalada, não foi a definidora do processo de impeachment contra Dilma.

A questão a ser colocada é: como não há nome viável na ala liberal-ilustrada (nem mesmo na neoliberal raiz) que poderia servir para o propósito de retomar o poder, o establishment e seus porta-vozes utilizam o argumento do fracasso da última administração petista.

Um problema que deveria estar já superado, imagino, posto que os petistas foram punidos e o Brasil hoje “respira outros ares”, longe do “grande mal da corrupção”.

E se os petistas estão nocauteados, como tantos (à direita e à esquerda) propalam, para que a comparação e a construção da falsa equivalência?

O establishment apostou que, consolidado o golpe, mesmo que não tenham conseguido consolidar um picolé de chuchu qualquer para chamar de candidato, poderia dominar e controlar o Jair.

Agora se desesperam porque estão percebendo que Jair não é tolo, não é controlável e está se lixando para “teto de gastos”. Coisa, aliás, para a qual o grosso da população brasileira também está se lixando.

Para fechar o ”iluminado” editorial, o vaticínio à la Avenida Paulista: “Ao final, os mais prejudicados serão, como de hábito, os pobres e miseráveis, que por inconveniência política constituem também a parcela mais decisiva do eleitorado”.

Confesso que fiquei bastante intrigada: o que exatamente significa “inconveniência política”? Que o voto dos pobres e miseráveis prejudica o funcionamento adequado do liberalismo ilustrado? Ou que esses pobres e miseráveis acabam escolhendo os “radicais” que tanto mal fazem ao liberalismo ilustrado?

Inconveniência política, pra mim, é o fato de o Brasil ter a metade da população vivendo com 400 reais por mês e ter uma das maiores frotas particulares de helicóptero do mundo em São Paulo.

Enfim, pontos de vista. Mas o fato é que pedalada não vai colar dessa vez. Terão de arrumar outra brecha. E um candidato liberal ilustrado.

OBS: A ideia marcada da polarização nunca vem sozinha na construção discursiva midiática. Ela sempre está acompanhada pelo repertório corrupção. Observem que os dois argumentos já foram colocados em cena pela imprensa (casos de corrupção que reaparecem no JN, editorial da Folha, e por aí vai).

*Eliara Santana é jornalista e doutora em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes

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