Por Sérgio Santos, cantor, compositor, produtor musical
Não estamos falando de uma filha realizando virtualmente o sonho de cantar com sua mãe, algo que infelizmente para todos nós, ela não pode realizar na vida real. Não estamos falando da emoção genuína que isso é capaz de gerar nas pessoas. Também não estamos falando da beleza estética de uma peça publicitária. Não estamos falando nem no histórico da empresa detentora dessa publicidade.
Aqui, a meu ver, trata-se de pensar na capacidade do sistema de se apropriar de um ícone que tem sua imagem fortemente associada à contestação desse próprio sistema e de uma obra musical abertamente rebelde, e colocá-los através de uma manipulação tecnológica difundindo um significado diametralmente oposto aos que significavam em sua gênese.
O mito Elis e essa obra de Belchior em sua voz são associados em nosso imaginário à oposição contundente a quem está em casa guardado por Deus contando o vil metal. Instantaneamente esse conteúdo se dilui, e o novo que sempre vem passa a se ligar à finalidade de vender automóveis.
Essa capacidade de subversão de sentidos que o sistema sempre utilizou ao transformar tudo em produto, se amplia exponencialmente com o advento da Inteligência Artificial.
Em breve Rita Lee será um holograma vendendo pipoca no escurinho do cinema, e um Caetano sorridente será apenas um simpático avatar em um site de venda de tíquetes de estacionamento no Leblon.
Viver é melhor que sonhar, mas é muito perigoso!
Título do post do Bem Blogado
Imagem: capa de disco criada por Elifas Andreato