Elon Musk precisa de justificativa para fechamento do X/Twitter no Brasil, diz David Nemer

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Pesquisador aponta que fim do escritório no país tem relação com dívidas da empresa e projeto de não seguir leis locais

Por Andrea DiPClarissa LevyClaudia JardimRicardo TertoStela Diogo, compartilhado de A Pública




A decisão de Elon Musk de encerrar o escritório da rede social X (antigo Twitter) no Brasil, que existia havia mais de uma década, foi justificada pelo bilionário como mais um desdobramento da sua briga com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Em entrevista ao programa Pauta Pública desta semana, o professor e pesquisador David Nemer diz que Musk “aproveita essa queda de braço junto ao sistema da direita brasileira para justificar o fechamento”.

Nemer, que também integra o Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, explica que Musk já havia dito que não queria manter o escritório brasileiro aberto, pois era deficitário, ou seja, não teria renda suficiente para bancar sua operação. “Ele está precisando de justificativas para explicar a derrocada. Musk comprou o Twitter por 44 bilhões de dólares: 13 bilhões ele pegou de empréstimo e paga em torno de 1 bilhão só de juros anualmente, ou seja, é muito dinheiro”, comenta.

Para o pesquisador, a guerra entre Musk e Moraes mostra o quanto o X/Twitter não está disposto a respeitar os contextos e as regras de cada país. Nemer diz que o bilionário exporta uma forma de pensar que não pertence ao Brasil e impõe ao brasileiro como sendo essa a única forma. O pesquisador chama isso de “coloniedade” do pensamento. “Essas plataformas, que são baseadas no Vale do Silício, adoram a chamada sessão 230. Essa é uma lei nos Estados Unidos que as torna imunes a qualquer tipo de processo perante as cortes […] Esse é o tipo de entendimento que essas plataformas querem que seja no mundo inteiro”, explica.

[Clarissa Levy] Essa semana, o dono do X – antigo Twitter –, Elon Musk, anunciou o fechamento do escritório no Brasil. Em uma postagem na rede social, Musk justificou  que a decisão ocorreu depois de uma suposta ameaça de prender um representante da rede social no Brasil se ele não cumprisse as ordens de regulação de conteúdo, vinda do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. David, como você vê essa decisão do Musk? O que ela significa para o Brasil e para o resto do mundo?

O Elon Musk está exagerando. Ele está precisando de justificativas para explicar a derrocada. Musk comprou o Twitter por 44 bilhões de dólares: 13 bilhões ele pegou de empréstimo e paga em torno de 1 bilhão só de juros anualmente, ou seja, é muito dinheiro. Principalmente quando falamos de uma plataforma que é deficitária. O Twitter nunca foi para gerar lucros, era para se manter. 

O escritório de Brasília não é igual ao de São Paulo, que era do Twitter. O escritório de São Paulo do Twitter tinha um time muito grande de pesquisadores, analistas e pessoal de marketing para receber a receita de anunciantes. Quando o Musk comprou o Twitter e vira X, a rede abriu uma representação em Brasília, pois para receber a receita dos anunciantes é preciso ter uma representação legal no Brasil, por questões do fisco e para lidar com questões legais. 

Nesse escritório, não tem pesquisa e não tem analista, e mesmo sendo muito pequeno já era deficitário. Musk já havia dito que não queria manter o escritório aberto porque era deficitário, não gerava renda suficiente. Ele aproveita essa queda de braço que junto ao sistema de direita brasileiro para justificar o fechamento. 

Ou seja, usa de plano de fundo para falar que no Brasil há uma ditadura do Judiciário e fechar uma coisa que ele já estava pensando fechar. De uma forma geral, Musk está usando de um pretexto de uma guerra que ele entrou, uma guerra orquestrada com esses atores do sistema de direita brasileiro.

[Clarissa Levy] Nessa disputa para os negócios do Musk, e para esse campo político de maneira geral, é importante que o processo de regulação das plataformas ou limitação dos conteúdos não dê certo no Brasil. Nemer, que impacto tem a disputa entre o Judiciário brasileiro e o Twitter no Brasil em outros países? E o debate da regulação das plataformas?

Esse embate só mostra o quanto o Twitter não está disposto a entender contextos e regras locais. Quando digo regras locais, são as regras de cada país, já que ele quer impor uma visão de mundo nesses diferentes contextos. 

A mensagem que Musk passa é que ele vai levar a plataforma para onde ele quiser, sem respeitar qualquer contexto local. Membros do Parlamento da União Europeia já disseram que, se o Twitter continuar [sem respeitar as regras], eles vão fechar [as atividades da rede na região]. Assim como no Brasil, Musk tem esticado a corda o tempo todo.

Ele esquece que no país há um precedente, em 2022, quando o Telegram simplesmente decidiu ignorar todos os pedidos da Suprema Corte. Na época, tínhamos o ministro Luís Roberto Barroso liderando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Barroso, comparado ao ministro Alexandre de Moraes, tem uma ação mais diplomática e mesmo assim chegou a quase banir o Telegram. Um dia antes, o Telegram, através de seu CEO, Pavel Durov, resolveu abrir uma representação legal no Brasil e assim responder às requisições do TSE.

Ou seja, isso deixa muito claro que nosso país também não vai negociar questões inegociáveis, as leis nacionais. 

[Clarissa Levy] A ideia da liberdade de expressão tem sido usada de uma maneira um tanto vaga na política. É como se no Brasil a gente não tivesse liberdade de expressão, ou estivéssemos sendo censurados de alguma maneira. Eu queria ouvir como é que você reflete sobre tudo isso, levando em conta o cenário que temos de acesso à comunicação no Brasil comparado a outros países. Em que direção esse debate aponta? 

O interessante é ver como esse entendimento de liberdade de expressão vai se remontando à medida que essas plataformas vão se inserindo no Brasil. Até então, cinco anos atrás, parecia que todos nós estávamos muito contentes e satisfeitos com as políticas e regras sobre a nossa liberdade de expressão. 

Estávamos ali em “paz”, até que então a gente tem a promoção dessas plataformas cada vez mais penetradas no Brasil, conectadas com o brasileiro. Eu tenho pensado muito sobre essa presença das plataformas e como isso promove uma “coloniedade” de pensamento. Ou seja, eles trazem uma forma de pensar que não pertence ao Brasil e impõem ao brasileiro como sendo a única forma. 

Essas plataformas, que são baseadas no Vale do Silício, adoram a chamada seção 230. Essa é uma lei nos Estados Unidos que as torna imunes a qualquer tipo de processo perante as cortes. O entendimento é que quem posta nas redes sociais é o usuário, as plataformas não têm qualquer tipo de responsabilidade. 

Esse é o tipo de entendimento que essas plataformas querem que seja no mundo inteiro, sendo que cada lugar vai ter seu entendimento, ou de dinâmica nas plataformas. No Brasil, o Marco Civil da Internet já é diferente dessa seção 230, por exemplo. 

Ao vender a ideia de liberdade de expressão, diversas pessoas vão comprando. Então, quando as pessoas dizem que o STF ou o governo está violando a liberdade de expressão, [a ideia é que] essas organizações não a estão violando. Só que essas pessoas estão com um entendimento diferente de liberdade de expressão absoluta.

A gente não vê nos Estados Unidos – mesmo os políticos do sistema de direita – dando muito espaço para Elon Musk. Na Europa também não tem. Vemos mais no Brasil porque há essa expectativa de usar a força de Musk para ter seus ganhos, seja contra Alexandre de Moraes, seja contra a esquerda. A gente vê que é uma luta que eles não vão ganhar. 

Colaboração: Ana Alice de Lima

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