Por Andréa Martinelli, compartilhado de Huffpost Brasil –
Todas as 129 vítimas entre janeiro e agosto de 2020 eram mulheres trans e travestis, de acordo com levantamento feito pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
Em meio ao cenário de crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, o assassinato de pessoas trans aumentou 70% no Brasil em comparação com o mesmo período de 2019. Dados estão em boletim divulgado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) nesta segunda-feira (7).
Assim, o número de vítimas notificado até agosto deste ano já é superior aos 124 casos registrados ao longo de todo o ano de 2019.
Este é o quarto aumento consecutivo apresentado no monitoramento bimestral realizado pela entidade neste ano. Na comparação com o primeiro bimestre de 2019, o aumento de assassinatos foi de 90%, no segundo 48% e no terceiro apresentou aumento de 39%, conforme publicado em boletins anteriores.
Realizado em parceria com o IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação), o estudo indica que o perfil das vítimas manteve a tendência já apontada nos boletins divulgados anteriormente: todas são mulheres trans ou travestis, de maioria negra ou parda.
A Antra alerta para o impacto da pandemia para as pessoas trans. Segundo a entidade, este é um “momento singular” que agrava “ainda mais as desigualdades já existentes”.
“A vida das pessoas trans, principalmente as travestis e mulheres transexuais trabalhadoras sexuais, que seguem exercendo seu trabalho nas ruas tem sido diretamente afetadas”, diz texto do relatório. “A maioria não conseguiu acesso às políticas emergenciais do Estado devido a precarização histórica de suas vidas e não possui outra opção a não ser continuar o trabalho nas ruas, se expondo ao vírus e consequentemente a violência transfóbica.”
Os estados mais violentos para pessoas trans no Brasil
De acordo com o relatório, os cinco estados com mais mortes de pessoas trans entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2020 são: São Paulo, com 19 casos, Bahia e Minas Gerais, ambos com 16 casos, Ceará, com 15 casos e Rio de Janeiro, com 7 casos. Esses mesmos estados figuram entre os que mais assassinam pessoas trans desde 2017, quando a Antra iniciou o levantamento.
A entidade destaca o fato de que, apenas nos dois últimos meses (julho e agosto), o Ceará teve mais casos de assassinatos que o primeiro semestre inteiro. Foram 7 casos até junho e mais 8 até agosto, de acordo com o boletim.
A Antra elabora relatórios sobre violência contra a população trans desde 2017. O “Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra a População de Travestis e Transexuais no Brasil”, divulgado anualmente, é feito de forma quantitativa e traz o número de mortes com base nas informações divulgadas pela mídia e em dados que chegam por afiliadas à Antra, grupos específicos que compartilham esse tipo de informação e agentes de segurança pública.
Os dossiês realizados pela entidade apresentam redução gradual nos assassinatos de pessoas trans no Brasil, um movimento apresentado desde 2017, mas que não é vista como positiva para a organização. A Antra destaca que, mesmo com estes dados, o Brasil continua sendo o País que mais mata pessoas trans no mundo, segundo a ONG Transgender Europe.
Em 2017, primeiro ano em que o relatório foi realizado, ocorreram 179 casos – o maior índice em 10 anos, segundo comparação com dados do relatório do Grupo Gay da Bahia. Em 2018, este número foi de 163 mortes, apresentando uma diminuição de 9%. Em 2019, foram 124 mortes, o que representou uma redução de 24% em relação ao ano anterior.
Neste ano, a entidade passou a divulgar também boletins bimestrais sobre os assassinatos, devido à pandemia. No entanto, a própria entidade alerta para o fato de que os dados são limitados. “Nossa metodologia de trabalho possui limitações de capturar apenas aquilo que de alguma maneira se torna visível. É provável que os números reais sejam bem superiores.”
Em texto do boletim mais recente, a associação critica a falta de ação do Estado que, segundo a entidade, segue “ignorando esses índices e não implementou nenhuma medida de proteção junto a população LGBTI+.”
Desde junho de 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma legislação específica sobre esse tipo de violência. A pena é de até 3 anos e o crime é inafiançável e imprescritível, como o racismo. Até então, crimes motivados por orientação sexual ou identidade de gênero não tinham nenhuma tipificação penal específica no Brasil.