Em casa com os orixás

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Por André Giusti, compartilhado de Projeto Colabora – 

Na contramão do que pregam pastores neopentecostais, pais de santo da umbanda e do candomblé fecham terreiros para enfrentar a pandemia do coronavírus

Mãe Baiana: “A gente se conecta com nossos orixás através da mente. Essa separação social, infelizmente, temos que cumprir, seguindo a orientação dos profissionais de saúde.” Foto Ògan Luiz Alves/Projeto Oníbodê

Enquanto lideres religiosos como Silas Malafaia, que detém o poder de mobilização sobre milhões de pessoas, defendem o retorno dos fiéis às igrejas em plena pandemia de Coronavírus, adeptos das religiões de matriz africana seguem as luzes da ciência e repetem para seus companheiros de fé o mantra que pode salvar milhões de vidas no país e no resto do mundo: fique em casa. Integrantes do Movimento da Comunidade Tradicional de Terreiros (Renafro) em Brasília asseguram que a comunidade de seguidores da umbanda e do candomblé deixarão fechados os locais de culto, enquanto o perigo do contágio estiver no ar e no contato com as outras pessoas. De acordo com levantamento feito em 2018 pelo Ministério da Cultura em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) existem no DF 330 terreiros de religiões afroameríndias. Juntando-se aos da periferia do DF (que abrange cidades de Goiás e Minas), o número passa de 500.




Não estamos preocupados em só atingir a nossa comunidade. Queremos atingir a todos. Se pegarmos cada pessoa de cada casa (terreiro) e considerarmos três, quatro em uma família, atingiremos uma quantidade considerável de pessoas

Mãe Baiana
Ialorixá

Um dos que estão à frente dessa campanha, chamada Projeto Onibodê, é o ogã Luiz Alves (ogã é quem toca os atabaques e vigia o terreiro quando mães e pais de santo estão incorporando os orixás). Fotojornalista e videomakerele usa a profissão para postar nas redes sociais e em grupos de WhatsApp fotos e vídeos explicando aos adeptos a necessidade de ficar em casa e atenuar a pandemia, nem que para isso se abra mão dos rituais nos terreiros. “Nelas (religiões de matriz africana), há o contato físico entre as pessoas. Não é como o padre ou o pastor que ficam no púlpito e de lá fazem as preleções para os fiéis. No candomblé o contato físico é direto, é usual. Nós nos abraçamos, não existe cumprimento sem beijar a mão, sem o abraço”, explica Luiz a diferença para o catolicismo e as religiões evangélicas.

Em um primeiro momento, eles tentaram outra maneira. “Em vez de pedir a benção a um irmão, a um pai ou mãe de axé, fazia-se apenas um gesto, sem tocar”, conta o ogã. A comunidade logo percebeu que optar pelo isolamento social e fechar os terreiros era realmente o caminho. “Não estamos preocupados em só atingir a nossa comunidade. Queremos atingir a todos. Se pegarmos cada pessoa de cada casa (terreiro) e considerarmos três, quatro em uma família, atingiremos uma quantidade considerável de pessoas”, aposta Luiz. A campanha, que oferece telefones para conforto espiritual, pede que os adeptos espalhem as mensagens convencendo os contatos da necessidade de se ficar em casa.

O ogã admite que há entre os adeptos do candomblé os que são contra o isolamento, mas garante que ao contrário do embate que domina o meio político nos últimos dias, quem acha que a vida deveria estar normal respeita o confinamento. “Tudo dentro do respeito, não há embate, só tentativas de convencimento. E os que são contra o isolamento, respeitam e nem falam em abrir suas casas (terreiros)”, assegura.

De acordo com os coordenadores do movimento, no candomblé e na umbanda, religiões de rituais marcantes, para exercer a fé o adepto não precisa necessariamente ir ao terreiro. “Os orixás têm a compreensão de que é preciso essa separação social nesse momento”, garante Adna Santos, a Mãe Baiana, outra que está à frente da conscientização. “A gente se conecta com nossos orixás através da mente. Essa separação social, infelizmente, temos que cumprir, seguindo a orientação dos competentes profissionais de saúde. Estamos aqui para cumprir com as leis, com os chamados locais dos nossos governantes. Nós não estamos aqui para desgovernar nem para sair do contexto que o mundo está vivendo”, alerta Mãe Baiana. No DF, por decreto do governador Ibaneis Rocha, aulas estão suspensas e comércio fechado até dia 5 de abril.

Campanha dos terreiros de Brasília: consciência e respeito às informações científicas. Reprodução
Campanha dos terreiros de Brasília: consciência e respeito às informações científicas. Reprodução

No Rio, o babalorixá Adailton Moreira, do terreiro Ile Aşę Omiojuaro, um dos principais do estado, em Miguel Couto, Nova Iguaçu, também é fiel aos desígnios da ciência nesse momento. “Trabalhamos com proximidade, o afeto é importante, precisamos nos tocar, nos laços sociais e nos rituais religiosos. Assim, em nome do cuidado contra o vírus, resolvemos suspender as atividades públicas do nosso terreiro”, avisou, em vídeo postado no Facebook. “Temos jovens, crianças, portadores de doenças autoimunes. Estamos cuidando da saúde dessas pessoas, e cuidar da saúde, cuidar um dos outros, é uma das missões do nosso terreiro. Precisamos ter cuidado com nosso coletivo. Se nossa sociedade estiver adoecida, nossa religiosidade estará também”, aponta ele, um dos mais importantes líderes do candomblé.

A consciência social parece mesmo dar o tom da campanha de isolamento entre os adeptos das religiões de matriz africana. “As pessoas reclamam que há politização da crise, mas muitas pessoas não entendem que serão justamente os políticos que irão aprovar medidas para solucionar esse problema. Não se trata de politização, a questão é que sem a política não conseguirão resolver nada”, também alerta Luiz Alves.

Diante da postura do presidente Jair Bolsonaro de defender o isolamento apenas para idosos, o ogã já sabe que a campanha terá de ser reforçada entre os seguidores do candomblé e da umbanda. “Não é o momento de se voltar às atividades”, defende, garantindo que o grupo vai continuar insistindo para seus adeptos permanecerem em casa.

Que recebam, então, a força dos orixás.

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