Em esquema com Ricardo Nunes, Estadão caça WhatsApp de leitores com publicidade disfarçada de jornalismo

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Quem acessar o site pela internet ficará com a impressão falsa de que se trata de material jornalístico, mas o canal é, na verdade, publicidade da gestão de Ricardo Nunes na prefeitura de São Paulo, o que pode configurar campanha eleitoral antecipada

POR LUIZ CARLOS AZENHA, compartilhado da Revista Fórum




Em esquema com Ricardo Nunes, Estadão caça WhatsApp de leitores com publicidade disfarçada de jornalismo
Ricaro Nunes (MDB), prefeito de São Paulo. Wilson Dias/Agência Brasil

*Colaboraram Ivan Longo e Raphael Sanz

O prefeito Ricardo Nunes, em busca da reeleição, está encampando um sofisticado esquema publicitário com o venerável O Estado de São Paulo, diário da família Mesquita que já foi associado a jornalismo sério.

O próprio jornal, fundado em 1875, diz que tem a segunda maior tiragem impressa do Brasil — em média, apenas 76,4 mil exemplares diários.

Nela, anuncia o Estadão Expresso São Paulo, um “portal de conteúdos temáticos sobre tudo o que a cidade de São Paulo oferece pra você”.

A linguagem copia a informalidade forçada da TV Globo, que adotou o “pra” em busca do público do YouTube. E o anúncio traz um código de barras, para quem quiser receber as “notícias” por WhatsApp.

Reprodução/Estadão Expresso São Paulo

Os textos simulam a esterilidade de uma enfermaria: “como funciona o centro de adoção de animais” e “alunos de ensino infantil da zona sul têm aulas de golfe”, são exemplos de manchetes.

Reprodução/Estadão Expresso São Paulo

Só no canto inferior direito do anúncio está escrito, em letra miúda: Parceria. Embaixo, o símbolo da Prefeitura de São Paulo.

Quem acessar o site pela internet também ficará com a impressão, falsa, de que se trata de material jornalístico.

O logo do tradicional diário paulistano, associado a conteúdo conservador mas verídico, aparece duas vezes com destaque no topo da página.

No primeiro dia de setembro, a manchete principal dizia: “Carrão recebe Unidade de Pronto Atendimento”.

“Nova UPA tem capacidade para prestar cerca de 15 mil atendimentos mensais e fica aberta 24 horas por dia”, informa a chamada.

Reprodução/Estadão Expresso São Paulo

Logo abaixo, o leitor pode compartilhar o texto no Facebook, Twitter, WhatsApp, LinkedIn, mensagem de correio eletrônico ou copiando o link.

A primeira frase diz: “A rede municipal de saúde de São Paulo recebeu mais um equipamento. A 24ª Unidade de Pronto Atendimento (UPA) começou a funcionar na última sexta-feira (25) no Carrão, na zona leste. É a terceira UPA da região e, segundo a Prefeitura, vai beneficiar mais de 300 mil pessoas”.

A frase “segundo a Prefeitura” é altamente enganosa, uma vez que o leitor infere que o Estadão atribui a informação à Prefeitura, quando o conteúdo é fornecido pela própria Prefeitura.

É o que se depreende da informação postada no pé da página, que só será lida por quem rolar a barra do site até o fim: “O Estadão Expresso São Paulo é produzido pelo Estadão com foco em prestação de serviços, com criação de Estadão Blue Studio e em parceria de fornecimento de conteúdo com a Prefeitura da Cidade de São Paulo”.

Canto inferior da página. Reprodução/Estadão Expresso São Paulo

O link remete ao Portal da Prefeitura, que no dia primeiro de setembro tinha como uma das quatro manchetes: “Recapeamento: R$ 1 bilhão investidos para tornar a mobilidade urbana mais segura”.

Em outras palavras, trata-se de propaganda política antecipada e disfarçada do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tenta a reeleição.

Segundo pesquisa Datafolha, Nunes aparece com 24% da preferência do eleitorado, contra 32% de Guilherme Boulos (Psol).

Porém, mesmo a pesquisa Datafolha é questionável.

Guilherme Boulos lidera corrida para a Prefeitura de São Paulo segundo Datafolha. Reprodução/Câmara dos Deputados

Segundo denúncia do The Intercept, assinada pelo repórter Paulo Motoryn, a agência de publicidade Propeg repassou à Folha de S. Paulo R$ 2,3 milhões em “propagandas disfarçadas de jornalismo” somente em 2023.

Dinheiro público da Prefeitura que “comprou” espaço na Folha, controladora do Datafolha.

Uma boa pontuação em pesquisas eleitorais é essencial para um candidato descartar adversários do mesmo campo político e obter apoio.

No site criado pelo Estadão, muito antes de chegar à informação de que se trata de propaganda da Prefeitura de São Paulo, o leitor será convidado a se registrar para receber as “notícias” pelo WhatsApp.

Fórum questionou o Estadão Blue Studio sobre o uso que será feito do cadastro, que tem o potencial de atingir centenas de milhares de leitores/eleitores, bem como pediu mais informações sobre a “parceria” com a prefeitura, incluindo os valores do contrato. Até a publicação desta reportagem, entretanto, não obtivemos uma resposta do jornal.

A reportagem da Fórum também entrou em contato com a prefeitura de São Paulo para saber quantia de dinheiro que está sendo desembolsada para publicar conteúdo no Estadão e solicitou detalhes da parceria. A gestão municipal, via assessoria de imprensa, se comprometeu a repassar as informações, mas até o momento não houve retorno. 

Potencialmente, o Estadão poderia repassar os números para a campanha de Ricardo Nunes mediante pagamento.

Guilherme Boulos, morador do Campo Limpo, na Zona Sul de São Paulo, tem grande penetração em bairros populares, o que talvez explique as publicações endossadas pelo Estadão que miram na periferia paulistana.

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