Emendas Pix, o grande cabo eleitoral das eleições 2024

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Graças a elas, prefeitos inauguraram obras até a véspera da campanha sem precisar dividir o palanque com nomes do Executivo

Por Cila Schulman, compartilhado de Piauí




Nem polarização nem Lula x Bolsonaro. Na campanha que revelou o inusitado Pablo Marçal, a vitória foi da velha e tradicional política partidária. Com exceção da Joice Hasselmann da República de Curitiba, a também jornalista de direita Cristina Graeml, todos os candidatos que disputam o segundo turno nas capitais já fazem parte do establishment político. Tampouco são neófitos os eleitos em primeiro turno. Esta não foi, portanto, uma eleição de outsiders. Embora, por óbvio, o recado transmitido pela maior e mais importante cidade do país deva ser ouvido: 1.719.274 eleitores toparam embarcar numa aventura com objetivo de derrubar “o sistema”. Não foi pouco.

Em oposição a essa demanda, 2024 consagrou as emendas Pix, aquelas que os parlamentares de Brasília enviam diretamente para os seus prefeitos aliados, que sequer precisam justificar como investem as boladas. Essas emendas, que são distribuídas diretamente para as bases eleitorais, sem a orientação do governo federal, fazem do Congresso Nacional brasileiro o que tem o maior poder financeiro local, na frente de outros que têm grande impacto financeiro como os dos Estados Unidos, da Índia ou da Alemanha. Os partidos aqui no Brasil que mais repassaram esses valores no último ano não por acaso são os que têm as maiores bancadas no Congresso, os maiores fundos partidários e eleitorais e, surpresa, os que conquistaram os maiores números de prefeituras no primeiro turno.

A história mostra que a reeleição serve para reeleger. Ao final do primeiro mandato, a administração passa por um referendo. Tendo uma avaliação no mínimo regular – e aproveitando a campanha para divulgar seus feitos e assim melhorar a percepção da opinião pública – o mandatário é premiado com mais quatro anos no cargo. Assim é que, desta vez, na disputa para as vinte capitais do país onde concorreram incumbentes, dez prefeitos passaram direto e foram reeleitos em primeiro turno, seis ficaram pra segunda época, mas com chance de ainda passar de ano, e apenas quatro foram eliminados na disputa pela segunda rodada. Em uma única capital, o prefeito perdeu em primeiro turno, aquele do PRD de Teresina, o dr. Pessoa, que deu uma cabeçada no adversário no debate e amargou um terceiro lugar com 2,2% dos votos. Assim como os outros três que levaram vermelho no boletim, ele também era mal avaliado.

Nesse ciclo, para contribuir com essa necessária melhora da avaliação, os prefeitos tiveram mais uma vantagem: graças às emendas Pix, eles lançaram pedras fundamentais e inauguraram obras até a véspera da campanha sem precisar dividir o palanque com governadores ou com o presidente da República. Da mesma forma como os políticos não são mais dependentes dos empresários para terem recursos de campanha, mérito do fundo eleitoral, os prefeitos não dependem mais da boa vontade dos governos estaduais e federal para atender a muitas das demandas da população. Mais do que isso: podem escolher onde investir sem precisar se adequar a políticas públicas alheias. Isso torna bem mais fácil deixar uma marca na cidade, mesmo que essa marca seja de curto prazo eleitoral, como asfalto. E, principalmente, tira dos governadores e do presidente o protagonismo nas cidades.

Dos municípios que pertencem ao G103, aqueles que têm mais de 200 mil habitantes e que por isso têm segundo turno, 52 vão ter nova disputa a partir de sexta-feira. De acordo com o marketing político, o segundo turno é uma nova eleição. A lógica do cidadão agora é votar para impedir que o candidato do campo oposto ao seu seja escolhido. Ou seja, começa a conhecida batalha de rejeições. A depender do clima de violência política crescente no país, ainda podem ocorrer muitas cadeiradas (verbais, não literais, espera-se).

Nesse cenário, veremos a polarização em ação, mas em dezenas de municípios não será a clássica do campo azul versus o campo vermelho, como se dará em São Paulo, mas de uma centro-direita versus uma direita mais radicalizada. A fragmentação deste campo político, fenômeno que já ocorreu com a esquerda no passado, foi exposta com Pablo Marçal e nos traz algumas lições. A primeira é que, após o outsider entrar para a política, ele vira establishment e perde a aura de representar o rompimento com o sistema. O partido do ex-presidente Bolsonaro, o PL, demonstrou a sua força entregando o quinto maior resultado no primeiro turno – e a chegada no segundo em cidades importantes – mas perdeu a liderança no discurso radical. A outra é que há uma juventude de meninos e homens de classe média que buscam na fé e na internet – e não mais nos sindicatos ou na educação – sua esperança para prosperar. É uma turma que acordou dos sonhos da justiça social para viver o pesadelo de um dia a dia frustrante nas grandes cidades. A esquerda e o PT perderam a conexão com esse público, capturado por hora pela vontade de fazer o M.

Diz a máxima que não há uma correlação entre os resultados das municipais e os resultados das nacionais, que ocorrem dois anos depois. Mas se a eleição municipal não é preditiva da presidencial, ela é do legislativo seguinte: são os prefeitos os principais cabos eleitorais dos deputados federais que disputarão as eleições. E o KPI (o indicador-chave de desempenho) dos partidos políticos mais profissionais, notadamente os do Centrão, é fazer as maiores bancadas na Câmara Federal, justamente o que garante a conquista dos maiores fundos partidários. Nessa toada, importa menos ser cabeça de chave numa presidencial, se o que faz a roda da política girar é o legislativo federal, de onde, aliás, saem as emendas Pix.

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