O movimento escondeu a trajetória política real do Bolsonaro e permitiu que ele se revestisse de político inovador, contra a velha política.
Por Emir Sader, compartihado da Revista Fórum
Estivéssemos ou não de acordo com as reivindicações dos estudantes em relação às passagens de transporte, o movimento rapidamente se expandiu e, de repente, mudou. E passou a ter um outro caráter.
A mudança se deu quando o movimento foi alterando suas reivindicações. Aquela que passou a marcar o movimento foi: contra tudo isso que está ai.
O que era “tudo isso” a que o movimento se opunha? Em 2013 já faziam 10 anos dos governos do PT. O Brasil já havia mudado muito e para melhor. As desigualdades sociais e regionais haviam diminuído muito. Haviam sido criados mais de 22 milhões de empregos. O desemprego tinha baixado como nunca antes.
Tudo isso em plena democracia. Lula havia sido eleito e reeleito. Um operário, de origem nordestina, se havia transformado no mais importante presidente do Brasil. O país se projetava no mundo como exemplo de luta contra a fome, a miséria, as desigualdades.
Os governos do PT já tinham sido eleitos e reeleitos por 3 vezes. Tinha resgatado o prestígio da política, do governo, dos presidentes do Brasil.
Era contra esse Brasil que o movimento se opunha?
O movimento de 2013 deu inicio à tendência de crítica e desvalorização da política. Contra a política e contra o que o PT representava no governo.
Se tratava de cortar o clima político positivo, de otimismo. Pela primeira vez um partido político de caráter popular se tornava hegemônico no Brasil.
Foi a forma com que a direita tratava de romper esse clima e essa continuidade, produto dos governos da esquerda brasileira. Canalizava as posições históricas da direita de crítica da política e dos políticos.
O Globo se encarregou em promover as mobilizações como se fossem as maiores que o país já tinha vivido. Houve uma edição com as mobilizações em várias cidades do Brasil ocupando toda a primeira página do jornal.
Contra tudo isso que está ai. Isso que estava ali eram os governos do PT. Era o Brasil menos desigual, com menos miséria e fome, com menos abandono. Se usavam os sentimentos de jovens de rejeitarem globalmente a política e os políticos, sem examinar que tipo de política e de políticos estavam no governo.
A campanha contra a política terminou sendo o objeto das ações contra o governo da Dilma, recém reeleita presidenta do Brasil.
Foi um instrumento do golpe, que abriu o caminho para Bolsonaro, que usou esse mote para sua projeção como político, supostamente alternativo, sendo, na realidade, o mais tradicional tipo de político.
O movimento escondeu a trajetória política real do Bolsonaro e permitiu que ele se revestisse de político inovador, contra a velha política.
Desde então, o país viveu dez anos, três deles de continuidade da política que existiu em que a economia brasileira seguiu crescendo, as desigualdades sociais e regionais e a exclusao diminuindo. Seis anos depois da ruptura da democracia. O que veio com isso?
Veio o retorno da fome e da miséria, do abandono de milhões de pessoas, de milhares delas morando nas ruas. O país passou a ter um presidente que envergonhou o Brasil pelo mundo. A economia entrou em um processo de estagnação, as desigualdades, a fome e a miséria aumentaram. Há um consenso de que o período foi o pior da História brasileira.
Nisso deu a campanha contra a polótica e contra os políticos. Nisso desembocou aquele movimento aparentemente inovador, crítico, mobilizador da juventude.
Manipulado pela mídia, fez o jogo da direita, dos retrocessos, da desqualificação da política, que deu no bolsonarismo.
Como diz Lula, quando se ataca a política, em geral surge algo bem pior. Em lugar de um mundo melhor, de uma política melhor, de políticos melhores.
Foram políticos e uma política melhor que derrotaram e superaram o que 2013 tinha favorecido.