Empenho do governo Bolsonaro é em fazer política, não em salvar vidas, diz virologista

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Por Leonardo Miazzo, compartilhado de Carta Capital – 

Ao ‘celebrar’ suspensão de testes da Coronavac, presidente enfraquece trabalho de cientistas, segundo Raphael Rangel

Foto: Marcos Corrêa/PR
FOTO: MARCOS CORRÊA/PR

Ao “celebrar” a suspensão dos estudos clínicos da vacina Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech e pelo Instituto Butantan, o presidente Jair Bolsonaro demonstra estar empenhado “em fazer política, não em salvar vidas”. A análise é do virologista Raphael Rangel, coordenador do curso de Biomedicina do Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação (IBMR) e delegado do Conselho de Biomedicina, em entrevista a CartaCapital.




Na manhã desta terça-feira 10, Bolsonaro afirmou  nas redes sociais que a Coronavac causa “morte, invalidez e anomalia”. O presidente também ironizou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, escreveu.

No início da tarde, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse que está comprovado que o “evento adverso grave” citado pela Anvisa como justificativa para a suspensão dos testes não tem qualquer relação com a vacina. A informação preliminar é de que o voluntário tirou a própria vida, de acordo com a TV Cultura.

Pouco depois, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, defendeu a manutenção da interrupção dos testes e declarou que recebeu informações “insuficientes e incompletas” sobre o “efeito adverso grave”. Barra Torres fez questão de enaltecer em diversos momentos da entrevista coletiva que a decisão tomada pela Anvisa é “técnica”.

Para Raphael Rangel,  paralisações em testes de vacina são comuns, mas a polarização em torno do desenvolvimento do imunizante no Brasil gera forte preocupação. Leia a entrevista:

CartaCapital: Como o senhor analisa a “celebração” de Bolsonaro após a suspensão dos testes da Coronavac determinada pela Anvisa? 

Raphael Rangel: Nós não estamos em um cenário em que alguém perde e alguém ganha. Se alguém ganha, nesse sentido todo, é o coronavírus. É a pandemia que ganha força. Do outro lado estamos todos nós, como sociedade, os políticos também, inseridos nessa mesma situação. Essa celebração de suspensão da Coronavac por conta de interesses políticos só enfraquece o trabalho de diversos cientistas e de todos os profissionais que estão na linha de frente contra o coronavírus. Então, essa celebração só mostra realmente aquilo em que o governo está empenhado: em fazer política, não em salvar vidas.

CC: É possível que uma guerra política interfira decisivamente no avanço dos testes da Coronavac?

RR: A questão da pandemia já está muito polarizada: dizerem, por exemplo, que a vacina é da China ou de outros países já gera certa xenofobia. E, politicamente falando, o governo vem atacando a China desde o início da pandemia. Então, nessa questão, já começa uma guerra política e até mesmo entre países. E a gente tem de tomar muito cuidado, afinal, a gente tem diversas outras vacinas dispostas no Calendário Anual de Vacinação que são produzidas na China também. Este é mais um contexto em que usam a pandemia e a vacina para fazer política. O momento não é de polarizar. Temos de realmente trabalhar em prol das vidas que estão em risco.

CC: Existe o risco de a Anvisa ser usada como instrumento político?

RR: Espero que não seja. Na verdade, quando a gente para para analisar o cenário, [conclui que] Anvisa e Butantan erraram. O “efeito adverso”, que no caso ficou comprovado que foi suicídio e nada tem a ver com a vacina, aconteceu no mês passado. Mesmo esse “efeito adverso” não tendo a ver com a vacina, a Anvisa deveria ter sido notificada. Então o Butantan errou nesse sentido. Mas a gente espera que a Anvisa não seja usada como um guarda-chuva político.

CC: Interrupções como a anunciada pela Anvisa são normais em testes de vacina?

RR: Na verdade é normal essa paralisação de testes em fase 3. E é justamente isso o que fortalece o trabalho dos cientistas e dos desenvolvedores de vacina, porque dá mais segurança para a vacina ficar disponível para a população. Qualquer efeito adverso deve ser informado e sua causa deve ser investigada. Então essas paralisações em testes de vacina são bem comuns.

CC: Como o senhor analisa, no geral, a atitude do governo de Jair Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus?

RR: A atitude do governo Bolsonaro diante da pandemia é simplesmente vergonhosa. A única medida de combate à pandemia que o Brasil teve a nível federal foi não testar a população. Enquanto todos os órgãos e todas as pessoas que conhecem do assunto diziam que devíamos testar em massa, a única posição efetiva do governo federal foi de não testar. Então, a gente vê um fracasso do Brasil no combate à pandemia a nível federal.

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