A Israeli Weapon Industry levou Eduardo Bolsonaro ao principal encontro do lobby armamentista internacional enquanto fechava contratos milionários com as polícias de SP, RJ e ES
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Por Raphael Sanz, da Revista Fórum
No ano de 2017, impulsionado pela pré-candidatura à presidência da República do patriarca do clã, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) começou a costurar os apoios com a extrema direita internacional, representada nos EUA pela National Rifle Association (NRA) e toda a sua história e expertise na defesa dos interesses armamentistas. A articulação aconteceu no contexto em que os EUA tinham Donald Trump – e todas as suas semelhanças com o bolsonarismo – à frente da Casa Branca.
A NRA faz a defesa não apenas do armamento de civis, mas também de outros interesses da indústria bélica internacional, como a venda de armas para forças de segurança pública. Israel, que agora vive uma situação de guerra contra o partido islâmico-palestino Hamas, que controla a Faixa de Gaza, é um importante player nesse mercado.
Pois bem, Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 e logo no primeiro mês do seu mandato editou uma série de decretos que revogaram o Estatuto do Desarmamento e facilitaram a obtenção de licenças de CAC (caçador, atirados e colecionador de armas). O resultado disso foi o país ficar repleto de armas, mais de um milhão de novas armas em apenas 3 anos, e a criação em 2020 da versão brasileira da NRA, Proarmas, que já no primeiro turno das últimas eleições, a sua primeira enquanto organização, elegeu 38 políticos entre governadores e parlamentares.
Mas para que o clã conseguisse obter a entrada nesse seleto circuito de magnatas armados foi preciso que o principal articulador internacional da pauta, Eduardo Bolsonaro, fizesse uma série de viagens e comparecesse a eventos importantes do setor, como o Shot Show de Las Vegas, para negociar os apoios.
Na edição de 2022 do Shot Show de Las Vegas foi a fabricante de armas de fogo IWI – Israel Weapon Industries, fundada em Israel em 1933 com o nome IMI (Israeli Military Industries) mas que também tem fábricas nos Estados Unidos, quem deu a credencial de acesso a Eduardo Bolsonaro. Ou seja, a empresa foi a responsável pela sua presença no evento, facilitando a articulação do clã em torno de tais interesses. E paralelamente à gritaria do “armamento civil”, a IWI assinava contratos com uma série de polícias brasileiras.
Ampliando a imagem, vemos que a credencial de Eduardo Bolsonaro diz “Exhibitor Guest”, ou “Convidado de Expositor”, que, no caso, é a empresa IWI US Inc. de Middletown, no Estado da Pensilvânia. O Shot Show é um evento restrito e não aberto ao público geral, só entram expositores e seus convidados. O evento, portanto, serve como uma espécie networking para fomentar os negócios da indústria de armas.
Na página inicial do site da empresa já se visualiza sua conexão com a NRA. Repare em dois logos da NRA no rodapé do print a seguir.
Brasil, Israel e a matança dos “indesejáveis”
As relações entre Brasil e Israel no tema militar e de segurança são antigas. Em 2003 as Forças Armadas brasileiras abriram um escritório em Tel-Aviv. Sete anos depois, em novembro de 2010 o Brasil assinou um “acordo de cooperação em segurança” com Israel que facilitava a indexação de contratos entre os dois países relativos ao tema.
A partir daí, agentes de segurança e militares brasileiros passaram a fazer treinamentos com os israelenses, além do Estado brasileiro também iniciar suas compras de armas produzidas no país. O exemplo mais popular são os “Caveirões” do Bope do Rio de Janeiro, famosos também pelo filme Tropa de Elite, mas sobretudo pelo terror que causam nas comunidades cariocas.
Desde então não é raro vermos movimentos, como a das Mães de Maio e a Rede de Comunidades contra a Violência, afirmarem que “as mesmas armas que matam nossos filhos também matam os palestinos”.
O movimento israelense Stop the Wall, que defende a paz com os palestinos, apontava em 2011, em documento sobre as relações brasileiro-israelenses, que um dos interesses de Israel seria vender as armas eficazes em execuções extrajudiciais e equipamentos utilizados nas políticas de assentamento.
Àquela altura a IWI, que ainda se chamada IMI, estaria envolvida em “escândalos de corrupção com a compra de autoridades brasileiras para fazer valer seu interesse comercial”, diz o documento. Na mesma época, a IWI também autorizou a Taurus, fabricante de armas brasileira, a produzir os rifles Tavor que posteriormente eram comprados pelas Forças Armadas brasileiras.
“O Brasil reconheceu o Estado palestino nas fronteiras de 1967. A indústria de armas israelense está lucrando conscientemente com a ocupação contínua do território original palestino à medida que desenvolve suas armas graças à “experiência” adquirida na ocupação. O apoio à indústria armamentista israelense contradiz, portanto, claramente o apoio declarado do governo brasileiro para a criação de um Estado palestino nas fronteiras de 1967”, diz trecho do documento.
As informações sobre as vendas da IWI à polícias de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo entre 2020 e 2022 são as que constam na ‘memória recente’ da imprensa. Não se sabe o total dos contratos celebrados enquanto a somatória das compras de armas descritas a seguir estão na ordem de R$ 30 milhões.
São Paulo
A IWI fechou contratos milionários de venda de fuzis com as polícias militares do Rio de Janeiro e de São Paulo. As negociações ocorriam desde 2020, quando a empresa vendeu dez metralhadoras do modelo Negev NG-7 para a Polícia Militar de São Paulo. À época, o advogado e militante pacifista israelense Eitay Mack entrou com uma ação na justiça de Tel-Aviv em nome de outras 80 pessoas para anular o contrato.
As metralhadoras Negev têm calibre 7,62x51mm e podem disparar 600 a 750 tiros por minuto. Com um valor estipulado à época de R$ 56,2 mil por unidade, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo chegou a gastas um total de R$ 562 mil.
Ao Uol, em matéria de Rubens Valente publicada em setembro de 2020, Eitay Mack contou que viu um anúncio da IWI no Instagram anunciando a venda do equipamento para a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e achou um grande absurdo.
“Pensei que isso era uma loucura. A Negev não é o tipo de arma que deve ser usada em áreas residenciais. É uma arma muito poderosa, que pode ser usada contra tanques. Não é precisa, é uma arma de mass killing [assassinatos em massa]. O uso em favelas em São Paulo é muito perigoso, pode ser usado em massacres”, declarou.
“O armamento foi oficialmente apresentado ao centro de material bélico da PM. A metralhadora Negev NG-7 foi projetada para operar sob condições extremas. Foram realizados testes de metrologia, de tiro, precisão, resistência e queda. O armamento será empregado em modalidades de policiamento especializado na capital e o interior do estado. Com essa aquisição, a Polícia Militar busca melhorar seu potencial bélico trazendo maior segurança ao cidadão paulista,” diz um vídeo oficial da PM publicado em fevereiro de 2020 nas suas redes sociais.
Outro negócio com o Governo de São Paulo foi fechado em agosto de 2021, ou seja, poucos meses antes da ida de Eduardo Bolsonaro ao Shot Shot de Las Vegas com a credencial da IWI. Dessa vez, o montante de R$ 21 milhões, destinados à empresa, serviria para armar a Polícia Civil paulista. Foram adquiridas na ocasião 10 mil pistolas 9mm da Glock America SA e 200 carabinas produzidas pela própria IWI, após pregão internacional.
Para o movimento BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções), a compra de armamentos israeleneses por governos ao redor do mundo “sustenta a ocupação e apartheid israelenses, ao mesmo tempo em que proporciona a violação dos direitos fundamentais nos países onde as armas são utilizadas, como o Brasil”.
De acordo com nota da Polícia Civil do Estado de São Paulo, duas empresas se credenciaram no pregão para fornecer 200 carabinas e a empresa israense IWI venceu. No pregão das 10 mil pistolas calibre 9mm, quatro empresas participaram e a Glock America S.A. deu a melhor oferta. “Ambas as empresas terão até 10 dias para apresentar as amostras das armas que serão submetidas a diferentes testes. Posteriormente, há fase de habilitação das empresas. A estimativa de entrega das armas é para janeiro de 2022”, relataram. À época, a Polícia Civil de SP passava por processo de modernização dos seus equipamentos. Além das armas compradas junto à IWI, também adquiriu 4,5 mil coletes à prova de bala. O total investido nessa outra compra esteve na ordem dos R$ 7 milhões.
Rio de Janeiro e Espírito Santo
Em outubro de 2022, o jornal Extra noticiou que a PM do Rio de Janeiro também fez negócios com a IWI. A corporação adquiriu 600 fuzis da IWI, modelo Arad. Diferente do fuzil vendido à PM paulista, esse tem um potencial destrutivo menor e prevê uma melhor precisão.
“Com mira holográfica, menor e mais leve; ofuzil calibre 556 de fabricação israelense da marca IWI é o novo modelo integrado ao arsenal da PMRJ”, diz o abre da reportagem.
Ao todo, o estado gastou R$ 9 milhões de reais do fundo da Secretaria de Polícia Militar. 300 fuzis foram entregues ainda em 2022, no mês de dezembro, e o restante no início desse ano.
Já o Estado do Espírito Santo comprou outros 874 fuzis de guerra israelenses IWI Arad em junho de 2023. A matéria que noticiou a compra, publicada pela Folha de Vitória, não dá o valor contrato, mas por aproximação, comprando ao valor pago pela PM carioca no mesmo modelo, podemos supor que a compra girou em torno de R$ 13 milhões. O novo arsenal se junta a outros 300 fuzis do mesmo modelo que a corporação já havia adquirido.
Outro lado
Entramos em contato com a empresa, por meio de e-mail disponibilizado no seu site, mas até a publicação desta atualização não obtivemos resposta. No caso de uma resposta, uma atualização será feita na reportagem expondo o ponto de vista da IWI – Israeli Weapon Industry