Empresários bolsonaristas defendem golpe de Estado caso Lula seja eleito; veja zaps

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Empresários apoiadores de Jair Bolsonaro atacam STF, TSE e defendem ruptura em caso de vitória de Lula. Série de reportagens começa hoje

Por Guilherme Amado, Bruna Lima e Edoardo Ghirotto, compartilhado de Metrópoles




Empresários apoiadores de Jair Bolsonaro passaram a defender abertamente um golpe de Estado caso Lula seja eleito em outubro, derrotando o atual presidente. A possibilidade de ruptura democrática foi o ponto máximo de uma escalada de radicalismo que dá o tom do grupo de WhatsApp Empresários & Política, criado no ano passado e cujas trocas de mensagens vêm sendo acompanhadas há meses pela coluna. A defesa explícita de um golpe, feita por alguns integrantes, se soma a uma postura comum a quase todos: ataques sistemáticos ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a quaisquer pessoas ou instituições que se oponham ao ímpeto autoritário de Jair Bolsonaro.

O grupo, cujos bastidores serão contados pela coluna numa série de reportagens, reúne grandes empresários de diversas partes do país, como Luciano Hang, dono da Havan; Afrânio Barreira, do Grupo Coco Bambu; José Isaac Peres, dono da gigante de shoppings Multiplan; José Koury, dono do Barra World Shopping, no Rio de Janeiro; Ivan Wrobel, da construtora W3 Engenharia; e Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, dono da marca de surfwear Mormaii.

O apoio a um golpe de estado para impedir a eventual posse de Lula ficou explícito no dia 31 de julho. José Koury, proprietário do shopping Barra World e com extensa atuação no mercado imobiliário do Rio de Janeiro, foi quem abordou o tema, ao dizer que preferia uma ruptura à volta do PT. Koury defendeu ainda que o Brasil voltar a ser uma ditadura não impediria o país de receber investimentos externos. “Prefiro golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo mundo”, publicou.

A discussão sobre o tema havia começado às 17h23 daquele dia, após postagem de Ivan Wrobel, proprietário da W3 Engenharia, construtora especializada em imóveis de alto padrão, principalmente na Zona Sul do Rio de Janeiro. Ao se apresentar ao grupo, Wrobel disse ser eleitor de Bolsonaro desde o segundo mandato do ex-capitão na Câmara dos Deputados :“Quero ver se o STF tem coragem de fraudar as eleições após um desfile militar na Av. Atlântica com as tropas aplaudidas pelo público”, publicou. O ato na Avenida Atlântica, em Copacabana, de fato estava previsto para o Sete de Setembro, e haveria um desfile militar, com presença do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O prefeito Eduardo Paes informou nesta quarta-feira que não haverá nenhum ato em terra, apenas apresentações da Marinha e da Aeronáutica.

A mesma visão sobre o aspecto simbólico do desfile militar na orla de Copacabana foi compartilhada pelo médico gaúcho Marco Aurélio Raymundo, conhecido como Morongo e dono da rede de lojas Mormaii, uma das principais marcas de surfwear do país. “O 7 de setembro está sendo programado para unir o povo e o Exército e ao mesmo tempo deixar claro de que lado o Exército está. Estratégia top e o palco será o Rio. A cidade ícone brasileira no exterior. Vai deixar muito claro”, escreveu.

Morongo é um dos empresários com visões mais extremistas no grupo e defende que o Brasil está em guerra contra os adversários de Bolsonaro. Ao responder à defesa do golpe feita por Koury, o dono do shopping Barra World, Morongo escreveu três mensagens consecutivas.

“Golpe foi soltar o presidiário!!!

Golpe é o ‘supremo’ agir fora da constituição!

Golpe é a velha mídia só falar merda”.

O empresário Afrânio Barreira, dono do Grupo Coco Bambu e eleitor público de Bolsonaro, também respondeu à mensagem de Koury, com a figurinha de um rapaz aplaudindo. A rede de restaurantes, fundada em 2001 por Barreira, tem faturamento superior a R$ 1 bilhão anual e 64 lojas em funcionamento no país. Recentemente, ele se envolveu em discussão pública com o candidato Ciro Gomes, que o havia acusado de sonegar impostos. Barreira negou ter cometido qualquer ato ilícito.

Mais à noite, no mesmo dia da mensagem pró-golpe de Koury, o empresário André Tissot, do Grupo Sierra, empresa gaúcha especializada na venda de móveis de luxo, defendeu que uma intervenção deveria ter ocorrido há mais tempo.

“O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo.

[Em] 2019 teríamos ganhado outros 10 anos a mais”, publicou.

Mensagens anteriores já indicavam o grau de radicalismo entre alguns dos empresários do grupo. No dia 17 de maio, Morongo, da Mormaii, propôs ações extremas para defender Bolsonaro, citando casos como a Revolução Francesa e a Guerra Civil dos EUA.

“Se for vencedor o lado que defendemos, o sangue das vítimas se tornam [sic] sangue de heróis! A espécie humana SEMPRE foi muito violenta. Os ‘bonzinhos’ sempre foram dominados… É uma utopia pensar que sempre as coisas se resolvem ‘na boa’. Queremos todos a paz, a harmonia e mãos dadas num mesmo objetivo… masssss [sic] quando o mínimo das regras que nos foram impostas são chutadas para escanteio, aí passa a valer sem a mediação de um juiz. Uma pena, mas somente o tempo nos dirá se voltamos a jogar o jogo justo ou [se] vai valer pontapé no saco e dedo no olho”, escreveu.

Morongo, no entanto, mostrou ponderação após José Koury sugerir, no dia 31 de maio, que os empresários poderiam pagar bônus aos funcionários que votassem de acordo com os seus interesses. “Alguém aqui no grupo deu uma ótima ideia, mas temos que ver se não é proibido. Dar um bônus em dinheiro ou um prêmio legal pra todos os funcionários das nossas empresas”, disse Koury. “Acho que seria compra de votos… complicado”, respondeu Morongo.

Semanas depois, naquele 31 de julho em que disse preferir um golpe, Koury contou ter encomendado “milhares de bandeirinhas para distribuir para os lojistas e clientes do Barra World Shopping a partir de setembro”.

desconfiança em relação às urnas é outra constante no grupo. O empreiteiro Meyer Nigri, fundador da Tecnisa e um dos empresários mais influentes junto ao governo federal, encaminhou um texto no último dia 8 com diversos ataques ao STF. “Leitura obrigatória”, dizia a mensagem, que não foi escrita por ele. “O STF será o responsável por uma guerra civil no Brasil.”

Nigri fundou a Tecnisa em 1977 para atuar, de forma integrada, no mercado imobiliário, com atividades de incorporação, construção e vendas. Vice-presidente do conselho de administração da empresa, é considerado um dos empresários mais próximos de Bolsonaro e responsável por aproximar o presidente de diferentes personagens.

No mesmo dia 8 de agosto, antes do texto encaminhado por Nigri, o empresário José Isaac Peres atacou pesquisas eleitorais. Afirmou que sondagens de intenções de voto são “manipuladas” para confirmar resultados de “urnas secretas”. Peres é o acionista majoritário da Multiplan, uma das principais administradoras de shoppings do Brasil. “O TSE é uma costela do Supremo, que tem 10 ministros petistas. Bolsonaro ganha nos votos, mas pode perder nas urnas. Até agora, milhões de votos anulados nas últimas eleições correm em segredo de Justiça. Não houve explicação”, escreveu.

Em 21 de julho, Meyer Nigri repassou ao grupo um texto que defendia a contagem paralela de votos nas eleições por uma comissão externa. Em outra mensagem encaminhada por Nigri, no dia 26 de junho, lê-se que o ministro Luís Roberto Barroso “interfere” nas eleições ao “mentir” sobre o voto impresso. “Todo esse desserviço à democracia dos 3 ministros do TSE/STF faz somente aumentar a desconfiança de fraudes preparadas por ocasião das eleições. O Datafolha infla os números de Lula para dar respaldo ao TSE por ocasião do anúncio do resultado eleitoral”, dizia a postagem.

Isaac Peres, da Multiplan, também distribuiu ofensas ao STF em diferentes ocasiões. Em 8 de maio, encaminhou mensagem dizendo que o STF “é o mais forte partido político da esquerda que faz oposição ao Poder Executivo”. E, no dia 26 de maio, disse que a reação do STF à operação militar que deixou 23 mortos em uma favela do Rio estava “à revelia da Constituição Brasileira”. “Até quando vamos assistir (sic) o abuso de poder prevalecer?”, indagou.

Vitor Odisio, coach, engenheiro e CEO da Thavi Construction, que se apresenta na internet como um empresário atuante nas regiões central e sul da Flórida, havia dito, em 10 de junho, que “Bolsonaro não leva essa eleição de forma nenhuma com essa formação de TSE e essas urnas”. “Tem que intervir antes, esquecer o TSE, montar uma comissão eleitoral (como quase todos os países do mundo fazem), votação em papel e segue o jogo! Simples assim”, escreveu. “Depois da eleição já era, vai ser esperneio…”.

Outro alvo preferencial dos empresários é o ministro Alexandre de Moraes, hoje presidente do TSE. Carlos Molina, dono da empresa de auditoria Polaris, tem o costume de chamar Moraes de “skinhead” em diferentes postagens. “Já nem o PCC tem paciência para aturar o skinhead de toga”, afirmou o empresário, em uma postagem datada de 25 de julho.

Molina, um português de nascença que mora no Rio, também trabalha com gerontologia. No dia 7 de julho, ao comentar a notícia sobre a explosão de um artefato com fezes humanas em um ato lulista no Rio, escreveu: “É totalmente desnecessário. Não vai faltar muito para o Alex Skinhead decretar isso como atentado terrorista com arma biológica.”

Nem só de ataques, entretanto, vive o grupo. Aqui e ali, também há projeções para o futuro do Brasil. Recentemente, por exemplo, Luciano Hang revelou quem espera que seja eleito presidente nos próximos 12 anos. Para o dono da Havan, depois de reeleger Bolsonaro, o país deveria eleger o ex-ministro Tarcísio de Freitas para o Planalto, em 2026, e reelegê-lo em 2030. “Aí não terá mais espaço para os vagabundos”, completou.

O que dizem os empresários

coluna procurou todos os empresários citados na reportagem.

José Koury afirmou que não defende um golpe, mas em seguida confirmou que “talvez preferiria” a ruptura a uma volta do PT.

“Vivemos numa democracia e posso manifestar minha opinião com toda liberdade. Não disse que defendo um golpe de Estado, e sim que talvez preferiria isso a uma volta do PT. Para mim, a volta do PT será um retrocesso enorme para a economia do país”, disse Koury.

Sobre a distribuição de bandeiras do Brasil no shopping Barra World, no dia 7 de setembro, Koury afirmou que “não é um ato político, e sim um ato de patriotismo”.

Morongo, da Mormaii, que defendeu a importância simbólica de um desfile militar para mostrar de que lado as Forças Armadas estão, afirmou que não apoiará qualquer “ato ilegítimo, ilegal ou violento”. “Sem acesso ao conteúdo ou à matéria que referes, informo que não apoiei, não apoio e não apoiarei qualquer ato ilegítimo, ilegal ou violento, e destaco que uso de figuras de linguagem que não representam a conotação sugerida”, respondeu.

Meyer Nigri, da Tecnisa, disse que pode “ter repassado algum WhatsApp” que recebeu. “Isso não significa que eu falei ou concorde”, afirmou. “Já estou deixando claro que não afirmei nada disso. Só repassei um WhatsApp que recebi”.

Afrânio Barreira, do Coco Bambu, afirmou desconhecer qual seria o teor do apoio ao golpe de Estado, expressa por ele com o envio de um gif com aplausos à ideia de ruptura apresentada por Koury. “Nunca me manifestei a favor de qualquer conduta que não seja institucional e democrática. Fico surpreso com a alegação de que eu seria um apoiador de qualquer tipo de rompimento com o processo democrático, pois isso não corresponde com o meu pensamento e posicionamento”, afirmou.

“A democracia é a chave para construção de um Brasil melhor, valorizo, e muito, a oportunidade de conseguir votar e escolher os representantes de nosso povo brasileiro, e todo cidadão deveria ter a consciência da importância deste momento. Valorizo e sempre defenderei um processo eleitoral honesto e justo. A autonomia e separação de cada um dos três poderes é essencial para construção de uma sociedade com liberdade. Apoio e defendo que as instituições que representam cada um dos poderes sejam fortes e íntegras, atuando sempre, cada uma delas, dentro das regras da nossa Constituição Federal de 88”, prosseguiu Barreira.

“Participo de vários grupos com colegas e amigos que tratam de diversos assuntos, e, às vezes, de política. Com frequência me manifesto com reações em ’emoticon’ a alguma mensagem, sem necessariamente estar endossando seu teor, ou ter lido todo o seu conteúdo. São centenas de grupos, milhares de mensagens e publicações para serem lidas e respondidas todos os dias. Dito isto, ratifico que meu apoio é pelo processo eleitoral que começou nesse mês de agosto”, acrescentou Barreira, que disse não ter contato com integrantes do governo nem com Bolsonaro.

A assessoria de imprensa do grupo Multiplan enviou nota em que afirma que o empresário José Isaac Péres está viajando e, por essa razão, não responderia diretamente.

“Ele (Peres) esclarece que sempre teve compromisso com a democracia, com a liberdade e com o desenvolvimento do país. Neste momento, ele está tratando de projeto empresarial no Rio Grande do Sul, onde a estimativa é de gerar investimentos de bilhões de reais e milhares de empregos”, afirmou o texto.

A assessoria de imprensa do Grupo Sierra informou que o empresário André Tissot também está viajando e, por essa razão, não responderia imediatamente.

Os empresários Carlos Molina, Ivan Wroble, Luciano Hang e Vitor Odisio não retornaram o contato da coluna.

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