Empresários ligados a Trump visitaram Macedônia do Norte seis dias antes da eleição na Venezuela

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Apontado pela Venezuela como origem de ataque hacker, país recebeu empresários para discutir ‘transformação digital’; presidente participou das conversas

Por Pedro Marin, compartilhado de Opera Mundi




Apontada pelo governo da Venezuela como local de origem de um ataque hacker que teria paralisado a infraestrutura do órgão eleitoral do país durante a apuração das eleições presidenciais no último dia 28, a Macedônia do Norte recebeu a visita de importantes empresários ligados a Donald Trump dias antes do pleito venezuelano.

O canadense de origem macedônia Chris Pavlovski, criador da rede de vídeos Rumble, o ex-deputado norte-americano Devin Nunes, executivo-chefe do Trump Media & Technology Group (TMTG), e Howard Lutnick, CEO da empresa de serviços financeiros Cantor Fitzgerald, estiveram na capital macedônia, Skopje, no dia 22 de julho, e tiveram reuniões com Gordana Siljanovska Davkova e Hristijan Mickoski, respectivamente a presidente e o primeiro-ministro do país, ambos recém-eleitos pelo partido ultradireitista VMRO-DPMNE.

O próprio Pavlovski fez questão de publicizar sua visita. Em um vídeo publicado em seu Instagram, o dono do Rumble mostra como seu carro particular é acompanhado por viaturas policiais a caminho das reuniões com as autoridades do país. “Escolta policial de respeito”, diz ele, aparentemente orgulhoso.

“Se acharmos interesses em comum, por que não?”

O primeiro-ministro macedônio Hristijan Mickoski não deu detalhes acerca da reunião com os empresários trumpistas, mas disse que os projetos discutidos têm dois aspectos. “Por ora, não vou revelar esse tipo de detalhes [sobre cooperação], mas estou feliz por ter recebido essas pessoas hoje. Eles vão ficar aqui pelos próximos dias e vão conversar com as equipes governamentais, em duas seções. A primeira é a parte econômica, e a segunda é a digitalização e transformação digital”, disse Mickoski ao canal de televisão local Telma. “Se acharmos interesses em comum, por que não?”. 

Gordana Siljanovska Davkova, presidenta da Macedônia do Norte, em reunião com empresários ligados a Donald Trump, em 23 de julho de 2024.
(Foto: https://pretsedatel.mk/)

Segundo o Balkan Insight, um comunicado à imprensa antes da reunião informava que o encontro tinha como foco “oportunidades na cooperação para reformas digitais que o país precisa implementar para melhorar o serviço aos cidadãos”, bem como “liberdade digital e transformação da sociedade macedônia”.

Já de acordo com o IntelliNews, a presidente do país, Gordana Siljanovska Davkova, foi informada durante a reunião sobre “potenciais oportunidades de colaboração com instituições macedônias, com foco na futura transformação digital e reformas na Macedônia do Norte”. De acordo com o site, “a presidente agradeceu as iniciativas de cooperação econômica e troca de expertise com essas importantes companhias”.

Em outra matéria, o site destaca que “a visita, realizada meses antes da eleição presidencial dos EUA, ocorre após o anúncio dos planos do genro de Trump, Jared Kushner, de fazer investimentos substanciais em projetos imobiliários na Sérvia e Albânia. Há um interesse significativo dos etnicamente divididos Balcãs Ocidentais em uma segunda Presidência Trump. Durante o primeiro mandato de Trump, a Casa Branca foi ativa na região, em particular por meio do enviado especial Richard Grenell. Agora, líderes empresariais ligados a Trump estão explorando oportunidades de investimentos na área antes da potencial segunda presidência de Trump”. 

Por que é importante?

O encontro entre empresários e autoridades da Macedônia do Norte ocorreu uma semana antes das eleições venezuelanas, realizadas no dia 28 de julho. Horas após o fechamento das urnas no país, pouco após a meia-noite do dia 29, a autoridade eleitoral venezuelana informou ter sido alvo de ciberataques. “Depois de resolver uma agressão contra o sistema de transmissão de dados que atrasou a transmissão dos resultados das eleições presidenciais, e tendo chegado ao 80% de transmissão, cumprimos [o dever] de emitir o primeiro boletim que marca uma tendência contundente e irreversível. Com 80% das mesas apuradas, e com um nível de participação eleitoral de 59%, os resultados são os seguintes: Nicolás Maduro […] com 51,20%. Edmundo González […] com 44,2%”, disse o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, declarando ainda  que solicitou ao procurador-geral da República que iniciasse uma investigação sobre as “ações terroristas perpetradas contra nosso sistema eleitoral, os centros de votação e contra funcionários eleitorais”. 

O procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, informou que o ataque havia sido realizado a partir da Macedônia do Norte, “com a intenção de manipular os dados que o CNE estava recebendo”. Segundo as autoridades venezuelanas, teria se tratado de um ataque distribuído de negação de serviço (DDoS – Distributed Denial of Service), um tipo de ataque em que se tenta sobrecarregar um determinado servidor ou serviço por meio de acessos em massa, normalmente com o uso de “botnets” (redes de robôs).

O ataque não tem, por si só, a capacidade de invadir os sistemas, mas sim de causar lentidão nos servidores e eventualmente derrubá-los. 

No dia 31 de julho, a empresa Netscout, sediada em Massachusetts, nos EUA, publicou um relatório em que confirma um aumento significativo no volume de tráfico na internet do país no dia 29 de julho. Segundo a empresa, o aumento no volume do tráfico coincidiu com um aumento em 10 vezes nos ataques DDoS contra o país, no que a Netscout chamou de “ataque de DDoS de carpet bombing”, em referência à tática de bombardeio de saturação utilizada em conflitos como a Guerra do Vietnã.

Ainda de acordo com a empresa, “aparentemente os atacantes preferiram a frequência, e não o volume, durante o ataque. […] É importante considerar que os ataques DDoS geralmente são excessivos. Mesmo um pequeno volume de tráfego, se enviado no momento certo e contra um alvo despreparado, pode resultar em quedas na rede”.

O primeiro-ministro da Macedônia do Norte, Hristijan Mickoski, junto dos empresários trumpistas Howard Lutnik, Devin Nunes e Chris Pavlovski, em 22 de julho de 2024.
(Foto: vlada.mk)

Não está claro se a origem dos ataques efetivamente foi a Macedônia do Norte, já que movimentos do tipo costumam utilizar servidores em países terceiros, programas que “mascaram” a origem dos computadores (VPNs) ou mesmo botnets espalhadas pelo mundo.

No dia 30 de julho, o Ministério de Assuntos Internos da Macedônia emitiu uma nota informando que “acompanha a evolução das alegadas acusações contra cidadãos macedônios” e afirmando que “até agora, nenhum pedido ou informação […] foi recebido por parte das autoridades da Venezuela para verificações de nossa parte”.

As autoridades também lembraram que “mesmo o aparecimento de endereços IP macedônios em algum alegado ataque não significa que sejam originários da Macedônia […] com base na experiência anterior, podemos informar que existe uma grande probabilidade de utilizarem VPNs (Redes Virtuais Privadas) ou uma rede botnet maior, ou seja, originarem-se dos chamados computadores zumbis infectados, que foram comprometidos por hackers através de vírus de computador ou malwares para executar tarefas atribuídas controladas remotamente por indivíduos ou um grupo de hackers em potencial”.

Nesta terça-feira (06/08), o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela confirmou ter recebido do presidente do CNE, Elvis Amoroso, as atas das eleições presidenciais venezuelanas, bem como as provas do ataque cibernético contra o órgão: essas informações seriam chave para definir a origem e a amplitude dos ataques.

Sócios de Trump e ex-membro do Comitê de Inteligência

As ligações dos empresários que se reuniram com autoridades macedônias são públicas e notórias. Apesar de ser canadense, com origem macedônia, Chris Pavlovski se tornou conhecido nos Estados Unidos como o homem por trás da rede social de vídeos Rumble.

Criado em 2013, o Rumble teve um pico de popularidade a partir de junho de 2020, durante o pico da pandemia global de covid-19, ao oferecer uma plataforma alternativa ao YouTube a criadores de conteúdo – no geral conservadores e reacionários – que consideravam-se censurados na plataforma da Google. Em uma matéria de março de 2021, intitulada “Para onde a propaganda anti-vacina foi quando o YouTube a baniu”, o site Slate diz que o Rumble “é a plataforma de vídeo favorita de teóricos da conspiração e a extrema-direita. Agora a desinformação médica tem nela um lar”.

Em dezembro de 2023, o Rumble, que se apresenta como uma empresa que “cria tecnologias que são imunes à cultura do cancelamento” e que tem como missão “proteger uma internet aberta e livre”, desabilitou o acesso de usuários do Brasil, após negar-se a cumprir a determinação do STF para que bloqueasse o perfil de Bruno Aiub, conhecido como Monark, na plataforma. Desde então o site, popular entre a extrema-direita norte-americana, está inacessível no país.

Além de Pavlovski, a comitiva de empresários norte-americanos em Skopje contou com Devin Nunes, executivo-chefe do Trump Media & Technology Group (TMTG). A TMTG é uma empresa de tecnologia de propriedade de Donald Trump com sede na Flórida. Fundada em 2021 por Andy Litinsky e Wes Moss, ela foi listada na bolsa em março deste ano, e seu principal produto é o Truth Social, plataforma alternativa ao Twitter criada após o banimento de Trump da rede, em 8 de janeiro de 2021.

A Truth Social foi criada no ano seguinte, em fevereiro de 2022, e a partir de abril passou a ser operada com a mesma infraestrutura do Rumble. Além de executivo da empresa, Devin Nunes foi deputado pelo Partido Republicano entre 2003 e 2022, presidente do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes dos EUA entre 2015 e 2019 e membro do Comitê entre 2019 e 2022. Foi também membro da equipe de transição de Trump, e foi mencionado por Steve Bannon, estrategista-chefe de Trump, como o “segundo maior aliado” do ex-presidente no Congresso.

O jornal Los Angeles Times o definiu como “um dos mais fervorosos e extravagantes defensores de Trump no Congresso […] que repetia as teorias conspiratórias do presidente”. Em 2021, o deputado de ascendência portuguesa recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior condecoração civil dos EUA, das mãos de Donald Trump. Em seu site, ele se define como um “anticomunista declarado” que “frequentemente denuncia as tendências socialistas do Partido Democrata” e que “é um crítico veemente da grandemídia e das grandes empresas de tecnologia por suprimirem os conservadores e agirem como uma ferramenta de propaganda para os democratas”.

Da esquerda para a direita, Howard William Lutnick, da Cantor, Chris Pavlovski, do Rumble, e Devin Nunes, do Truth Social, durante reunião com a presidente macedônia Gordana Siljanovska Davkova, em 23 de julho de 2024.
(Foto: pretsedatel.mk)

Já Howard William Lutnick é presidente da Cantor Fitzgerald e da BGC Partners, ambas empresas de finanças. Com uma fortuna de ao menos 1,5 bilhões de dólares (8,4 bilhões de reais), Lutnick foi um dos empresários por trás da entrada do Rumble na bolsa de valores. Em uma entrevista à Bloomberg em 2021, ele classificou o site como uma “plataforma neutra”. Em 2019, em meio aos esforços para sua reeleição, Donald Trump conseguiu levantar 5 milhões de dólares em um evento realizado na casa de Lutnick.

Por parte de suas empresas serem globais – a BGC partners está presente nos seis continentes, e tem dois escritórios no Brasil, em nome da BGC Liquidez – os interesses do empresário inevitavelmente também passam pela Venezuela. Em 2017, a Cantor Fitzgerald parou de negociar títulos venezuelanos, após o Departamento do Tesouro dos EUA aplicar sanções contra o país. Em junho deste ano, no entanto, a empresa intermediava uma operação de 30 milhões de dólares relacionada à compra de ativos da Citgo Petroleum, refinaria venezuelana que foi alvo de uma dura disputa diplomática, legal e comercial entre Venezuela e EUA após um tribunal de Delaware determinar a abertura de um leilão para a venda da empresa nos Estados Unidos.

À época, Nicolás Maduro classificou o movimento como uma “manobra para executar o roubo” da empresa. A vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, classificou o leilão como uma “venda forçada”, dizendo que a companhia era um ativo estratégico da PDVSA, a petrolífera estatal venezuelana. Para o governo venezuelano, figuras como Juan Guaidó, considerado pelos EUA como presidente interino do país, colaboraram com tal “roubo”.

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