Por Nirton Venancio, Cineasta, roteirista, poeta, professor de literatura e cinema
“Eu não sou Bossa Nova, eu não sou samba, eu não sou jazz, eu não sou rumba, eu não sou forró. Na verdade eu sou isso tudo ao mesmo tempo.”
No final dos anos 90 cruzei com o compositor João Donato em um shopping em Brasília. Eu entrava, ele saía. Diminuí os passos, a porta automática voltou a fechar, e fiquei ali admirando aquela figura alta e belamente vistosa com uma camisa florida. Sorriu para mim e cumprimentou: “Oi, tudo bem?”. Inocente, puro e besta, surpreendi-me com sua simplicidade e generosidade.
Aproximei-me para abraçá-lo e naturalmente abriu os braços. Aquelas folhas de coqueiro – acho – da estampa da camisa envolveram-me. O grande João Donato abraçou-me, e eu mais ainda o apertei em meu peito.
Ele não me conhecia, nem sequer teria me visto em alguma de suas apresentações a que assisti, ali anônimo no enlevo coletivo da plateia. Eu era apenas um fã diante seu ídolo na entrada de um shopping center no planalto central do país.
João Donato à época morou em Brasília, num curto espaço de tempo, quando conheceu a jornalista Ivone Belém, com quem casou em 2001.
E no rápido e eterno enquanto durou o meu encontro naquela tarde, disse-lhe de minha admiração, de seus discos que me marcaram, dos shows que aplaudi. Ele só sorria, “Obrigado, obrigado. Que bom ouvir isso”.
Estendeu mais um sorrisão sobre o colorido da blusa quando lhe disse que ele é samba, Bossa Nova e jazz num só fôlego em suas canções. Justamente o que falou, em melhor proporção, tempos depois, em julho de 2014, em uma entrevista ao jornal O Globo, que reproduzo acima.
Essa sua definição já está naturalmente sedimentada em suas criações, na vasta discografia de quase 40 álbuns, do estreante “Chá dançante”, de 1956, ao último, lançado ano passado, “Serotonina”. Eu apenas expressei o óbvio. Olha-se e ouve-se João Donato e vê-se a Música.
Despedimo-nos. Ele seguiu para o estacionamento, e eu, sentindo-me abençoado e mágico, fiz a porta do shopping abrir-se novamente só com o sensor da alegria em meu corpo. Ouvi-me cantar por dentro sua famosa canção de 1975, “Lugar comum”: “Tudo isso vem, tudo isso vai / pro mesmo lugar / de onde tudo sai”.
João Donato partiu nesta madrugada de começo de semana, aos 88 anos. Deixou samba, jazz, rumba e forró em acordes de saudade em todos nós.
Foto: Ekaterina Bashkinova, 2014