Por Lucas Neiva, compartilhado do Congresso em Foco
Logo em sua primeira reunião como presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a deputada Caroline de Toni (PL-SC) incluiu em pauta quatro projetos de lei voltados ao endurecimento de penas adotadas pela Justiça brasileira. Um deles chega a impor a pena mínima de 25 anos de prisão para a reincidência tripla em qualquer tipo de crime. Segundo especialistas, políticas do tipo acabam favorecendo não a população, mas as próprias facções criminosas.
Projetos voltados ao aumento ou endurecimento de penas não são uma tendência apenas na CCJ da Câmara, mas no Congresso Nacional como um todo. No Senado, foi aprovado em fevereiro o projeto de lei que extingue as saídas temporárias de presos em datas comemorativas e impõe exames criminológicos para a progressão de pena. Na Câmara, parlamentares da Comissão de Segurança Pública defendem abertamente o fim da progressão.
Pós-doutor em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e consultor em segurança pública, o ex-deputado Marcos Rolim ressalta que essa abordagem, apesar de extremamente popular, “vem sendo uma ferramenta especialmente útil para o crime organizado no Brasil”, apresentando-se como uma solução ideológica para a criminalidade, contrariando estudos científicos sobre o impacto de políticas de recrudescimento de penas.
A grande preocupação do pesquisador e professor universitário está na própria realidade dos presídios brasileiros, cuja superlotação e deterioração acumuladas ao longo das últimas décadas foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como um estado de coisas inconstitucional. “O que eles estão fazendo com projetos como os da CCJ é ampliar essa situação”.
Em julho de 2023, o Brasil chegou à terceira posição mundial de massa carcerária, com mais de 832 mil presos, enquanto a soma de todas as unidades prisionais, de acordo com a Secretaria Nacional de Políticas Penais, é pouco maior do que 165 mil vagas, alcançando mais de 500% de superlotação. Com isso, prisioneiros por delitos menores acabam não apenas expostos aos de organizações criminosas, como muitas vezes acabam dependendo delas para sobreviver a tais condições, somando-se aos quadros de grupos armados e retornando ao crime.
O advogado criminalista Thiago Turbay se soma à análise de Marcos Rolim, considerando “antiliberal e anti-produtivo” o esforço do parlamento para aprovar propostas de recrudescimento de penas. “A automação do aumento da pena não é condizente com os princípios de regência do sistema criminal e não constituem pilar civilizatório e marcador de avanço social. (…) É o tipo de política que serve para ampliar a probabilidade de malversação de recursos”, apontou.PUBLICIDADE
Lei dos “Três Strikes”
A preocupação de Turbay, em especial, diz respeito ao projeto que a presidente da CCJ pautou duas vezes no colegiado, estabelecendo a pena mínima de 25 anos para detentos com tripla incidência. “A medida impulsionará mais gastos públicos e descuido com o orçamento, além de implicar mais deterioração ao sistema penitenciário, considerado violador de direitos fundamentais e, em permanente estado de coisas inconstitucional”, declarou.
O projeto importa a política de “Three strikes and you are out”, ou “Lei dos Três Strikes”, experimentada na Califórnia e em outros estados americanos na década de 1990. Ela classifica qualquer criminoso a partir da terceira incidência criminal como um fator de risco social, estabelecendo sua prisão perpétua. Como a legislação brasileira não comporta pena perpétua, o autor, Kim Kataguiri (União-SP), adotou o tempo de 25 anos.
Marcos Rolim relata que o experimento trouxe péssimos resultados nos estados onde foi testado. “A experiência norte-americana com essa política foi um desastre. Aumentou muito as taxas de encarceramento, inclusive por delitos de menor potencial ofensivo, pois não havia distinção entre tipos penais. Os próprios americanos abriram mão disso. Hoje, o esforço por lá, na maioria dos estados, é no sentido de redução do número de presos”, alertou.
Berlinque Cantelmo, advogado especializado em ciências criminais e segurança pública, também manifesta preocupação com relação à ausência de distinção entre incidências por crimes de maior ou menor potencial ofensivo. Ele chama atenção, porém, para um outro aspecto: o texto, ao seu ver, é inconstitucional. “Esse tipo de alteração, repita-se, não deve e não pode ser feita no artigo 63 do Código Penal [como prevê o projeto], mas sim em algum momento, se pensarmos de maneira ampla, nos tipos penais, especificamente”.
Progressão de pena
Enquanto o projeto que implementa a Lei dos “Três Strikes” segue emperrado na CCJ, o que prevê o fim das saidinhas retorna do Senado para uma última votação diretamente em plenário. Uma de suas principais mudanças é a imposição do laudo criminológico para que um presidiário tenha direito à progressão de regime, exigência que já existiu antes na Lei de Execuções Penais mas foi extinta em 2003.
Marcos Rolim ressalta que o exame não deixou de ser exigido por acaso. “Os próprios laudos não tinham razão de existir. Os centros penitenciários estavam e estão tão fora de controle, tão desorganizados pela superlotação, que os técnicos não conseguem acompanhar a execução penal individualmente, como seria desejável”, relembrou.
A consequência foi um apagão generalizado de dados técnicos sobre as condições dos presos, resultando na elaboração de laudos gerais coletivos. “Se percebeu que aquela política era uma farsa: além de tomar muito tempo dos técnicos, se esperava algo que eles não tinham condições de fazer. Por isso se passou a exigir apenas o bom comportamento, com base na ausência de ocorrência disciplinar do preso, e a posição do diretor do presídio”.
O pesquisador reconhece que o atual modelo de progressão não é o ideal, mas a solução não passa pelo recrudescimento de penas, mas pela construção de uma política pública voltada à solução do estado de coisas inconstitucional estabelecido nos presídios brasileiros.