Por Flavia Milhorance em Projeto Colabora –
Estatísticas do Inep mostram que a 1ª série do nível médio tem os maiores índices de evasão e repetência
As quatro paredes da sala de aula parecem oprimir o aluno do primeiro ano do ensino médio. É como se ele olhasse pela janela e enxergasse, do lado de fora da escola, um mundo de caminhos mais palpáveis do que aquele escrito no quadro. No momento em que o estudante deveria iniciar sua trajetória até a universidade ou descobrir sua vocação profissional, ele vê reduzidas suas chances de permanecer entre aquelas paredes. É, justamente, durante o 1º ano que mais alunos deixam a escola para, em muitos casos, não voltar jamais. Essa série apresenta as maiores taxas de evasão (12,9%) e abandono (8,6%) de toda a educação básica, segundo levantamento com base nos indicadores divulgados este ano pelo Instituto Nacional e Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação.
O #Colabora incia aqui uma série para investigar as razões do fracasso dos estudantes no primeiro ano do ensino médio, investigando os motivos e mostrando bons e maus exemplos.
“Os jovens estão se formando no ensino fundamental e, na transição para o ensino médio ou durante o primeiro ano, geralmente abandonam os estudos”, comenta Marina Gattás, coordenadora de projetos da Fundação Brava.
Essa realidade, que melhorou pouco na última década, revela a conflituosa relação da juventude brasileira com a escola. Ou melhor, das juventudes. Há um abismo entre as escolas privadas e públicas. Os resultados negativos são puxados pela última.
O peso da pobreza
Boa parte das razões para abandonar o colégio é de natureza socioeconômica, como mostrou o Gesta, um recente mapeamento coordenado por organizações ligadas à educação, entre elas a Fundação Brava. O impacto da pobreza e da violência, além da dificuldade de acesso à escola, estão entre motivações-chave para a evasão escolar.
Esses fatores, no entanto, não surgem no ensino médio. O que explicaria, então, que essa faixa seja a mais vulnerável?
“Há hipóteses”, diz Gattás, com base nos resultados do Gesta. “O ensino médio está muito descasado da realidade do jovem, ele não vê valor naquilo; e ele está numa idade em que começa a ter autonomia e poderia estar no mercado de trabalho, ou porque quer ou porque precisa”.
Mas nem todos saem do colégio para começar a trabalhar. Em 2015, quase um em cada quatro dos jovens (22,5%) entre 15 e 29 anos não estavam na escola nem no mercado de trabalho – os chamados “nem-nem”.
“Muitas meninas estão nessa condição”, alerta Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, professora da fundação e da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
“Embora a escolaridade das mulheres seja, em média, maior que a dos homens, no caso dos ‘nem nem’ elas são mais afetadas porque saem do colégio para casamentos precoces e para serem mães. E depois têm vergonha de voltar ou ou não têm o apoio da família”, completa.
Costin participou ano passado da elaboração de um relatório do Banco Mundial que mapeou os “nem nem” na América Latina e diz que o Brasil está, proporcionalmente, entre os que têm mais jovens nesta situação.
Também não é particularidade brasileira a evasão do colégio na juventude. Segundo a ONU, o Brasil tem um quadro semelhante ao de países subdesenvolvidos na África e Ásia. E as barreiras parecem ser universais: a distância da escola e a pressão do mercado de trabalho.
Reprovação em alta
Se, ao chegar ao ensino médio, o aluno decide continuar estudando, ele enfrenta outro obstáculo: é no 1º ano que tem mais dificuldade de assimilar o que é ensinado em sala. O 1º ano também acumula, segundo os indicadores educacionais do Inep, as taxas mais preocupantes de reprovação (17,3%) e repetência (15,3%).
Esse é, inclusive, um dos principais fatores da evasão. O Gesta e outros estudos sugerem que, cada vez que um aluno repete de série, mais fora de lugar ele se sente e menos sentido ele vê na escola.
“Os sintomas começam no ensino fundamental, e o que acontece é um acúmulo de defasagens que culmina no ensino médio”, comenta Costin.
O rendimento do aluno cai à medida que ele avança de série. Dados compilados da Prova Brasil mostram que 54% dos estudantes de 5º ano aprenderam o adequado em português e 43%, em matemática. No 9º ano, o índice encolhe, respectivamente, para 34% e 18%. Quando chega ao 3º do ensino médio, apenas 27% aprenderam o necessário de português e 7,3% de matemática.
Obrigatório, mas não universal
O ensino médio é obrigatório, embora esteja longe de ser universal. É uma meta já atrasada do governo federal e que ainda está distante da realidade. Hoje só 56% dos estudantes concluem o ensino médio com até 19 anos, de acordo com um levantamento do Movimento Todos pela Educação. Até está melhor que há uma década (41%), mas um em cada quatro jovens de 15 a 17 anos (2,8 milhões) não se matricula ou abandona a escola durante o ano.
Há uma razão prática para se reverter essa tendência: as perdas econômicas. Enquanto o investimento do governo com o ensino médio chega a R$ 50 bilhões por ano, o impacto de alunos desta faixa fora da escola é de R$ 100 bilhões. O cálculo foi feito pelo Gesta com base num modelo americano que leva em conta o custo pessoal e social da baixa escolaridade.
“Quando falamos de educação, não podemos perder de perspectiva por que temos a responsabilidade de resolver isso, e isso vai além de uma razão filosófica. O prejuízo é muito grande, não vale a pena”, afirma Gattás.