Pelo projeto, instituições bancárias poderão fazer a penhora em qualquer situação na qual o imóvel é dado como garantia
Compartilhado de Brasil de Fato
A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (1º), o Projeto de Lei (PL) 4188/2021, de autoria do governo de Jair Bolsonaro (PL), que, entre outros pontos, permite que bancos e instituições financeiras possam penhorar o único imóvel de uma família para quitar dívidas. De acordo com a legislação brasileira atual, esse único bem não pode ser perdido por dívidas, salvo exceções definidas em lei. Agora, segundo o projeto, as instituições bancárias poderão realizar a penhora em qualquer situação na qual o imóvel seja dado como garantia real. O texto, aprovado por 260 votos favoráveis e 11 contrários, segue para o Senado.
“É mais uma prova de que Bolsonaro é amigo dos bancos e contra a família brasileira”, criticou o deputado Alencar Santana (PT-SP), após a aprovação. “Esse governo diz que defende a família, mas ataca a família brasileira, a família mais pobre. As famílias vão perder a sua casa para os grandes bancos, que não estão preocupados com a vida do povo e que continuam cobrando juros exorbitantes e altíssimos.”
A líder do Psol, deputada Sâmia Bomfim (SP), também destacou os problemas do texto, ainda mais no momento de crise econômica pela qual passa o país. “Na situação de pindaíba que a população brasileira está, é evidente que um cidadão vai querer acessar esse crédito. Só que ele vai poder utilizá-lo para diferentes empréstimos. Se ele não conseguir pagar um desses empréstimos – apenas um deles –, vai ser penhorado tudo o que ele apresentou como garantia – e essa garantia pode ser inclusive um bem de família”, disse a deputada.
Em sua coluna no Brasil de Fato, a advogada Tânia de Oliveira ressaltou que o PL 4188/2021 “afeta o princípio da dignidade da pessoa humana”, lembrando que o instituto do bem de família está entrelaçado ao direito de moradia, um dos direitos sociais garantidos pela Constituição.
“A impenhorabilidade é um mecanismo que visa a assegurar um patrimônio mínimo ao devedor, que não pode ser atingido por dívida. A inclusão do bem de família busca proteger o imóvel residencial da unidade familiar, nos termos das formas e condições previstas na legislação, que condiz com o disposto no artigo 226, da Constituição Federal: ‘a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado’, que por seu turno também se relaciona com o direito à moradia, reconhecido como um direito social no art. 6º.”
Bem de família tomado e a dívida segue
Em seu perfil no Twitter, o assessor econômico do Psol na Câmara dos Deputados e professor voluntário de Economia na Universidade de Brasília (UnB), David Deccache, deu detalhes sobre como a proposta aprovada na Câmara modifica a legislação e os impactos negativos que ela pode trazer.
Ele explica que as Instituições Gestoras de Garantia (IGG), pessoas de direito privado, ficarão responsáveis pela gestão e compartilhamento de garantias nas operações de crédito pactuadas entre o tomador e as instituições financeiras credoras, “sempre em benefício da instituição financeira credora (portanto contra as famílias) no processo de excussão das garantias”.
“As IGG irão avaliar o valor das garantias e, com base nesse valor, as instituições financeiras poderão definir o montante de crédito a ser tomado pelo mutuário. Com isso, um mesmo imóvel poderá ser usado como garantia em vários empréstimos, estressando ao máximo a garantia e alavancando o endividamento garantido pelo bem de família. Lembram da crise de 2008?”, pontua o economista.
Ele cita um exemplo de como isso funcionaria na prática. ” (…) você coloca a sua casa de 200 mil na IGG e ela avisa a todos os bancos que tem essa garantia sua lá com ela. Se você fizer 5 empréstimos de 30 mil em bancos diferentes, todos eles estarão apoiados na mesma garantia”, pontua. E caso a pessoa fique inadimplente em apenas uma dessas operações, Se vc ficar inadimplente e, apenas uma das operações de crédito, a IGG, sem aviso ou interpelação judicial “irá considerar vencidas antecipadamente as demais operações vinculadas, tornando-se exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais”.
“Como será considerado vencido o total da dívida garantida por conta de apenas uma dentre todas as operações realizadas, muito provavelmente, a garantia será executada – ou seja, a pessoa perderá a única casa! E olha essa covardia: Se a casa de 200 mil for executada/leiloada por 100 mil (o empréstimo era de 150 mil no exemplo), a família, além de sem teto, continuará com uma dívida de 50 mil reais!”, diz Deccache.
Oposição tenta barrar PL no Senado
Os parlamentares da oposição tentam agora articular no Senado, onde ainda não há previsão para a votação do texto, a derrota do projeto aprovado na Câmara.
“O Senado tem que tomar uma decisão responsável sobre essa matéria. Vamos articular para impedir que o povo seja prejudicado, principalmente os mais vulneráveis. A população não pode pagar novamente pela maior crise da história do país, gerada por este governo incompetente. Tentar tirar o imóvel de pessoas que precisam decidir se pagam contas ou compram comida é um nível de crueldade nunca antes visto na história deste país. Este absurdo não passará”, disse Paulo Rocha (PT-PA).
Edição: Glauco Faria