Por Carlos Drummond, publicado em Carta Capital –
Senado aprova proposta que causará limitação drástica de gastos públicos por 20 anos
A aprovação do Senado, nesta terça-feira 29, da Proposta de Emenda Constitucional 55 (PEC 55), de limitação drástica dos gastos públicos por duas décadas, colocará em jogo um dos principais instrumentos de justiça social do País, os gastos com educação e saúde.
Comprimir os desembolsos do governo nessas áreas é o centro da PEC, que tramitou e foi aprovada pela Câmara como PEC 241.
As perguntas e respostas abaixo, elaboradas a partir de pronunciamentos de vários economistas, mostram que o governo caminha contra a história e a tendência mundial com seu projeto de impor mais sacrifícios aos mais pobres e poupar os ricos de maior tributação.
Qual será o principal efeito sobre a sociedade no caso de aprovação da PEC 55?
O resultado mais importante será uma redução significativa nos gastos com educação e saúde, os únicos da proposta que exigem uma mudança da Constituição. Haverá grande impacto sobre a parcela mais pobre da população e estímulo aos negócios privados nas duas áreas.
O que diz a Constituição em relação aos gastos com a saúde e a educação?
A Constituição em vigor determina que ao menos 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI) do governo federal devem ser gastos obrigatoriamente em educação. Na saúde, o mínimo é 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), porcentual a ser alcançado gradualmente até 2020.
A obrigatoriedade de aplicações iguais ou superiores a esses porcentuais é considerada indispensável para combater a profunda desigualdade de acesso à saúde e à educação no País.
O que acontecerá com a destinação das verbas se a PEC passar?
Os valores aplicados em 2016 correspondem a 15% da RCL em saúde e 23% da RLI em educação. Em 2017, os porcentuais serão 18% e 15%, respectivamente. A partir de 2018, as duas áreas terão como pisos os valores mínimos do ano anterior, reajustados só pela inflação.
Hoje o aumento dos gastos acompanha o crescimento da receita, quase sempre superior à inflação. A conclusão é que o valor mínimo destinado à educação e saúde cairá como proporção das receitas de impostos e também em relação ao PIB, com grave prejuízo para a população de menor renda.
O que diz o governo?
Segundo o governo, a PEC 55 não prejudica a saúde e a educação, pois seu único objetivo é promover maior realismo orçamentário. Ela não congela os gastos reais com saúde e educação, dizem as autoridades, só estabelece que, para aumentá-los, será necessário diminuir os gastos reais em outros itens do Orçamento.
Mas se é assim, por que a proposta contém um artigo específico que prevê a redução dos atuais mínimos constitucionais de gastos com saúde e educação? Isso, os defensores da PEC 55 não explicam.
A PEC 55 é uma proposta moderna? Outros países adotaram medida semelhante?
A proposta é atrasada, por vários motivos. Não há outro país com uma regra semelhante válida por duas décadas. Limites para o crescimento de despesas são fixados para alguns anos e têm por base o comportamento do PIB, que é o que faz sentido.
Além disso, a PEC contraria a tendência mundial de revisão das políticas de austeridade fiscal dos governos, apontadas como uma causa importante da estagnação das economias desde 2008.
O governo diz que a medida é necessária por causa do descontrole dos gastos primários do governo em 2014 e 2015, que estaria na origem do aumento da dívida pública nesses anos.
Isso não é verdade. Na última década, o Brasil só teve déficit primário nos últimos dois anos.
Se o gasto primário não é a principal causa do aumento da dívida pública, qual é a explicação?
A dívida pública cresceu por causa da acumulação de reservas cambiais, da significativa queda da arrecadação nos anos recentes em consequência da recessão e das desonerações fiscais e do aumento dos gastos com o pagamento dos juros da dívida pública. A última despesa passou de 500 bilhões de reais em 2015, cerca de 8% do PIB. O problema não está, portanto, no lado dos gastos, mas no das receitas.
A PEC contribuiria para o crescimento econômico?
A contenção de gastos imposta pela PEC deverá provocar a paralisação ou redução dos investimentos públicos em infraestrutura, educação e saúde por duas décadas e isso não ajuda na retomada da economia. Ao contrário, poderá agravar a situação.
Quais alternativas poderiam ser adotadas?
A principal delas é o aumento dos impostos sobre os ricos. Nesse campo, o Brasil está muito atrasado. A partir de 2008, 21 dos 34 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico aumentaram a tributação dos mais ricos.
Os Estados Unidos elevaram as alíquotas máximas do Imposto de Renda daquela camada e o Chile tomou medida semelhante em 2013, para financiar a educação. O Brasil é um dos poucos lugares onde não se toca no tema.
Para os super-ricos daqui, com renda média de 4 milhões de reais, dois terços dos seus ganhos, compostos de lucros e dividendos, são isentos e um quarto está aplicado no mercado financeiro com alíquotas, em média, entre 16% e 17%.