‘Entre Vistas’ com Rose Nogueira debate a banalidade do mal e a força da mulher

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Por Luciano Velleda, publicado em RBA – 

Jornalista e ativista dos direitos humanos, a ex-repórter do ‘TV Mulher’ foi a convidada da semana no programa da TVT

Rose Nogueira no Entre Vistas
“Quem me chamou de subversiva, quando o programa estreou, ficou com cara de taxo”, diz Rose, sobre o inovador TV Mulher

São Paulo – Rose Nogueira tinha 23 anos, em novembro de 1969, quando o delegado Sérgio Paranhos Fleury invadiu o apartamento onde morava com o marido Luiz Roberto Clauset, em São Paulo, para prendê-la. Então repórter do jornal Folha da Tarde, do grupo Folha, Rose militava na Ação Libertadora Nacional (ALN) e cedia seu apartamento para reuniões do grupo e para hospedar companheiros. Segurava nos braços o filho recém-nascido, Carlos Guilherme Clauset, com apenas 33 dias de vida, quando Fleury lhe disse que a levaria para o Dops, o Departamento de Ordem Política e Social, e entregaria o bebê para o Juizado de Menores.




Diante de um dos homens mais temidos da ditadura, Rose não se amedrontou, disse que não deixaria seu filho ser levado para adoção, que só aceitaria ser presa se o bebê pudesse antes ser entregue aos cuidados da sua sogra. Conhecido por sua brutalidade e sadismo, Fleury aceitou.

“A maior força do mundo se chama maternidade, é inteiramente instintivo”, disse Rose Nogueira, convidada do programa Entre Vistas, da TVT, que foi ao ar na última quinta-feira (4). “Foi uma dor inesquecível.”

No Dops, ficou presa por 50 dias, foi torturada e violentada. Por causa da maternidade recente, foi forçada a receber injeções para empedrar o leite materno que escorria do seu seio. Transferida para o Presídio Tiradentes, ocupou uma ala onde eram colocadas apenas mulheres, entre elas, a ex-presidenta Dilma Rousseff. O local ficou conhecido como “a torra das donzelas”. Saiu do presídio nove meses depois do dia em que Fleury lhe prendeu e reencontrou o filho quando ele já tinha dez meses de vida. A partir daquele dia, decidiu que tudo o que fizesse na vida dali em diante teria relação com a defesa dos direitos humanos.

Após deixar o Presídio Tiradentes, ficou durante dois anos em liberdade vigiada. Em 1972, foi julgada e inocentada.

“Na ditadura, a tortura era política de Estado. Era quase impossível ser presa e não apanhar. A tortura não é humano, é a desumanização total”, afirmou Rose Nogueira, integrante do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. Define como “profundamente ofensivo” ouvir o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), defender a tortura e elogiar torturadores. “É um insulto ao povo brasileiro. A tortura é um crime universal, de lesa-humanidade, imprescritível.”

O programa Entre Vistas contou com a participação do repórter Cosmo Silva, da Rádio Brasil Atual, e da também jornalista Paula Sacchetta, diretora dos documentários Verdade 12.528, sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV), e Precisamos Falar do Assédio.

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Rose Nogueira levou para sua profissão a promessa de se dedicar à defesa dos direitos humanos. Trabalhou na TV Cultura comandada pelo jornalista Vladimir Herzog, a quem reconhece ter lhe ensinado muito. Pelo canal, cobriu a Revolução dos Cravos, em abril de 1974, data que marcou o fim dos 48 anos da ditadura em Portugal, instaurada por Antônio de Oliveira Salazar.

Em 1983, trabalhava como repórter da TV Globo quando entrevistou Maurina Borges da Silveira, freira católica presa e torturada pela ditadura. Conhecida como Irmã Maurina, a freira estava exilada no México desde 1970. Em determinado momento da entrevista, a repórter se emocionou. A reportagem foi veiculada no Jornal Nacional e causou polêmica nos bastidores da emissora o fato da jornalista ter deixado transparecer sua emoção. Incomodada com as críticas, que incluíam ser chamada de “subversiva”, Rose Nogueira pediu demissão.

Seu pedido, porém, não foi aceito. Às escondidas, foi convidada para participar de um novo projeto da emissora. Quando o programa TV Mulher foi ao ar, seus críticos descobriram que Rose Nogueira não havia saído da Globo. “Quem me chamou de subversiva, quando o programa estreou, ficou com cara de taxo”, lembrou a jornalista no Entre Vistas, apresentado por Juca Kfouri.

Ancorado por Marília Gabriela, com um quadro sobre sexo apresentado por Marta Suplicy, o programa matutino é um marco da televisão brasileira. “Foi um programa que mudou a linguagem, a TV era considerada imbecilizante”, explica Rose, destacando o caráter de serviço que o programa levou ao ar. “O TV Mulher foi revolucionário, falava que a mulher tinha os mesmos direitos em todos os lugares, na cama e no trabalho.”

A banalidade do mal

Estudiosa sobre teoria da comunicação, Rose Nogueira critica a “preferência pelo vilão” adotada pela televisão brasileira nas últimas décadas, uma característica que, para ela, colabora para criar um sentimento de raiva, intolerância e mau-caratismo na sociedade.

“Não tem uma novela em que o mais bonzinho não seja, no mínimo, chantagista. A TV é altamente dialética. Tenho saudade do tempo do mocinho e da mocinha”, ponderou. Com espanto, recordou o dia em que assistiu o falecido jornalista Marcelo Resende apresentando em seu programa policialesco a transmissão de um policial perseguindo um suspeito, enquanto ele gritava uma gíria pedindo para o policial atirar. “É a banalidade do mal”, analisa, com certa tristeza, a mulher que defendeu o filho recém-nascido de um dos piores algozes da ditadura brasileira.

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