Por René Ruschel, jornalista
Entrevista com a psicanalista Roberta Bastos. “Se não tratarmos logo da ansiedade, só nos restará o luto. Conviver com a nova realidade, onde o mundo tecnológico fala mais alto e, em excesso, pode trazer enormes prejuízos à saúde física, mental e social.”
Não bastasse a terrível marca que superou mais de 400 mil mortes provocadas pela Covid-19, o Brasil vive outro drama invisível que deverá atingir a saúde física e mental de milhões de pessoas vítimas do isolamento social. Uma carta aberta divulgada pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, CRP-RJ, afirma que “a pandemia está deixando suas marcas e que é impossível ficar confinado tanto tempo sem consequências”.
Uma série de estudos, ainda incipientes, vem sendo desenvolvidos por universidades, centros de pesquisa, órgãos governamentais e profissionais que desenvolvem seu trabalho em consultórios. Os resultados, infelizmente, não são nada animadores. O ponto em comum é que o aumento de doenças emocionais, como ansiedade, depressão, síndrome do pânico, tem sido assustador.
De acordo com a psicanalista carioca Roberta Bastos, uma série de mudanças aconteceu na vida dos brasileiros neste último ano. Na fase pré-pandemia, diz ela, a maioria dos casos clínicos era paciente com idade entre 30 e 60 anos, deprimido, portador de transtornos mental, alimentar ou doenças crônicas como esquizofrenia. “Atualmente, a faixa etária predominante está entre 10 e 40 anos e acima de 65”.
Além das doenças clássicas, o isolamento social provocou novos sintomas. O trabalho em Home Office acentuou a chamada Síndrome de Burnout, um distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema nas atividades profissionais, além de doenças ligadas ao vício em tecnologia, aumento do alcoolismo e o uso de drogas ilícitas por estarem se sentindo solitários ou não suportarem a convivência com familiares. “São pessoas emocionalmente perdidas, que não conseguem lidar com o isolamento e o desconhecido”.
Um artigo publicado na revista digital científica, Journal of Medical Internet Research, de Toronto, Canadá, “Depressão e Ansiedade entre trabalhadores essenciais do Brasil e da Espanha durante a Pandemia da Covid-19”, mostra os resultados de uma pesquisa coordenada pela Fundação Osvaldo Cruz, do Rio de Janeiro, em parceria com a Universidade de Valencia, na Espanha, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Hospital das Clínicas, de Porto Alegre, realizada entre abril e maio de 2020.
Os números indicam que sintomas de ansiedade e depressão afetaram 47,3% dos trabalhadores de serviços essenciais durante a pandemia, no Brasil e na Espanha. Mais da metade deles — e 27,4% do total de entrevistados — sofre de ansiedade e depressão ao mesmo tempo. Além disso, 44,3% têm abusado de bebidas alcoólicas; 42,9% sofreram mudanças nos hábitos de sono e 30,9% foram diagnosticados ou se trataram de doenças mentais no ano anterior.
O Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em maio de 2020, iniciou o estudo, “Covid-19 e os impactos na saúde mental. Uma amostra do Rio Grande do Sul”. O objetivo foi analisar fatores associados aos indicadores de sintomas de transtornos mentais.
Segundo a pesquisa, o modelo de regressão logística binária indicou que, ser mulher, ter diagnóstico prévio de transtorno mental, não ser trabalhador da saúde, ter renda diminuída no período, fazer parte do grupo de risco e estar mais expostos a informações sobre mortos e infectados, são fatores que podem indicar maior prejuízo na saúde mental.
Outra constatação diz respeito ao sexo. As evidências, segundo o estudo, sugerem ainda que, ser mulher, aumenta em 2,73 vezes a chance de apresentar transtorno mental, ou seja, mais que o dobro do que o sexo oposto.
Um dos fatores que leva a essa constatação são os casos de violência, abusos e discriminação aos quais as mulheres são vítimas e que tende a aumentar em períodos de isolamento.
Os dados indicam ainda que as chances dos profissionais da saúde apresentarem transtornos mentais é 40% menor. Embora estejam mais expostos à doença do que a maior parte da população, o que ajuda a compreender essa diminuição é o maior acesso que têm aos serviços de saúde, assim como um melhor conhecimento sobre cuidados de prevenção e tratamento da COVID-19.
A literatura tem indicado que o maior conhecimento sobre a doença, seus fatores de risco e formas de autocuidado, contribuem para melhores índices de saúde mental.
Um ponto comum, unânime em todas as pesquisas, diz respeito à manutenção do emprego e renda. Todos os estudos científicos evidenciam a associação entre a insegurança em relação ao trabalho, a renda e o adoecimento mental.
Os que se encontram em situação incerta sobre a manutenção dos empregos e a garantia de renda, tendem a apresentar maior risco para o desenvolvimento de transtornos mentais, estresse, ansiedade e depressão. “O desemprego, a fome e a miséria, a incerteza econômica, social e até mesmo política, além do medo da doença, das sequelas e da morte, tem uma enorme influência na saúde mental das pessoas” diz a psicanalista.
Para ela, o fato de o país viver, além da pandemia, uma crise política e social, cujos desdobramentos se reverberam na questão sanitária, influencia e agrava esta situação. “A população vive um momento de absoluta insegurança sanitária, onde o presidente da República se comporta como uma pessoa sem empatia, praticando genocídio quando nega ao país comprar vacina e não respeita as regras sanitárias da OMS”.
Pelas redes sociais, Bastos cria debates, questiona, pergunta e recebe as mais diversas respostas. Noutro dia, escreveu em sua página no Twitter “como anda sua saúde mental?” para seus mais de 32 mil seguidores. Recebeu centenas de respostas, quase todas negativas. “Já tentei o suicídio duas vezes essa semana!” escreveu uma de suas seguidoras.
Emocionalmente, diz a psicanalista, o futuro de todos já foi mudado a partir do momento que houve a privação social e a contínua demora pela busca da vacinação, para que a população possa se sentir mais segura e acolhida.
Lembra que o protocolo Covid-19, para sepultamentos, provocou profundas mudanças emocionais àqueles que precisaram enterrar seus mortos. Alguns, sequer puderam vê-los; outros, a despedida foi online, mas em todas as situações não puderam olhar seus rostos pela última vez. “Todos nós seremos atingidos de alguma forma” diz ela.
Os adultos podem desenvolver quadros de ansiedade, depressão e pânico, além da possibilidade de serem forçados ao uso de medicamentos de maneira vitalícia. Os jovens precisarão readequar suas interações com o mundo real, com a perda de entes queridos e a própria liberdade.
As crianças serão atingidas pelo longo tempo de isolamento a que foram submetidas. “Correm o risco de desenvolver transtornos de ansiedade, alimentar e social”. Terão de reaprender a viver em um mundo diferente daquele que conheceram nos livros, filmes e na televisão.
Conviver com a nova realidade, onde o mundo tecnológico fala mais alto e, em excesso, pode trazer enormes prejuízos à saúde física, mental e social.
Quanto aos idosos, todos perderam qualidade de vida. “Um dano irreparável para uma pessoa com idade acima de 70, 80 anos, que poderia ter curtido os familiares, amigos, filhos e netos, mas nesse momento foi submetido ao isolamento para se resguardar da morte. Se não tratarmos logo da ansiedade, só nos restará o luto”.