Entrevista: como plano para deportar imigrantes despertou a onda de protestos na Alemanha

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Sérgio Costa, da Freie Universität, explica como revelação sobre plano da extrema-direita disparou manifestações no país

Por Andrea DiP, compartilhado de A Pública




Nem o frio cortante do inverno alemão, a chuva fina e o chão escorregadio coberto de gelo foram capazes de impedir cerca de 200 mil pessoas de saírem às ruas e tomarem a esplanada do Reichstag (onde fica o Parlamento) em Berlim, no dia 21 de janeiro, contra o fascismo e, mais especificamente, contra o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Nas placas se liam frases como “Fascismo não é uma alternativa”, “Somos todos antifascistas” e “Sem lugar para nazis”. O coro entoado com força pela multidão declarava: “Toda Berlim odeia a AfD”. 

Este foi apenas um dos vários protestos que seguem acontecendo em toda a Alemanha desde que o veículo de jornalismo investigativo Correctiv revelou que políticos da AfD participaram de uma reunião perto da cidade de Potsdam, em novembro do ano passado, com um líder extremista austríaco que teria apresentado um plano para deportar imigrantes em massa. Martin Sellner, que lidera o Movimento Identitário fascista Áustria (IBÖ), teria proposto arrendar um terreno no norte da África e mandar para lá até dois milhões de requerentes de refúgio e imigrantes, inclusive os com cidadania alemã, que “não se integraram” no país. Ele teria sugerido também que, quando a AfD chegasse ao poder, o maior problema seria a expulsão de “cidadãos não assimilados”. 

O encontro aconteceu em um hotel localizado a poucos quilômetros da casa onde houve a Conferência de Wannsee em 1942, aquela que selou o destino dos judeus da Alemanha na época. Segundo o Correctiv, estavam ali políticos, advogados, empresários e profissionais da saúde. 

Protesto contra o fascismo, em 21 de janeiro, na Alemanha
Protesto na esplanada alemã (Reichstag) contra o fascismo, em 21 de janeiro

A reportagem gerou uma onda de indignação e protestos no país, e a estimativa é de que mais de um milhão de pessoas já tenham saído às ruas para marcar posição contra a ameaça sombria de que a história do país se repita. 

Também no ano passado, o chanceler federal alemão Olaf Scholz disse em entrevista à revista Der Spiegel que o país deveria deportar em grande escala “aqueles que não têm o direito de permanecer na Alemanha”, o que deixou um gosto amargo na boca da população. Scholz no entanto participou dos protestos contra o fascismo. 

Membros da AfD têm visitado o Brasil — em 2021 Beatrix von Storch, neta de um ministro nazista, encontrou-se com a família Bolsonaro e com a deputada Bia Kicis (PL-DF). No fim do ano passado, Matthias Moosdorf também se reuniu com apoiadores de Bolsonaro.

Em entrevista à Agência Pública, o professor titular de sociologia da Freie Universität Berlin, Sérgio Costa, fala sobre a onda de protestos que têm tomado as ruas da Alemanha e dos perigos da ascensão da extrema-direita no país.

O que é a AfD e qual sua importância na política alemã hoje?

A AfD, já com esse nome “Alternativa para a Alemanha”, foi criada em 2013, inicialmente como um partido crítico à integração europeia, ou seja, ao fato de que a Alemanha perdesse a soberania nacional, mas não era necessariamente um partido racista de direita. Era um partido ultraliberal talvez, a pauta liberal era muito forte, mas não a pauta anti-migração, etc.

Ela foi ficando mais enfática e se tornando mais radical ao longo do tempo. O partido, ano a ano, foi se tornando mais radical e também trocando as suas lideranças mais importantes. Um dos fundadores do partido, o Bernd Lucke, ainda não era necessariamente um político radical de direita, era um professor universitário ultraliberal. Aí ele foi substituído pela Frauke Petry, que tornou o partido um pouco mais próximo das bandeiras de direita, mas nem ela foi radical o suficiente.

As lideranças foram sendo substituídas e os setores mais radicais do partido estão reunidos hoje em torno de uma liderança importante do estado da Turíndia, que é o Björn Höcke — esse é o líder de direita mais importante e ele sim tem uma pauta claramente anti-imigração, racista, e é considerado assim pelas autoridades alemãs. Ou seja, é uma denominação oficial, ele é considerado um radical de direita. Inclusive, é permitido que seja chamado de radical de direita, é algo reconhecido pelo que chamam aqui de serviço de proteção constitucional. 

Aqui sempre se acreditou que a grande disputa dos partidos era pelo centro. Então a Social Democracia (SPD) foi mais para o centro, a Democracia Cristã (CDU) foi mais pro centro, os próprios Verdes (Grüne Partei), digamos, tornaram suas bandeiras um pouco mais amenas para ganhar o centro. Só que o que aconteceu com a AfD é que, quanto mais ela foi se tornando de direita, mais adeptos foi ganhando. Tanto que, hoje, ela tem no parlamento pouco mais de 10%, mas nas pesquisas de opinião, tem até 22%. Em alguns estados até 30%. Particularmente, mas não só, nos estados da Antiga Alemanha oriental, chega a ser a primeira força política, mesmo antes da CDU e da SPD.

Isso vem despertando a atenção das forças democráticas na Alemanha. Um partido que vai se radicalizando à direita, conseguindo cada vez mais adeptos. Além disso, além da sua força numérica, do seu número de eleitores potenciais, ela teve um desempenho muito além do esperado em eleições recentes no nível estadual. As eleições aqui não são sincronizadas federais e estaduais, então corresponderia às Assembleias Legislativas no Brasil, que têm um calendário diferente das eleições federais. A AfD vem conseguindo cada vez mais espaço nos legislativos estaduais e, através disso, aumentando a sua influência. À medida que tem mais espaço legislativo estadual e também tem uma representação importante no Bundestag, que é o Congresso Nacional, algo correspondente à Câmara dos Deputados, o partido vai adquirindo mais recursos, mais funcionários, mais dinheiro do fundo partidário e com isso vai se tornando cada vez mais influente.

E existe uma tentativa dos partidos em tentar atrair os eleitores da AfD. O que tem acontecido contudo, e aí eu acho que é um erro de cálculo muito grande, é que eles tentam adotar as bandeiras do partido de direita na expectativa de atrair os eleitores de direita. Só que isso não tem acontecido. Ou seja, a AfD leva todo o espectro político mais para a direita. Então, o que se disputa hoje já não é mais o centro — obviamente se disputa também o centro —, mas o eleitor de direita está sendo muito disputado. Não na tentativa de trazer esse eleitor mais para o centro, mas usando o discurso da AfD para satisfazer as necessidades, digamos, inclusive simbólicas desse eleitor à direita. Uma retórica muito hostil à imigração, ao suposto aproveitamento do Estado Social pelos imigrantes.

No debate recente, dado o conflito em Gaza, o ataque terrorista do Hamas a Israel e a resposta, ao que parece desproporcional, de Israel, os imigrantes, particularmente oriundos de países com maioria muçulmana, têm sido muito criminalizados no discurso público, pelos partidos, inclusive, de centro. Tudo isso vai criando um caldo de cultura política no qual o partido de extrema-direita se beneficia. E isso explica, a meu ver, o crescimento da AfD, que é muito preocupante, particularmente pelo crescimento dos seus setores mais radicais e que não aceitam as regras do jogo democrático.

Sérgio Costa, professor titular de sociologia da Freie Universität Berlin

A gente vai falar sobre essa bandeira anti-imigração, mas voltando para os protestos, como começou essa onda contra a AfD na Alemanha e por quem estão sendo organizados? 

Essa onda recente de protestos contra a AfD se tornou mais visível e virou de fato uma onda nas últimas semanas que chegou a reunir, juntando manifestações nas várias cidades, um milhão de pessoas. [Ela aconteceu] particularmente depois que foi revelado o encontro de políticos da AfD, mas também de políticos de primeiro escalão da Democracia Cristã e de empresários em Potsdam. E é importante dizer que a casa ou o hotel onde se encontraram essas pessoas em 25 de novembro de 2023, fica a poucos quilômetros da casa onde houve a conferência de Wannsee em 1942, que foi a conferência na qual se selou o destino dos judeus da Alemanha na época.

Nesse encontro de 25 de novembro, a presença mais importante foi a da liderança do movimento identitário da Áustria, Martin Sellner. É preciso dizer que o identitário aqui não tem nada a ver com política de identidade como entendemos no Brasil, o identitário se refere a um movimento fascista, que depende da pureza étnica de um povo, no caso então o povo alemão, o povo austríaco.

Este Martin Sellner era a presença mais importante nesse encontro. Foi convidado para discutir com políticos da AfD, com políticos da CDU que faziam parte dos circuitos de mais direita da Democracia Cristã, e empresários, um modelo que ele chama de remigração. Seria uma expatriação, uma deportação de imigrantes considerados não desejáveis ou considerados não assimiláveis na Alemanha. Inclusive, imigrantes que tenham um passaporte alemão. E nos seus planos deveria se arrendar um terreno no norte da África e criar uma cidade para que esses imigrantes pudessem ser levados. Obviamente que as lembranças históricas a que isso remete, a deportação, guetos, etc, são muito evidentes.

Isso causou um mal-estar muito grande nas forças democráticas mais diversas, desde as da esquerda até ciclos de centro. Eu diria até centro e direita, mas uma direita democrática, que obviamente não aceita esse tipo de proposta e que, portanto, começou a organizar manifestações.

Quem organiza essas manifestações? Em cada cidade são setores diversos, mas pode-se dizer que é a sociedade civil democrática. Algumas vezes os sindicatos têm participação, outras vezes partidos democráticos têm participação, mas muitas vezes são associações civis, movimentos, inclusive o movimento estudantil participa, ou seja, é de fato uma organização da sociedade civil.

  • A estimativa é de que mais de um milhão de pessoas já tenham saído às ruas durante a onda de indignação e protestos no país
  • A estimativa é de que mais de um milhão de pessoas já tenham saído às ruas durante a onda de indignação e protestos no país
  • A estimativa é de que mais de um milhão de pessoas já tenham saído às ruas durante a onda de indignação e protestos no país

Essa é a força desse movimento. O que a gente teve na história recente alemã de mais parecido com isso foi quando houve incêndios em abrigos para refugiados candidatos a asilo político, sobretudo na antiga Alemanha Oriental, em 1992. Mölln é uma das cidades onde houve incêndios promovidos por radicais de direita. E aí houve uma reação muito forte, uma onda de protestos. Então a lembrança mais recente de protestos como estão acontecendo agora são esses de 1992 e 1993.

E agora os protestos continuam. Em 20 e 21 de janeiro deste ano aconteceram os protestos mais enfáticos, em Munique, tiveram até que cancelar pelo excesso de pessoas porque não havia mais condições de segurança. Berlim também, eu estive presente, foi um protesto muito diverso. Via-se ali mesmo nas ruas a presença de um conjunto muito heterogêneo de forças. Isso pode ser uma das fragilidades do movimento, obviamente. É tão heterogêneo que, inclusive, as pessoas que subiam à tribuna para dizer qualquer coisa tinham que tomar muito cuidado com o que diziam para não desagradar setores que estavam ali representados.

E que impactos esses protestos podem ter ou já estão tendo na política alemã? Pensando no que você estava dizendo também sobre as coalizões com outros partidos, por exemplo… 

Bom, acho que o primeiro impacto positivo é que os partidos de centro vão tomar mais cuidado com sua retórica. Uma capa da revista Spiegel, que é a revista de circulação semanal mais importante da Alemanha, do final do ano passado, trazia o chanceler Olaf Scholz, que é do Partido Social Democrata (SPD), um partido que tem uma história de lutas, já foi até mesmo partido socialista, mas continua sendo um partido claramente democrático, e a manchete da revista Spiegel referindo-se a uma entrevista ao Scholz era com a frase “Nós precisamos deportar em grande estilo”. Ele estaria se referindo a deportação de pessoas que são potenciais criminosos, cometedores de atos de terrorismo, etc., mas esse tipo de afirmação, no momento em que a extrema-direita estava se reunindo para desenvolver planos reais de deportar pessoas, deixa um gosto muito amargo na boca dos democratas.

A minha expectativa é que esses partidos de centro que estavam, de alguma maneira, flertando com os discursos de direita, vão ser mais cuidadosos. O próprio Friedrich Merz, presidente da CDU, buscou enfaticamente se distanciar do que aconteceu nesse encontro em Potsdam, desses planos de deportação em massa e, obviamente, o Partido Social Democrata também. Então, acho que esse é o primeiro resultado dos protestos.

Do ponto de vista eleitoral, eu acho que ainda é cedo para medir. Há uma ligeira redução nas intenções de votos, mas que não significa nada ainda. As pesquisas mediram 1% menos para a AfD, o que pode ser até estar dentro da margem de erro. Então não houve de fato um impacto ainda nas intenções de voto para a AfD. Mas a expectativa é que esses protestos possam, se não isolar politicamente, pelo menos deixar mais claro os riscos de votar nesse partido. 

A gente tem visto um crescimento da extrema direita na Europa hoje e a própria AfD tem ganhado espaço, como você disse. Como você acha que a Alemanha se situa nessa tendência? Você acha que, por causa do passado recente, vai ser mais difícil a extrema-direita ganhar força na Alemanha? Ou é uma ameaça real? 

Eu já fui mais otimista, mas os fatos recentes me obrigaram a rever o meu otimismo com relação à Alemanha. Porque aqui você tem uma educação muito importante, antifascista, inclusive nas escolas, todos os anos, mostrando o que foi o Holocausto, o que foi o nazismo. Isso gera de fato uma consciência cívica muito forte sobre riscos do nazismo. Por isso me surpreende que pessoas que sabem o que pode acontecer e os riscos que estão implícitos votem em partidos de [extrema] direita — só para lembrar que Hitler também foi eleito e isso era um dos cartazes que estavam nas manifestações, ou seja, dentro dos rituais democráticos você pode destruir a democracia.

Essa consciência é muito forte aqui e ainda assim as pessoas votam num partido que claramente rejeita as regras do jogo democrático. Mas, comparado com o resto da Europa, apesar dessas altas intenções de voto, na Alemanha nós estamos numa situação melhor do que a que eu vejo na Itália, ou mesmo na Suécia, na Holanda, em que partidos de [extrema] direita têm, pelo menos em coalizão com outros partidos, possibilidade de governar. Até agora, existiu na Alemanha, o que eles chamam de “número de segurança” — nenhum partido aceita fazer coalizão com a AfD.Houve alguma flexibilização por parte da Democracia Cristã no nível municipal mas isso foi revisto e muito criticado. E a menos que a AfD tenha mais de 50%, ela não vai conseguir governar.

Mas mesmo não conseguindo governar, ela atrapalha bastante. Ou seja, ela pode, dentro do parlamento, dos diferentes órgãos de controle, criar dificuldades para que certas atividades sejam financiadas. Só para dar um exemplo, pesquisas na área de gênero começam a ser dificultadas porque, dentro desses distintos grêmios, a AfD tem participação e procura dificultar a discussão de temas progressistas.

Então tudo isso faz com que o partido tenha uma importância maior do que aquela que se vê pelo número de deputados. Ainda que, repito, eu acho que o risco é menor do que outros países na medida em que esse partido dificilmente vai governar.

É preciso dizer que a AfD hoje é mais radical, por exemplo, do que a Rassemblement National da França. Tanto que a Marine Le Pen claramente se distanciou desse encontro de Potsdam, dizendo que ideias de remigração nem passam por sua cabeça. Obviamente ela faz isso também por razões estratégicas. Ela precisa dos votos de imigrantes e seus descendentes na França. Então, a AfD está à direita de outros partidos de [extrema] direita na Europa, mas tem menos chances de chegar ao poder, tanto no nível estadual quanto no nível federal, porque nenhum partido aceita governar junto com ela. 

Sobre essa bandeira anti-imigração, que é uma das mais fortes para a extrema-direita europeia. Apesar de ser, por exemplo, centro desses protestos e causar indignação, sobretudo porque a Alemanha tem uma enorme porcentagem de imigrantes, a gente sabe que também é por onde o fascismo acaba encontrando espaço com parte da população, com o discurso do “vão roubar nosso trabalho”, “aumentar a criminalidade”, “acabar com nossa cultura e impor a sua cultura” — e aí um enorme preconceito contra as comunidades de maioria muçulmana. Como você essas recentes guerras e conflitos também interferem nesse cenário? 

Acho que aí teríamos que diferenciar a invasão russa na Ucrânia e o conflito em Gaza. Porque no caso da invasão russa houve uma espécie de reagrupamento de forças democráticas, ou seja, quem mais apoiava as posições da Rússia são as forças de direita. Há uma diferença muito grande para o Brasil. A simpatia pela Rússia aqui é das forças de direita, ainda que no partido Die Linke [Partido mais à esquerda da Alemanha] tenha certos resquícios históricos entre a Alemanha Oriental e a União Soviética. A simpatia mais clara e as alianças políticas mais claras são entre a direita e a extrema direita e Putin. Então, isso não teve de imediato um impacto sobre as discussões sobre migração.

Já o conflito entre Israel e Palestina, o ataque terrorista do Hamas e a resposta às ações militares em Gaza tiveram sim um impacto importante, na medida em que levou, em muitos casos, a uma acusação muitas vezes indiscriminada e diferenciada de antissemitismo para todos os imigrantes, sobretudo aqueles providos de países com maioria muçulmana. Isso não significa que não exista antissemitismo nesses grupos. Mas seguramente quem trouxe o antissemitismo para a Alemanha não foram os imigrantes, ao contrário, o antissemitismo foi exportado da Alemanha para outras partes do mundo.

Então, você vê alguns políticos conservadores em seus discursos denunciando antissemitismo dos imigrantes e não algo próprio à história da Alemanha e da qual a Alemanha tenta se desfazer. É algo que até hoje sobrevive e persiste como uma das mazelas deixadas ou herdadas da história da Alemanha.

E isso se junta,também, às populações imigrantes, de fato há setores claramente antissemitas. O que, contudo, tem acontecido é que os partidos de direita têm instrumentalizado isso, para tentar dissociar o antissemitismo da história da Alemanha e dizer que o antissemitismo é próprio dos imigrantes e que, portanto, deportando imigrantes o problema estaria resolvido, o que é obviamente uma falácia enorme.

Além do antissemitismo, uma outra estratégia da extrema-direita é utilizar a acusação tanto de transfobia como de homofobia dirigida aos imigrantes, como um instrumento de criminalizar generalizadamente imigrantes. Eu não estou dizendo que não exista homofobia entre imigrantes, mas seguramente essa homofobia não é maior do que a que existe entre alemães. Contudo, a extrema-direita, assim como faz com o antissemitismo, tenta dizer que isso é parte integrante da cultura migrante e não algo que sempre acompanhou a história da Alemanha. Então, acho que aí há uma similitude e, de alguma maneira, uma espécie de vínculo entre essa estratégia perversa de atribuir os próprios problemas históricos, os próprios preconceitos, as próprias formas de violência, aos imigrantes. 

Alguns movimentos sociais também viram esses protestos que aconteceram contra a AfD com um certo ceticismo, com uma certa crítica, dizendo que a polícia está sendo violenta com as manifestações pró-Palestina, por exemplo, ou que alguns coletivos pró-Palestina teriam sido retirados desses protestos contra a AfD. Parece também haver alguma tensão aí. Como você vê isso?

Pelo menos do que eu vi, existem grupos pró-palestinos também nos protestos contra a AfD. Eu acho que é importante que eles estejam presentes, que tenham voz, que se manifestem, porque afinal de contas, se você isolar esses grupos e excluí-los do debate público, você estará contribuindo para radicalizá-los. Ou seja, é preciso que essas manifestações tenham voz democrática e possam entrar nos debates públicos.

Na cobertura da mídia e até dentro do próprio discurso dos governantes existe uma preocupação muito grande com o aumento do antissemitismo, o que é plenamente justificado, e a defesa do direito do Estado Israel de se defender depois dos ataques. Mas, ao mesmo tempo, pouca ênfase na defesa da população civil palestina. Então, existe um desequilíbrio no debate, isso é bastante claro. Mesmo os veículos de imprensa críticos têm tido dificuldade em encontrar um posicionamento em que ao mesmo tempo que condenam eventuais violações do direito internacional pelo Estado de Israel, condenem com a veemência necessária o ataque do Hamas e também o questionamento da possibilidade de existência do Estado de Israel. Como encontrar uma cobertura mais equilibrada que considere as ameaças e os sofrimentos dos dois lados é algo que eu vejo hoje ainda não resolvido. 

Mas eu não diria que a partir daí pudesse surgir uma crítica consistente aos protestos contra esses planos mirabolantes de deportação em massa de imigrantes. Isso é algo que precisa ser denunciado, que precisa ser, de fato, tematizado publicamente e, inclusive, encontrar meios de punir aqueles que, eventualmente, através desses planos, estão violando o direito constitucional dos imigrantes e de pessoas que têm a cidadania alemã, já que nem mesmo pessoas com cidadania alemã estão protegidas.

Edição: Bruno Fonseca

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