Envelhecer impunemente

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Via Carlos Brandão –  

Na entrada da academia que ocasionalmente frequento, há uma estante com revistas que nunca leio. Como me custa muito cumprir a obrigação de estar ali, acabo fugindo de qualquer atividade que me distraia do propósito esportivo e possa prolongar minha permanência além do necessário, além do que o tipo de leitura disponível não é dos mais atraentes, como vocês podem imaginar. No fim da manhã de hoje, quando me aproximava da catraca de saída, feliz por ter cumprido meu atlético dever, dou de cara com a seguinte manchete de uma edição já meio antiga da revista Caras: “Aos 74 anos, Susana Vieira diz se sentir jovem”. Abri uma exceção e resolvi ler a matéria.

O conteúdo era absolutamente raso, como era de se esperar, mas o que me surpreende é que, ano após ano, Susana Vieira continue dando entrevistas sobre o fato de ainda não estar em estado avançado de putrefação.




Na mesma estante, uma outra edição de Caras noticiava o namoro de Helena Ranaldi com um ator dez anos mais jovem e, a certa altura, Helena declarava: “não me vejo como uma mulher de 50”.

Já em casa, lendo notícias sobre a trágica e estranha morte do Ministro Teori, vejo uma matéria sobre o luto da namorada dele, que na foto aparentava estar na casa dos 40 anos, mas que o site fez questão de assinalar que “ainda é jovem e bonita”.

Não é à toa que tantas mulheres mentem a idade. Ter 74 anos é um problema. Ter 50 anos é um problema. Ter 40 anos é um problema. Ter 35, também, principalmente se você ainda não se casou ou não teve filhos.

Aparentemente, não existe idade adequada para as mulheres depois dos 30 anos (ou até antes dos 30, porque, se você for bem-sucedida e jovem, paira a suspeita de que o seu sucesso possa ser fruto não do seu poder de realização, mas do seu poder de sedução).

A sociedade vê o envelhecimento da mulher como um desleixo, quase um delito, sujeito a penas como invisibilidade e ridicularização.

Como fica difícil mentir a idade nessas revistas de fofoca (há sempre aquele numerozinho ao lado do nome das pessoas), a solução das celebridades costuma ser dizer que “não se sentem com tal idade”.

Qual o problema de se sentir com 50 anos? Qual o problema de aparentar 40, 50 ou 74?

Por que é tão ofensivo uma mulher envelhecer e se sentir bem com a idade que tem? Por que, quando alguém quer elogiar uma mulher “mais velha” (leia-se pós-30), diz sempre que ela parece ser mais nova?

 Será que, se inventassem um tratamento mágico que preservasse a aparência jovem até os 60 anos, ser “mais velha” deixaria de ser um problema? Sabemos que não.

A obsessão feminina pela juventude eterna só mostra o quanto o valor social da mulher ainda está atrelado, mais que tudo, à sua capacidade de seduzir e reproduzir. E a capacidade de seduzir (não só na esfera sexual) declina brutalmente depois que perdemos a de reproduzir, independente do tempo que consigamos manter a fachada de juventude.

Jovens ou “velhas”, o fato é que estamos sob permanente controle. Na lista de tantos direitos que ainda nos faltam, precisamos incluir também o direito de envelhecer impunemente.

Texto de Catarina Brandão.

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