Com a invasão descontrolado de sites de apostas, baixos salários da maioria dos jogadores no país facilitam ação de fraudadores
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
Pelo meu passado no jornalismo esportivo, as pessoas me fazem perguntas assim: “por que jogadores de futebol que ganham milhões se envolvem em esquemas de apostas para ganhar milhares?” Minha resposta sempre começa com a explicação de que são pouquíssimos – menos de 1% – os milionários do futebol; a grande maioria dos atletas profissionais ganham pouco, bem pouco. Dados da Universidade do Futebol, instituição de pesquisa e estudos sobre esporte, apontam com base nos registros da CBF, que 55% dos jogadores profissionais do Brasil recebiam, em 2021, apenas 1 salário mínimo (R$ 1.100 naquele ano).
A desigualdade é o traço principal da sociedade brasileira – em todas as áreas e com variados agravantes. O esporte faz parte da dura realidade: os salários estratosféricos do futebol profissional ofuscam a situação dos jogadores dos clubes, que disputam apenas os campeonatos estaduais. Não por acaso, o escândalo das apostas começou com a identificação de manipulação nas partidas da Série B, em que a média salarial das maioria dos times não costuma chegar a R$ 20 mil mensais – esta média inclui altos salários dos jogadores mais consagrados, o que significa que boa parte do elenco ganha por volta de R$ 5 mil numa carreira curta e insegura. Nos estaduais, a média salarial é ainda menor.
As primeiras investigações mostraram apenas a ponta de um iceberg. Até agora, 15 jogadores já foram indiciados pela Justiça de Goiás na Operação Penalidade Máxima, outros tantos estão sob investigação e o escândalo das apostas já chegou a jogos da Série A de 2022. Com a Polícia Federal agora no caso, esse fio da meada tende a virar um novelo nacional já que os grupos especializados em fraudar apostas e manipular jogos não devem ter limites legais ou esportivos.
Apesar do espanto de alguns sobre o envolvimento de jogadores de futebol, que seriam todos ricos, esse escândalo das apostas pode ser tudo menos surpreendente. A entrada dos sites de apostas no Brasil foi rápida e violenta – de um ano para o outro, ocuparam a maior parte dos espaços publicitários em todas as mídias, contrataram garotos propaganda milionários como os pentacampeões Ronaldo e Rivaldo, despejaram dinheiro em clubes, federações, competições, veículos de comunicação – especializados ou não em esporte.
E os maiores escândalos do futebol sempre estiveram ligados a apostas. Quatro décadas atrás, a revista Placar denunciou o envolvimento de 125 pessoas – jogadores, árbitros, dirigentes, empresários – para fraudar resultados de jogos da Loteria Esportiva, uma pequena fábrica de zebras para produzir milionários. Após a denúncia, 20 pessoas chegaram a ser indiciadas, mas ninguém foi condenado ou preso. Em 2005, escândalo conhecido como “Máfia do Apito”, revelando a ligação suspeitíssima entre juízes de futebol e apostadores, provocou a anulação de 11 partidas com resultados sob suspeitas e a eliminação de dois árbitros do esporte.
Não é só no Brasil e nem só no futebol: onde tem aposta, geralmente tem fraude. Quando marcou os três gols pela seleção italiana que eliminaram o Brasil na Copa do Mundo de 1982, atacante Paolo Rossi estava voltando de uma longa suspensão dos gramados por seu envolvimento no Totonero, escândalo de manipulação de resultados na loteria esportiva da Itália. Outros 20 jogadores suspensos, dois clubes tradicionais (Milan e Lazio) foram rebaixados. As ligas americanas de basquete, futebol americano e beisebol já enfrentaram escândalos com jogadores e dirigentes envolvidos com apostadores.
Os sites de apostas chegaram ao Brasil com um ataque especulativo em que estava claro que: 1) os sites de apostas estavam ganhando muito dinheiro com essa jogatina fora dos gramados; 2) não havia qualquer controle sobre a sua atuação ou dos apostadores. Tinha tudo para dar no que deu: fraude e corrupção. Na nossa era digital, a sofisticação tecnológica torna tudo mais difícil de identificar e investigar – a indústria das fake news está aí para provar.
Como diz o comercial do site que Ronaldo e Rivaldo anunciam, “o jogo agora é outro” – não é preciso mais fraudar resultados, sempre mais difícil e arriscado. Aposta-se em cartões amarelos, número de escanteios, gols contra – vale tudo. “A torcida, com certeza, é outra”, diz a mesma peça publicitária. A continuar o descontrole, o Maracanã vai ser palco de comemoração de mão na bola no círculo central. Bora torcer para que Polícia, Ministério Público e Justiça prendam os fraudadores e que o governo consiga regular e fiscalizar os sites de apostas.