Escola não é empresa, policial não é educador 

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A escola não é uma empresa nem a educação um bem do capital. Policiais militares não são educadores e nunca estiveram no rol de profissionais autorizados a exercer esta função pública tão relevante. A autoria pedagógica do professor é decisiva para pensar as mudanças na educação e na escola.

Por Gabriel Grabowski, compartilhado de Extra Classe




Militarização: escola não é empresa, policial não é educador
© Marcelo Camargo/Agência Brasil

As reformas empresariais da educação avançam em vários estados brasileiros em duas perspectivas concomitantes: privatização da educação básica e militarização. Estados como Paraná, São Paulo e Brasília são as mais expressivas evidências do momento.

Está em curso a implementação de um sistema de desfinanciamento gradual do sistema escolar estatal e fortalece-se o mercado educacional na direção da extinção do sistema público da educação. Trata-se de um programa conservador (da direita) que quer privatizar tudo e eliminar ao máximo o Estado.

Para o especialista e estudioso do tema, Prof. Luiz Carlos de Freitas (Unicamp), esta ação visa facilitar o cumprimento do programa libertariano: a) permitir maximizar o controle sobre o conteúdo e forma das escolas colocando-as nas mãos de agentes ideologicamente seguros (empresas, incluindo as confessionais ligadas às religiões), maximizando dessa forma o controle ideológico sobre a escola; e b) também permite criar um patamar de operação para as escolas privadas que aumente as margens de lucro e o interesse pela exploração econômica da educação.

Desde o início do século XXI vêm crescendo e se intensificando as tendências de críticas à escola e, principalmente, à escola pública e aos educadores. As razões são variadas, mas uma se sobrepõe: expansão sem precedentes de uma “indústria global da educação”, fortemente calcada no digital, com ofertas privadas, mas interessada sobretudo na produção de conteúdo, materiais e instrumentos de gestão para a educação pública.

Chistian laval, autor de A escola não é uma empresa: o neo-liberalismo em ataque ao ensino público, afirma que a evolução mercantil do serviço educativo não se explica somente pelo aspecto ideológico. Ela se inscreve no processo em curso de liberalização das trocas e no desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação em escala mundial. A tendência do período é colocar em competição mais direta os sistemas educativos nacionais, em um mercado global. Nesta perspectiva, a instituição escolar estatal seria enviada para o lixo da história.

Por mais que alguns pais e mesmo professores acreditem em um mundo competitivo os estudantes e jovens também precisam ser competitivos, é preciso ter responsabilidade e reconhecer que haverá consequências não somente ao acesso no direito à educação pública, a aprendizagem e desenvolvimento integral do estudante, mas na saúde mental de estudantes perdedores e ganhadores. Não podemos colocar nossas juventudes em jaulas de competitividade.

Vivemos em uma constante competição, que separa o mundo entre “ganhadores” e “perdedores” que esconde privilégios e vantagens. Esta corrida por desempenho e status social transforma o colega em um adversário e enorme frustração e sofrimento quando não se transforma em um dos poucos vencedores. Outra grande consequência é o aumento da ansiedade, depressão e mesmo a escalada de casos de suicídio entre crianças e jovens, conforme diversos estudos rigorosos realizados no mundo todo e mesmo no Brasil.

Diversas são as causas para toda esta angústia estudantil e juvenil, como as crises econômicas, climáticas, uso excessivo de celulares (geração smartphone), jogos, autodiagnósticos simplistas, não sendo necessário a educação meritocrática e de desempenho agravar ainda as preocupações estudantis como seu presente e futuro.

A privatização e a militarização agravam este cenário para a grande maioria de estudantes matriculados (86%) na educação básica que possuem apenas uma oportunidade: a escola pública de qualidade e necessariamente democrática. Preocupados, mais de uma centena de entidades da sociedade civil e acadêmica se manifestaram publicamente contra o Programa de Militarização das escolas públicos, alertando e argumento para os graves danos à educação, tais como:

– “Por sua natureza disciplinar voltada para a promoção da obediência à hierarquia ancorada em bases militares, a militarização fere princípios constitucionais do ensino, como a liberdade de aprender e ensinar, o pluralismo de ideias, a valorização de profissionais da educação e a gestão democrática (Constituição Federal, art. 206, incisos II, III, V e VI); fere o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade de crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 15, 16 e 18-A); e o respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude (Estatuto da Juventude, art. 2º, inciso VI)”, entre outras normativas;

– Os programas de militarização, em todos os entes federativos, não estão amparados em nenhuma das diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação inscritas no Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/2014);

– Policiais militares não são educadores, não estão no rol de profissionais autorizados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 61) a atuar na gestão das escolas ou em qualquer outra função típica dos trabalhadores da educação. Escolas militarizadas, também, violam liberdades de expressão, de organização e de associação sindical dos profissionais da educação, aumentando o fenômeno de autocensura e censura de professores;

– As escolas militarizadas não são mais seguras, ampliam violações de direitos e violências; há diversas denúncias de situações de assédios moral e sexual e abusos físicos e psicológicos contra estudantes praticada por agentes militares;

– O modelo militarizado não contribui para o desenvolvimento integral dos estudantes, seu preparo para o exercício da cidadania e para a promoção de sua autonomia e emancipação;

– Os programas de militarização ampliam as desigualdades educacionais, introduzindo desigualdades no financiamento internas às redes de educação e mecanismos de exclusão de estudantes em maior vulnerabilidade socioeconômica, com deficiência, com distorção idade-série, dificuldades de aprendizagem e de se adequarem às normas e padrões;

– Escolas militarizadas reforçam os estereótipos em relação aos papéis masculinos e femininos na sociedade, que limitam a liberdade dos indivíduos, coíbem a expressão da diversidade de gênero e sexualidade e a demonstração de afetos, principalmente de jovens LGBTQIAPN+.

Camila Rocha, pesquisadora da USP, em recente artigo “Tarcísio e Nunes querem educação para a ditadura”, em vez de ordem e progresso, o futuro com escolas militarizadas promete retrocesso e ditadura, ou seja, é para preparar um novo ataque à democracia e ao estado democrático de direito. Afirma a pesquisadora que “violações de direitos humanos ocorridos nas escolas militarizadas já foram denunciadas à ONU. No entanto, em meio a omissão do governo federal e do STF sobre a flagrante inconstitucionalidade de tal “modelo escolar’, governos estaduais (como São Paulo) e Assembleias Legislativas em vários e insistem em aprovar e implementar escolas militarizadas.

Neste contexto, é necessário reafirmar a escola como um espaço público comum da educação. Para o educador e pensador António Nóvoa (Universidade Nova de Lisboa), esse espaço público comum só terá sentido no cenário de uma forte participação social, com capacidade de deliberação e exercício de cidadania. Não se trata, apenas, de consultar, mas de organizar processos de decisão sobre as políticas de educação.

Em outra perspectiva e concepção, um grupo de pesquisadores, pesquisadoras, professores e professoras, estudantes e gestores, especialistas e investigadores, reunidos na Unicamp em junho do corrente ano, por ocasião da realização do IX Simpósio Internacional de Estudos e de Pesquisas do Grupo PAIDÉIA, publicaram a CARTA DE CAMPINAS de 2024, onde nos reafirmam um horizonte para o debate sobre a educação e escolarização no Brasil.

Destacamos, a seguir, alguns posicionamentos expressos na Carta de Campinas que se contrapõem ao modelo escolar privatista e militarizado defendendo uma concepção histórica e republicana da educação não como propriedade individual, mas como pertencente, por essência, à comunidade e à sociedade (Pólis). Os participantes do Simpósio expressam na Carta que:

– Reafirmamos o pleno e irrevogável compromisso com a Educação pública, laica, universal, gratuita e obrigatória, tal como determina nossa Constituição Federal, quando prescreve que a “educação é direito subjetivo e social, dever do Estado e das famílias”, em suas diversas e autônomas formações sociais, institucionais e culturais ( Brasil, CF, Art. 205, 1988);

– Reiteramos o reconhecimento pleno da concepção de Educação como direito e do direito à Educação, sempre compreendida como prática social, cultural, antropológica e histórica, como processo de hominização e de humanização;

– Manifestamos veemente protesto e repúdio ao processo de privatização da gestão escolar pública, pelo Estado do Paraná, e pela concepção perversa de inserção de tecnologias digitais na educação, em detrimento da autonomia dos docentes e dos gestores, legitimamente formados para realizar o ensino e a docência nas escolas, na produção de sua autônoma, livre e criativa atuação na educação escolar, como se anuncia nas políticas estaduais paulistas;

–  Repudiamos, também, a proposição das Escolas Cívico-Militares que tem sido lamentavelmente continuada no atual governo como forma de enquadramento militarizado das crianças e dos jovens das periferias urbanas e sociais, com a falsa ideologia da formação disciplinarista da ordem;

– Declaramos plena adesão à concepção de Educação Integral, sobre uma concepção omnilateral, de totalidade e de conjunto, para a formação escolar e educacional.

– defendem a retomada da concepção de Currículo como a formação para a vida, democrática e humanizadora, em grupos e na sociedade, para a apropriação polifônica da cultura e da vida política, coletiva e comum, para a geração da qualidade social da Educação Pública, com a Filosofia, a Sociologia, a Arte, a Cultura Popular, a Educação Física, a Educação de Jovens, Adultos e Idosos ao longo da vida, a Educação do Campo a partir de suas características e de sua autonomia, a Educação nas Aldeias e Quilombos, a formação autônoma nos núcleos culturais ribeirinhos e nos espaços resilientes, com a Educação Inclusiva efetiva, a defesa da formação para a pesquisa e para a Educação Socioambiental e Sustentável.

Sim, percebam que são projetos de sociedade, de educação e de escola em disputa, com perspectivas, concepções e fins bem diferentes. Um à serviço da reprodução e da acumulação do capital, da riqueza e das oportunidades para poucos bilionários planetários, o outro na defesa da educação pública, democrática e cidadã para a grande maioria da população. Faça sua escolha e lute. Numa ditadura não teremos escolhas e a luta será muito mais árdua!

Gabriel Grabowski é professor, pesquisador e escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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