A decisão do governo paulista de implementar o modelo cívico-militar em 100 escolas estaduais a partir do segundo semestre de 2025 reacende um importante debate sobre os rumos da educação pública no Brasil.
Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil
A educação deve promover o desenvolvimento integral do indivíduo, valorizando a diversidade, a criatividade e a liberdade de pensamento — pilares ameaçados por modelos que priorizam disciplina rígida, hierarquia e controle.
De acordo com as diretrizes do Programa Escola Cívico-Militar, policiais militares aposentados atuarão como instrutores, ministrando aulas de política e ética. Em outras palavras: integrantes de uma corporação frequentemente apontada como uma das mais violentas e letais do país, historicamente alinhada à extrema direita e sem formação acadêmica ou pedagógica adequada, ficarão responsáveis por transmitir noções de ética e princípios políticos às novas gerações.
Essa lógica de militarização não se restringe ao conteúdo das aulas. A Lei Complementar nº 1.398/2024, que institui o Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo, prevê a criação de um “núcleo militar” permanente nas escolas, composto por policiais da reserva responsáveis por monitoria, disciplina, segurança e atividades cívico-militares, subordinados à Secretaria da Segurança Pública. Embora o governo estadual afirme que esses militares não integram formalmente o corpo docente, sua presença ativa impõe uma lógica autoritária de obediência e controle, incompatível com os valores democráticos e pedagógicos que deveriam nortear a escola pública.
Além das implicações pedagógicas, o programa enfrenta controvérsias jurídicas. O Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu a lei de criação do modelo, alegando possíveis inconstitucionalidades, como a violação da competência exclusiva da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação, bem como a contratação de militares sem concurso público para funções que podem ser interpretadas como atividades típicas da carreira docente.
Embora essa suspensão tenha sido revertida liminarmente pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o pedido de vista feito pelo ministro Flávio Dino reforça que há dúvidas sobre a legalidade e legitimidade do programa. A leitura atenta da lei ainda revela contradições preocupantes: enquanto o texto menciona o respeito aos direitos humanos e à diversidade, também estabelece mecanismos que buscam “conscientizar” a comunidade escolar sobre a suposta importância do modelo, criando um viés direcionado para sua consolidação — mesmo diante da resistência de parte significativa das comunidades escolares.
A adesão das escolas, embora oficialmente voluntária, também tem se mostrado problemática. Consultas públicas realizadas em diversas unidades revelaram quórum insuficiente ou rejeição expressa por parte das comunidades escolares, sugerindo que a implementação não reflete, de fato, a vontade coletiva de alunos, pais e professores.
Importante destacar que este modelo já foi descontinuado pelo governo federal. No documento que formalizou o encerramento do programa, o Ministério da Educação enfatizou que a proposta desvirtua as atribuições constitucionais das Forças Armadas e das forças de segurança pública. Em vez de recorrer a modelos que inserem práticas militares no ambiente escolar, é urgente fortalecer a escola pública com políticas que valorizem os profissionais da educação, promovam a inclusão e respeitem a diversidade cultural e social dos estudantes. A educação deve ser um espaço de liberdade, criatividade e pleno desenvolvimento humano — não um ambiente pautado por rigidez disciplinar e controle autoritário.
Diante de tudo isso, é fundamental nos posicionarmos firmemente contra a implementação do modelo cívico-militar, reafirmando a necessidade de priorizar abordagens pedagógicas que contribuam efetivamente para a formação de cidadãos críticos, conscientes e preparados para os desafios de uma sociedade democrática, plural e justa.
Antônia Rangel