“Escolas sem partido” ou Pensamento Único?

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Por Pedro Henrique Oliveira Gomes, Outras Palavras – 

Ao naturalizar desigualdade e opressão e pretender aulas “neutras”, projeto em exame no MEC busca silenciar vozes e criar espaços de conformismo e resignação às injustiças

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Para o projeto Escola Sem Partido, discutir feminismo e homofobia é doutrinação ideológica e imposição da ideologia de gênero nas escolasi. Como reflexo da sociedade, as escolas são espaços nos quais a opressão às mulheres e a discriminação sexual são constantes. Na maioria dos casos, as ações e as reações são silenciadas e banalizadas. Será necessário promover tal discussão nas escolas? A seguir, veremos algumas pesquisas sobre o assunto. Certamente, nos mostrarão a urgência da discussão na sociedade e nas escolas.

Segundo dados do Mapa da Violência 2015ii, de Julio Jacobo Waiselfisz, entre 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino mortas no Brasil passou de 3.937 para 4.762, incremento de 21,0% na década. As 4.762 mortes em 2013 representam 13 homicídios femininos diários. Quando analisamos os casos de feminicídio, a população negra é vítima prioritária. Em 2014, o Sistema Único de Saúde atendeu 23.630 casos de violência sexual, a maioria envolvendo crianças e adolescentes. Segundo informações presentes no estudo “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”iii, de 2013, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006 para combater a violência contra a mulher, não teve impacto no número de mortes por esse tipo de agressão.

Quando o assunto é escola, os dados sobre assédio ou violência contra mulheres estudantes são escassos ou inexistentes, nas secretarias de educação. Já sobre discriminação contra homossexuais os dados são preocupantes. Em pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, 32% dos homossexuais entrevistados afirmaram sofrer preconceito dentro das salas de aula e também que os educadores ainda não sabem reagir apropriadamente diante das agressões no ambiente escolar, que podem ser físicas ou verbais.iv Os dados, segundo os pesquisadores, convergem com aqueles apresentados em pesquisa do ministério da Educação, que ouviu 8.283 estudantes na faixa etária de 15 a 29 anos, no ano letivo de 2013, em todo o país, e constatou que 20% dos alunos não querem colega de classe homossexual ou transexual.

Na mídia, além da reprodução dos discursos e da estética de uma sociedade patriarcal, alguns personagens com grande visibilidade provocam e se promovem a partir de atitudes machistas, como o humorista Danilo Gentili e o ator Alexandre Frota. Por sinal, em recente audiência com o ministro da Educação, Mendonça Filho, Frota e um grupo associado ao movimento Escola Sem Partido levaram suas propostas para transformar a educação brasileira. Certamente, Alexandre Frota tem todo o direito de ser ouvido pelo ministro da Educação. Porém, quais os grandes problemas? Trata-se de alguém com passado marcado por machismos e atitudes boçais, conforme dito anteriormente. Além disso, há desigualdade no diálogo. Todos deveriam ser ouvidos. Os estudantes das escolas ocupadas estão sendo ouvidos? Muito pouco. Os professores em greve estão sendo ouvidos? Um pouco mais — porém, de forma, marginalizada. Até agora, reitores de universidades públicas federais não conseguiram marcar encontros com o atual ministro. Enfim, é preciso superar a seletividade do diálogo e analisar criticamente o projeto levado por Frota e sua trupe.

Voltemos ao parágrafo inicial. Qual é o absurdo do projeto Escola Sem Partido? Ignora-se a realidade para dar continuidade ao projeto de educação e sociedade em que vivemos faz tempo. O que esse movimento quer não é transformar a educação brasileira. Pretendem frear alguns avanços pedagógicos e sociais que tivemos nos últimos 15 anos, como as leis 10.639/03 e a 11.645/08. E por que apenas frear? Se analisarmos os conteúdos trabalhados e as atitudes desenvolvidas nas escolas, veremos poucas mudanças em relação à educação tradicional, conservadora e meritocrática. Nas salas de aula, falamos sobre (e muitos cultuam) a cultura eurocêntrica, o consumismo moderno, o agronegócio, a urbanização do mundo, a atuação das empresas multinacionais e suas grandes marcas, a corrida desenvolvimentista, a fábula da sustentabilidade, em pensadores brancos, homens e europeus, entre outros assuntos marcados pela hegemonia do saber.

Nos lugares da vida, mulheres são agredidas, jovens negros são assassinados, a cultura é elitizada, os espaços públicos são murados e fortificados, o caminhar é vigiado, o sucesso é baseado unicamente na ascensão econômica, entre outros vendavais que nos levam ao mundo fabuloso da desigualdade e da perversidade das relações. Nos lugares de fé, os profetas e seus seguidores cultuam emocionalmente suas verdades, ignoram suas realidades, e almejam criar bolhas de satisfação pessoal e comunitária. Tudo isso acirrando as disputas pelo existir e pelo mundo em que vivemos.

Para subverter minimamente esse quadro, precisamos criar leis para discutir a nossa origem e conhecer a história e a cultura africana e indígena nas escolas. Na prática, subvertemos sistemas para discutir a vida, a realidade e outros saberes necessários para transformar nossas ideias, nossas práticas, nossos espaços, nossas relações, nossa existência.

Neste contexto, a Escola Sem Partido (ou, melhor dita, Escola de Pensamento Único) é um projeto para silenciar vozes, buscar estabilidades e criar novos espaços de conforto e conformismo social, cultural e intelectual. A instabilidade, o diferente, a emergência incomodam. Discutir as desigualdades sociais, o feminismo, a discriminação sexual, entre outros assuntos, é provocar instabilidades nesse sistema de histórias e pensamentos únicos. Doutrinação ideológica está presente nas escolas desde sempre com seus conteúdos, com seus discursos, com suas relações. O pensar crítico é outro papo.

A atitude socialmente crítica é emancipação. Ela combate e rompe com o desenvolver enciclopédico e elitizante das escolas tradicionais. Educar é analisar as realidades e a nossa sociedade, selecionando aquilo que é urgente para ser conhecido, discutido, problematizado. Se analisar criticamente as realidades é um problema, que possamos subverter a lógica do pensamento único. É preciso prosseguir na luta para garantir uma educação para a liberdade e para a autonomia. Por uma educação que reconheça nossos povos tradicionais e seus saberes, garanta o bem estar das pessoas, valorize o fazer coletivo, pratique a democracia nas suas relações, entre outros assuntos que integram a educação em direitos humanos, especialmente por um mundo socialmente justo e ambientalmente responsável. Contra qualquer tipo de silenciamento, é preciso pensar, refletir, dialogar. Porém, é extremamente necessário fazer, agir.

Até porque, nosso grande Paulo Freire já mandou: “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”v. Nas palavras do educador, é necessário sermos homens e mulheres radicais nesse sistema atual. A radicalidade está na luta por uma educação mais dialógica, humana e ativa marcada pela autonomia do educando e pela liberdade na construção dos saberes e nos caminhos escolhidos para a vida.


iConheça o debate sobre o assunto:http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/o-que-e-ideologia-de-genero-0zo80gzpwbxg0qrmwp03wppl1.

ivVer estudo “Discriminação e violência homofóbica segundo os participantes da 6ª parada do orgulho LGBT de Sorocaba-SP: subsídios para (re) pensar as práticas educativas”, publicado por Marcos Roberto Vieira Garcia, Viviane Melo de Mendonça e Kelen Christina Leite no periódico Cadernos de Pesquisa. Disponível em:http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/download/4189/2224.

vLer com afeto o livro Ação Cultural: para a liberdade e outros escritos, publicado pela editora Paz e Terra.

 

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