Espanha aprova lei que impede manifestações, impõe censura e fecha cerco contra imigrantes

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Por Raphael Tsavkko Garcia, para  Opera Mundi – 

‘Ley de Seguridad Ciudadana’ criminaliza protestos populares e permite expulsar estrangeiros nos enclaves de Ceuta e Melilla

O Parlamento espanhol aprovou no último dia 11 de dezembro, por 181 votos a 141 (o governista Partido Popular, ou PP, possui maioria absoluta), a chamada Lei de Segurança Cidadã (Ley de Seguridad Ciudadana), que causou imensa controvérsia ao longo de seu debate e que poderá ter consequências graves ao criminalizar manifestações populares e permitir a expulsão sumária de imigrantes sem documentação nos enclaves de Ceuta e Melilla (rodeados pelo Marrocos).

Wikicommons

Cerca de proteção na fronteira entre a cidade espanhola de Melilla e o Marrocos, que se opôs à construção da barreira

Segundo o texto aprovado, as forças de segurança espanholas podem devolver ao Marrocos imigrantes sem documentação pegos tentando atravessar a fronteira (as altas grades que separam as duas cidades do resto do continente); e a redação aprovada ainda abre brechas para ações violentas por parte da Espanha contra aqueles que tentarem cruzar a fronteira, pois, reza o texto, “os estrangeiros que sejam detectados na linha fronteiriça […] poderão ser rechaçados a fim de impedir sua entrada na Espanha”. Como se dará esse “rechaço” é uma grande incógnita e motivo de muito temor.

Para os próprios cidadãos espanhóis, recairão pesadas multas caso decidam realizar protestos, manifestações e escrachos. Multas mais pesadas do que as pagas por motoristas bêbados ou membros do PP ou da casa real envolvidos em casos de corrupção.

De acordo com o texto aprovado, será proibido mesmo gravar ou fotografar policiais atacando ou violentando cidadãos, seja um caso isolado ou ações coletivas contra multidões. Além disso, “as denúncias, atestados ou atas formuladas por agentes da autoridade em exercício de suas funções que tenham presenciado os fatos […], constituirão base suficiente para adotar a resolução que proceda, salvo prova em contrário”, ou seja, qualquer cidadão acusado falsamente por um policial de cometer um crime – ou de desacatá-lo – terá de provar não ter cometido tal infração, o que inverte a lógica básica do direito de que o ônus da prova recai sobre quem acusa.

Efe/ arquivo

Manifestantes participaram de protesto contra a política de austeridade em 2012 em meio à crise econômica na Espanha

Na Espanha do Partido Popular a palavra de um policial vale mais do que as bases fundamentais do direito. E quem ousar registrar casos de abuso policial será culpado e multado — e não o agressor. É a impunidade total chancelada pelo Congresso espanhol.

Há espaço ainda para, na lei, confrontar a Constituição. Os organizadores de protestos que não tenham sido comunicados previamente às autoridades poderão pagar multas de até 600 mil euros caso o local escolhido para o protesto exerça algum “serviço básico para a comunidade”, em outras palavras, qualquer protesto dentro de uma universidade, em frente a um tribunal ou mesmo em frente ao congresso ou governos regionais se enquadraria na definição de “instalação em que se prestam serviços básicos”. Em apenas uma canetada os protestos na Espanha foram basicamente proibidos.

Mas para evitar qualquer problema de interpretação, a lei prevê multa de 30 mil euros para quem protestar em frente ao congresso. Caso alguém resolva protestar e se sentar na calçada de casa contra a medida, também poderá ser multado em 30 mil euros. Protestos pacíficos muito comuns na Espanha, como se sentar em locais públicos e se recusar a se mover são passíveis de multa e se um policial ao te retirar do local o agredir ou ferir não incorrerá em qualquer penalidade.

Na Espanha, Gandhi teria ficado pobre antes de conseguir qualquer um de seus objetivos.

O PP também pensou nos bancos, seus grandes aliados, e impõe uma multa de 30 mil euros a quem impedir desahucios, ou seja, que pessoas sejam expulsas de suas casas e jogadas na rua pela polícia por terem contraído dívidas em geral com bancos – muitos deles “resgatados” da falência com dinheiro público.

A lei também contempla multas de até 30 mil euros para quem for pego com um cigarro de maconha no bolso, já que a nova lei considera a posse e o consumo de drogas — independentemente de qual ou da quantidade, como uma falta muito grave. Gravíssimo, porém, é o de levar adiante eventos — como concertos musicais, atos políticos, debates públicos, etc — considerados ilegais. A multa sai por até 600 mil euros. No País Basco protestos e atividades populares são constantemente suspensas pela justiça como tentativa de intimidação e, muitas vezes, são realizadas da mesma forma. A lei cai como uma luva na ampliação da repressão à população basca.

Por fim, para evitar que sobre qualquer espaço para um protesto, nada de se pendurar em uma estátua — já que assim você não impede o trânsito, não olha torto para um policial, não o desacata com seu cheiro e nem fica perto de áreas que prestam serviço público -, a multa pode chegar aos 30 mil euros.

Reproprodução

Mais de 4300 pessoas tentaram entrar de forma onsiderada como ilegal nas cidades de Ceuta e Melilla em 2013

É bom lembrar que qualquer tipo de desacato a um policial ou qualquer autoridade também gera pesada multa, ou seja, na Espanha de 2014 é proibido protestar e reclamar também desta proibição,  senão o Estado lhe tomará todos os pertences.

Todos os partidos presentes no congresso espanhol protestaram contra a aprovação da lei, mas o fato do PP possuir a maioria absoluta tornou os protestos inócuos. Alguns deputados chegaram a protestar colocando vendas sobre suas bocas para denunciar o que muitos tem chamado de Lei da Mordaça, mas pouco podiam fazer frente à esmagadora que o Partido Popular possui no congresso.

Segundo o porta-voz do PP na Comissão de Interior, Conrado Escobar, “as manifestações serão mais livres, porque estarão protegidas dos mais violentos”. Sem dúvida uma verdade, já que de acordo com a lei manifestações em geral não terão como acontecer de forma alguma sob pena de levar seus organizadores e participantes à falência.

Raphael Tsavkko Garcia é jornalista. Mestre em Comunicação (Cásper Líbero) e Doutorando em Direitos Humanos (Universidad de Deusto)

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