Por Claudio Lovato, jornalista e escritor – 

“Eu sou um homem com uma missão”, ele me disse assim que me sentei em sua sala cheia de espelhos e diplomas e certificados e troféus. “Você entende?”

“Sim”.

“Eu sou aquele que incendiará o circo quando for preciso que o circo pegue fogo. Entende?”

“Sim”.

“E não me importam as ‘casualties of war’. Você sabe o que significa ‘casualties of war’?”

Fiquei em silêncio.

“Coisa da guerra. Morte de inocentes. Civis. Efeitos colaterais. Entendeu?”

“Entendi”.

“Dane-se, não se faz omelete sem quebrar os ovos. Já ouviu isso?”

“Já”.

“Você vai aprender muito aqui”, ele me disse.

“Sim”.

“Até chegar o dia em que você também será um homem com uma missão. Entendeu?”

“Entendi”.

“Você foi escolhido. Você está aqui porque é especial. Especial e único. Você tem consciência disso?”

“Sim”.

“Você terá que estar pronto quando a hora chegar. Mas não se preocupe em saber quando será essa hora, porque eu saberei. Eu. Compreendeu?”

“Compreendi”.

“Agora pode ir”.

Levantei-me.

“Você está se saindo muito bem, André. Siga nessa linha”.

“É Pedro, senhor”.

“O quê?”

“Meu nome não é André. É Pedro”.

Ele consultou a tela do computador e disse:

“Porra, André é o próximo!” (E, depois, num resmungo pretensamente inaudível: “Tanto faz, caramba…”). Por fim, de novo em voz alta: “Diga a ele que pode entrar”.

“Sim, senhor”.

Saí e fiz isso, mas não fui embora de imediato. Eu me sentei numa cadeira próxima à porta e fingi que estava amarrando o sapato. Consegui escutar o começo da conversa deles.

“Eu sou um homem com uma missão”, ele disse ao meu colega, com sua voz de trovão pré-histórico. “Entendeu?”

“Entendi”, meu colega respondeu.

“Eu sou aquele que…”, ele prosseguiu.

“Circo”, pensei. “’Casualties of war’. Omelete”.

Fui embora desconfiado de que aquilo podia ser um código que eu, desgraçadamente, não estava conseguindo entender. Então desisti, porque já havia pensado demais.