Publicado em Jornal GGN –
“Quem vai para a cadeia é o pequeno traficante. Isso não impacta o tráfico nem as organizações criminosas”, pondera professora de Direito Penal e Criminologia
“Essa lógica da intimidação geral, da eficácia repressiva, é muito boa para vender livro e se eleger, mas, concretamente, o aumento nominal das penas, por si só, desacompanhado de outras instâncias, não tem eficácia, não funciona”, ponderou o advogado e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo Alberto Zacharias Toron.
Assim como outros debatedores, ele criticou as mudanças como o aumento do tempo de encarceramento e limitação das possibilidades de liberdade condicional. Eles avaliam que essas medidas não tem efeito na redução da criminalidade, além disso, fragilizam os direitos e garantias individuais.
Toron também observou negativamente a possibilidade de ampliação do instituto da legítima defesa. “Ampliar o conceito de legítima defesa para abrigar situações de medo e violenta emoção é dar uma espécie de carta branca para que se possa matar”, refletiu.
O doutor em Direito Penal se refere especificamente do trecho do Projeto de Lei que permite que o réu que estiver respondendo pela morte ou agressão contra outra pessoa invoque a “violenta emoção” como legítima defesa. Segundo esse dispositivo do pacote anticrime de Moro, quando a ação criminosa ocorrer por conta de “medo, surpresa ou violenta emoção” o juiz poderá reduzir a pena pela metade ou até deixar de aplicá-la.
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O professor discordou ainda de outros dispositivos do PL, entre eles o que impõe limitações aos embargos infringentes (recurso cabível contra acórdão não unânime) e o que acaba com o efeito suspensivo do recurso da pronúncia (decisão que determina o julgamento por júri popular).
“O processo precisa ser eficiente, sim, porém a ideia de processo traz outra coisa cara à cidadania: o respeito às garantias do acusado.”
Do mesmo lado, a professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux, analisou que, se for aprovado, o pacote anticrime vai contribuir no fortalecimento das organizações criminosas dos presídios, dado seu impacto no aumento da população encarcerada.
“Quem vai para a cadeia é o pequeno traficante. Isso não impacta o tráfico nem as organizações criminosas”, disse ao lembrar que o tráfico de drogas é considerado crime hediondo desde 1988.
Ela entende que a norma vigente não contribui efetivamente para a redução do tráfico de drogas no país ao não diferenciar claramente usuários de traficantes, juntamente com a falta de investigações dos setores da segurança pública para se chegar aos grandes traficantes.
O relator do grupo de trabalho na Câmara que analisa o pacote, deputado Capitão Augusto (PR-SP), defensor das medidas, destacou que a proposta não foca nos pequenos traficantes.
“Hoje uma pessoa é pega com uma tonelada de cocaína e não fica três anos encarcerada. Se houver um endurecimento [da pena], não será um desestímulo a esse tipo de crime?”, questionou.
Boiteux rebateu o parlamentar destacando que não existem “evidências que comprovem a relação entre o aumento da pena e a redução da criminalidade”, em toda a literatura sobre o tema, acrescentando que até nos Estados Unidos o aumento das punições está sendo reavaliado como estratégia para combater o tráfico de drogas e suas consequências nocivas à sociedade.