“Esperamos provar a eficácia da vacina contra covid-19 ainda neste ano”

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Compartilhado de DW Brasil – 

Infectologista brasileira que chefia testes clínicos da vacina de Oxford se diz otimista e agradece voluntários no Brasil. Ela também lidera um projeto da Fundação Gates para capacitar centros de testes no país.

Mão com luva segura seringa diante de máscara de proteção
No total, serão recrutados 50 mil voluntários para a fase 3 da vacina de Oxford, sendo 5 mil no Brasil

No Brasil desde março devido à pandemia de covid-19, a médica infectologista brasileira Sue Ann Costa Clemens chefia os testes clínicos de fase 3 da vacina de Oxford contra a doença. Desenvolvida em parceria entre a universidade britânica e a farmacêutica AstraZeneca, a vacina é considerada a mais avançada na luta contra o coronavirus. Dentre os 5 mil voluntários previstos para participar dos testes, 4 mil já foram vacinados nos três centros distribuídos entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

“A gente só tem a agradecer à população brasileira. A gente poderia estar aqui com o melhor time e com uma vacina pra ser testada e não ter voluntários”, comenta a médica. “A gente tem esperança de provar a eficácia da vacina ainda neste ano devido a altas curvas epidemiológicas em países onde estamos desenvolvendo o estudo, como Brasil e África do Sul.”




Atuante há 25 anos na área de vacinas, da pesquisa à indústria farmacêutica, Clemens é atualmente professora na Universidade de Siena, na Itália, e integrante de comitês científicos das empresas CureVac, da Alemanha, e Clover, da China, que também desenvolvem vacinas contra a covid-19.

Ela também lidera um projeto financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates que vai capacitar novos centros para receber testes em massa de vacina contra covid-19 em fase 3. Além do Brasil, outros nove países da América Latina serão contemplados.

A meta é preparar esses locais para a provável chegada de novas vacinas em desenvolvimento à fase 3, considerada etapa final de testes: quando a dose é aplica em uma grande quantidade de pessoas para que seja demonstrada a sua eficácia e segurança.

Em entrevista à DW Brasil, ela dá detalhe sobre as iniciativas.

Deutsche Welle: A senhora acaba de ganhar um financiamento de 1,5 milhão de dólares da Fundação Bill e Melinda Gates voltado para o combate à covid-19. Como os recursos serão usados?

Sue Ann Costa Clemens: Sou investigadora principal do projeto financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates. Acabamos de receber a resposta. O dinheiro é para treinar, capacitar centros na América Latina para receber qualquer estudo de vacina de covid-19 entrando em fase 3.

Não existem centros no mundo preparados para receber novos estudos de larga escala de fase 3 ao mesmo tempo, além daqueles que já estão em andamento. Entre outubro e fevereiro do ano que vem, se cinco ou seis companhias chegarem à fase 3, além das que já estão nessa etapa nesse momento, serão necessários centros para recrutar até 300 mil voluntários. E os centros não estão preparados para isso.

Isso é uma preocupação da fundação. Sou consultora sênior deles, mas escrevi um projeto. E agora teremos que treinar, capacitar os centros em termos de infraestrutura e de pessoal.

Estudos de eficácia de larga escala não são estudos triviais. Estudos durante a pandemia ainda lidam com a questão de termos que adaptar os centros para as políticas de saúde pública, como o distanciamento social para os casos suspeitos de covid-19. Então a infraestutura, o espaço físico, é importante, assim como uma infraestutura referente a equipamentos, freezer, geladeiras específicas para vacina e treinamento de pessoal.

Onde serão esses novos centros usados para testar as vacinas?

Já entrei em contato com dez países na América Latina, incluindo o Brasil. Vamos capacitar entre 15 e 30 centros. Dentro dessa capacitação e qualificação profissional, vamos dar treinamento em pesquisa clínica internacional. Por que os estudos necessitam de um elevado e muito rápido recrutamento de voluntários. E isso não é muito fácil de se fazer numa pandemia.

Os centros que serão capacitados e qualificados estarão numa lista e as companhias (que desenvolvem as vacinas) irão escolher a partir disso.

Já começamos a abordar alguns centros no Brasil e em outros países. De acordo com a curva epidemiológica no Brasil, a gente vê que em outubro, mesmo que a curva esteja mais estável em alguns estados, essa estabilidade estará num nível elevado. O Brasil está dentro dessa potencial escolha [para abrigar novos centros de testes] por sua curva epidemiológica. E a gente oferecendo centros capacitados, com uma infraestrutura adequada, fica mais fácil para as companhias que estão entrando na fase 3 dos testes clínicos.

Esse é o objetivo principal da Fundação Bill e Melinda Gates: trazer uma vacina mais rápida para a população mundial, independente da companhia farmacêutica.

O projeto inclui centros que já estão testando vacinas no Brasil, como o Butantã e a Unifesp?

Um dos critérios para receber esse financiamento da fundação é que o centro não pode estar trabalhando com uma vacina candidata contra covid-19.

Outro critério é que o pesquisador tenha experiência com pesquisa clínica de vacinas. É preciso ainda que o centro tenha capacidade de expansão física de infraestrutura, que recrute pelo menos entre 800 e mil voluntários por mês porque, como disse, é preciso um recrutamento elevado e rápido.

Os centros precisam estar localizados em países que tenham, sabidamente, um sistema de aprovação rápido (para dar andamento aos testes das vacinas candidatas). Vários países, como o Brasil, tem um sistema de aprovação separado para processos envolvendo a covid-19. A Anvisa tem aprovado em até 72 horas, por exemplo.

A CureVac, empresa que desenvolve uma vacina contra covid-19 na Alemanha, anunciou que também poderá fazer testes no Brasil. O que a senhora pode nos adiantar, como membro do comitê científico da empresa?

A CureVac está desenvolvendo uma vacina de RNA mensageiro, que é uma plataforma nova. Existem outras vacinas na mesma plataforma – Moderna, BioNTech… A CureVac está terminando a fase 1 dos testes, em que foram recrutados entre 200 e 300 participantes na Alemanha e Bélgica. A fase 2 vai começar em breve na Europa e América Latina.

A fase 3 está planejada para cerca de 30 mil voluntários divididos entre América Latina, Europa e Ásia. Entre esperar alguns resultados da fase 2 e começar a próxima etapa, a gente acredita que até final de outubro, começo de novembro, a fase 3 dos testes seja iniciada. E a gente pretende trazer para o Brasil.

A senhora também está envolvida com os teste clínicos da vacina de Oxford no Brasil. Quantas pessoas já foram vacinadas até agora?

Sou a investigadora responsável pelos três centros que testam a vacina no Brasil. Depois do contato do pesquisador-chefe em Oxford, Professor Andrew Pollard, falando sobre a intenção de fazer os testes aqui, rapidamente conseguimos os centros. A rede D’or e Fundação Lemann disponibilizaram um financiamento.

Transformamos um galpão da Unifesp num centro de vacinas. Do primeiro contato com professor Pollard à abertura do centro foram 44 dias, que foi um recorde.

Começamos em São Paulo, depois fomos para o Rio de Janeiro e Bahia. Agora temos 4 mil voluntários vacinados, o total deve chegar a 5 mil. Começamos o estudo com voluntários entre 18 e 55 anos, semana passada conseguimos aprovação para vacinarmos pessoas de até 69 anos, e agora foi aprovado pela Anvisa vacinação para pessoas acima de 70 anos.

No total, serão recrutados 50 mil voluntários para a fase 3 da vacina de Oxford, sendo 10 mil no Reino Unido, 5 mil no Brasil e 2 mil na África do Sul. Estudos também vão começar em dois novos países, um na África e outro na Ásia, e 30 mil voluntários participarão nos Estados Unidos.

Começamos com uma dose da vacina e agora vamos incluir a dose de reforço, entre um mês e três meses de intervalo. A gente tem esperança de provar a eficácia da vacina ainda neste ano devido a altas curvas epidemiológicas em países onde estamos desenvolvendo o estudo, como Brasil e África do Sul. No Reino Unido a curva já está baixando…

Quais os desafios de fazer um recrutamento de tantas pessoas num curto espaço de tempo?

São alguns desafios… Um deles é fazer com que os três centros no Brasil estejam, de fato, recrutando muito rápido e com toda qualidade e segurança para os voluntários. Isso está acontecendo porque, entre seis e oito semanas, já vacinamos 4 mil pessoas. E a gente só tem a agradecer à população brasileira. A gente poderia estar aqui com o melhor time e com uma vacina pra ser testada e não ter voluntários.

Depois da abertura do centro na Bahia, em três dias já tínhamos mais de 20 mil pessoas inscritas. É impressionante. A gente está tendo todo o cuidado em tratar bem e dar toda a atenção médica que o voluntário necessita.

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