Compartilhado do Globo Esporte –
Nomes de diversas modalidades reforçam o discurso antirracista, antifascista, contra a violência e o autoritarismo
Com a proposta de trazer para dentro do esporte um debate sobre os mais variados temas da sociedade e dar voz à luta pelos direitos do cenário esportivo, atletas e ex-atletas estão se reunindo em um grupo batizado como Esporte pela Democracia. São pessoas ligadas ao futebol, às modalidades olímpicas, jornalistas e simpatizantes que, segundo eles, estão “afinados com a democracia, os direitos humanos e civis, respeito à vida e à diversidade”.
A princípio, eles estão se juntando num grupo de aplicativo de mensagens, e o momento é de alinhar as propostas para definir o que de fato será feito nos próximos passos. Até o fechamento dessa reportagem, a lista continha 90 nomes confirmados (veja no final da matéria).
A ideia de formar o grupo surgiu há aproximadamente uma semana, quando diversas classes da sociedade passaram a se manifestar sobre temas sociais – o “#Juntos” reuniu artistas, intelectuais e jornalistas, enquanto os advogados, por exemplo, lançaram o movimento “#Basta”. Enxergou-se a necessidade de dar voz, também, ao esporte nesse sentido.
– Eu fui inserida no grupo, que a princípio era um grupo pequeno. No primeiro momento, escrevemos um texto, mas, depois, entendemos que deveria haver um protagonismo da negritude. O esporte tem que estar muito alinhado a essas pautas, temos que parar de dissociar uma coisa da outra. Então, decidimos empregar a questão do racismo no texto, o grupo foi ficando um pouco maior e, a partir do primeiro manifesto, a procura ficou ainda maior – explica a nadadora Joanna Maranhão.
O manifesto a que Joanna Maranhão se refere, cuja íntegra você pode ver mais abaixo, diz respeito principalmente às causas antirracistas, antifascista, contra a violência e o autoritarismo como um todo. “Queremos voltar a nos sentir orgulhosos de nosso país, representando em Copas do Mundo, Olimpíadas e em outras competições internacionais o legado de nossa cultura, nossa história, nosso povo”, diz um trecho do manifesto.
– As pessoas que entrarem no grupo entram pensando em como divergir com afeto. Se não soubermos dialogar as diferenças no grupo, como vamos falar para fora? Todo mundo tem a liberdade de sair quando quiser e não vamos pressionar atletas para que venham para esse manifesto – acrescenta Joanna.
Do futebol, também participam Igor Julião, lateral do Fluminense, Lucas Santos, ex-Vasco que, atualmente, defende o CSKA Moscou, e Raí, dirigente do São Paulo, entre outros. O técnico do Bahia, Roger Machado, que também assinou, falou sobre o manifesto.
– O objetivo da formação desse grupo democrático é reunir personalidades do esporte e fora dele para demostrar a inconformidade e indignação com o que está acontecendo no Brasil e no mundo. Surgiu neste momento porque estamos vendo uma escalada cada vez maior contra a democracia com a tentativa de desconstrução e descontinuidade dos poucos direitos civis tão arduamente conquistados – afirmou o treinador.
Leia a íntegra do manifesto:
“Nós, atletas, ex-atletas e profissionais ligados ao esporte, cidadãos brasileiros antes de tudo, afinados com o pensamento de diversas categorias e nos juntando às vozes que pactuam com a democracia, os direitos humanos e civis, respeito à vida e à diversidade, estamos aqui unidos em nome daquilo que sempre acreditamos e praticamos em nossas profissões e deve se estender sem restrições ao exercício cotidiano: o direito supremo à vida, a uma sociedade justa e igualitária, ANTIRRACISTA, o respeito das individualidades e o valor do coletivo em nome do bem-estar e da dignidade para todos.
A tentativa contínua de destruição da democracia se mostra de forma clara e direta por inúmeras medidas autoritárias. Testemunhamos diariamente desrespeito à constituição, autoritarismo, uso desvirtuado da política em benefício de poucos, ataque às instituições democráticas, ameaças ditatoriais, cerceamento da liberdade de imprensa, destruição das políticas de proteção ao meio ambiente, desrespeito aos povos indígenas e à história dos povos originários, ataque às minorias políticas e sociais. Há ainda amplo desprezo por educação, cultura, ciência, pilares considerados parâmetros de dignidade em todo o mundo.
Enquanto tudo isso acontece, o número de mortos pelo vírus aumenta diariamente e o sistema de saúde colapsa, seguimos testemunhando o fruto da violência cotidiana que sistematicamente atinge as populações negras, periféricas, pobres, alvos preferenciais dos sistemas de poder. A banalização da vida negra soma historicamente milhares e milhares de mortos por violência, discriminação, práticas racistas diárias bem diante dos nossos olhos.
Como atletas e ex-atletas, aprendemos a importância de nos posicionarmos contra arbitrariedades e injustiças, não tolerando comportamentos que desrespeitam o bem-estar coletivo e advogam em nome de uma visão do mundo limitada e revoltante. Aprendemos o respeito absoluto pelo outro, que apenas na solidariedade existe jogo. Na história de nosso país, muitos ídolos nacionais vieram exatamente do esporte e seguem sendo referências de postura diante da vida e da humanidade. Muitos são negros, oriundos de periferias e comunidades, lugares para os quais o esporte muitas vezes representa esperança de futuro, meio de existência e de alcance de condições básicas de dignidade.
Pelo nosso repúdio integral ao racismo, à violência, e nosso desejo de voltar a crer num futuro possível e igualitário, hoje nos colocamos diante de questões políticas importantes. Como representar um país em que práticas autoritárias se tornam cotidianas? Em que a diversidade cultural, uma de nossas maiores riquezas, é frontalmente atacada? Como nos comportar diante do que temos vivido nos últimos tempos, da triste imagem nacional passada para o mundo?
Queremos voltar a nos sentir orgulhosos de nosso país, representando em Copas do Mundo, Olimpíadas e outras competições internacionais o legado de nossa cultura, nossa história, nosso povo. Queremos ver o Brasil voltar a crescer, com jovens tendo acesso a educação, trabalho, moradia, vivendo numa sociedade consciente e justa. Por isso, não podemos nos silenciar diante daquilo que testemunhamos. Precisamos colocar aqui a nossa voz e a nossa indignação, como cidadãos, convocando o legado de honestidade e bravura do esporte em nome do país que queremos e merecemos como Nação: um Brasil justo, igualitário, progressista e, acima de tudo, pactuado com a democracia e o respeito absoluto por TODAS as vidas.
O sonho de todo atleta é representar o seu país. Estamos então aqui hoje para reconvocar a lucidez, diante da questão inadiável: que Brasil é esse que queremos trazer na camisa e chamar de nosso?”.
Confira a lista atualizada com os membros do movimento:
- Afonsinho – futebol
- Aline da Silva Ferreira – luta olímpica
- Ana Barbachan – vela
- Ana Moser – vôlei
- Ana Mota – basquete
- Ana Thaís Matos – jornalista
- André Abujamra – músico, ator
- André Brasil – atleta paralímpico
- Andre Rizek – jornalista
- Arilson Silva – treinador de Natação
- Ben-Hur Correia – jornalista
- Caetano Veloso – músico
- Carlos Eugênio Simon – futebol
- Carolina Solberg- vôlei de praia
- Casagrande- futebol
- Célia Xacriabá – professora do Movimento Indígena Brasileiro
- Claudio Adão – futebol
- Claúdio Arreguy – jornalista
- Coletivo 342Artes – cultura
- Dado Villa Lobos – músico
- Diego Moraes – jornalista
- Diogo Silva – taekwondo
- Eduardo Monsanto –jornalista
- Fabi Alvim – volei
- Fê Garay – volei
- Felipe Neto – youtuber
- Fernando Calazans- jornalista
- Fernando Salem – músico/ roteirista
- Flávio Gomes – jornalista
- Grafite – futebol
- Gustavinho Lima – basquete
- Gustavo Kuerten – tênis
- Heitor Shimbo – esgrima
- Igor Julião – futebol
- Isabel – vôlei
- Jamil Chade – jornalista
- Joanna Maranhão – natação
- José Trajano – jornalismo
- Juca Kfouri – jornalista
- Julyana Travaglia – jornalista
- Juninho pernambucano- futebol
- Karen Harley – montadora
- Leiloca Neves – astróloga e cantora
- Lucas Santos – futebol
- Luciano Chequini – treinador de utebol
- Luciano correa – judô
- Lúcio de Castro – jornalista
- Luís Augusto Simon (Menon) – jornalista
- Luiz Fernando Rodrigues – esgrima
- Maike Weber – futebol feminino
- Maju Herklotz – esgrima
- Marcelo Bratke – pianista e maestro
- Marcelo Rubens Paiva – escritor, cineasta e jornalista
- Marcos Bocatto – futebol
- Maria Clara Salgado- vôlei de praia
- Maria Rita Rodrigues – esgrima
- Mariannita Luzzati – artista visual
- Mauro Cezar Pereira – jornalista
- Moara Passoni – cineasta
- Natália Andrade – jornalista
- Paula Lavigne – produtora
- Pedro Rivera – estudioso da política no esporte
- Pedro Solberg – vôlei de praia
- Petra Costa – cineasta
- Raí – futebol
- Raul Plasmann – futebol
- Reinaldo – futebol
- Ricardo Leyser – administrador
- Rio Nando – futebol
- Roberto Salim – jornalista
- Roger Machado – técnico de futebol
- Ronaldão – futebol
- Sálvio Spinola – futebol
- Samhia Simão – futebol feminino
- Sandro Ricci – ex-árbitro e comentarista
- Sebastião Arcanjo – futebol
- Serginho – vôlei
- Stepan Nercessian – ator
- Taimar Marinho – treinador de futebol
- Tayla Santos – futebol feminino
- Taynah Espinoza – jornalista
- Thiago Lacerda – ator
- Thomas Koch – tênis
- Vanessa Gonçalves – jornalista
- Vinicius Cascone – advogado
- Washington Olivetto – publicitário
- William Zeytounlian – esgrima
- Wladimir – ex-atleta
- Yanne Marques – pentatlo
- Zé Luiz – jornalista