Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado
Para encarar os medievais com chances reais de derrotá-los, as esquerdas, como ocorreu nas suas quatro vitórias eleitorais sucessivas, precisa do terço que não se filia a ela automaticamente.
A volta da teoria dos 3 terços Nas últimas décadas, a disputa política no Brasil tem dado razão a quem defende a chamada “teoria dos 3 terços”. E o que é isso? É a tese que aponta que um terço da população apoia as esquerdas (em termos eleitorais, leia-se PT), parcela igual fica com a direita e os 33% restantes, que não se engajam automaticamente com nenhuma das duas forças, é que decidem. Para quem ela pender, a maioria se formará.
Talvez o único lapso de tempo em que a teoria foi desmentida ocorreu durante o apogeu de popularidade do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva. E parece que entramos novamente na disputa do terço vacilante. Um dado tem passado batido nas análises sobre a queda de popularidade de Bolsonaro. Apesar do desastre de seu governo, entre 30% e 35% dos consultados, a depender do levantamento, continuam firmes no apoio ao fascista.
Não é desprezível essa força. Podemos argumentar, com razão, que a erosão nas taxas de aprovação dele são inéditas em administrações no início, mas esse núcleo duro garante sua sobrevivência, ao menos por enquanto.
Um intervalo aqui: cruzando-se todos os dados das recentes pesquisas, é possível sim garantir que um terço da população endossa Bolsonaro e somente em condições para lá de excepcionais deixarão de fazê-lo, O que está em disputa hoje é a parcela que flutua entre os polos de esquerda e direita. E o que se tem visto até agora é que o terço que oscila está engrossando o coro dos oposicionistas, mas ainda não se dispõe a aderir a um confronto aberto, que em última instância seria sair às ruas para o combate aos reacionários.
Portanto, são equivocadas análises triunfalistas que apontam a derrocada inevitável do governo de extrema-direita. Tampouco devemos valorizar em excesso notícias do tipo “fulano de tal está desembarcando e navio de Bozo afunda”. Menos, bem menos.
A maior de todas as batalhas, a da Previdência, está para ser vencida pela direita, reconheçamos. Não falta e nem faltará combate parlamentar dos progressistas para tentar impedir o massacre social via assalto às aposentadorias, mas a verdade é que, fora espasmos de gente corajosa como na última greve geral, não se viu até agora na sociedade mobilização suficiente para derrotar as ideias de Paulo Guedes.
E a Previdência une os setores de direita com as vítimas do bombardeio midiático mentiroso que sugere que a Economia só se levanta depois que o mais sagrado dos direitos sociais for sacrificado.
O que isso tudo significa? O “derrotismo é a mãe de todas as batalhas perdidas” continua valendo, mas é preciso refletir sobre a realidade. O campo popular vem de um revés portentoso na eleição parlamentar e não cabe, apenas 8 meses depois, supor que a situação já se inverteu. O que pode implodir o caminho da tragédia é transformar a crítica tímida de setores de centro a Bolsonaro numa frente em defesa da Democracia e dos direitos dos mais pobres.
Objetivamente, hoje as esquerdas sozinhas não têm capital político para encerrar a página tétrica que vivemos. É necessário ter claro, em tempos de discussões ligeiras e apaixonadas, que não se defende aqui abrir mão de bandeiras históricas do setor popular.
Essa luta é nossa causa primária e, se abrirmos mão dela, perde-se o sentido da Política enquanto ferramenta talvez única para obter uma sociedade mais justa e fraterna. O que é necessário, sim, é abrir mão de qualquer sectarismo quando existe uma causa democrática em jogo.
Se há quem, pelo apoio ou omissão, facilitou a chegada da extrema-direita ao Poder e agora está disposto a marchar junto em questões civilizatórias até, não devemos fechar as portas. Caminhemos temporariamente juntos e, depois de superada a treva fascista, cada um defenda seu projeto maior.
Para encarar os medievais com chances reais de derrotá-los, as esquerdas, como ocorreu nas suas quatro vitórias eleitorais sucessivas, precisa do terço que não se filia a ela automaticamente.