Por Ademir Assunção, poeta e jornalista, no Facebook
Escrevo imerso na lama do meu tempo, mas tenho cada vez mais convicção de que serei mais lido no futuro, quando já estiver bem morto e enterrado.
Lamento? Lamento. Me queixo? Me queixo. Crítico. Boto a boca no trombone. Esse é o resultado de um Brasil Despedaçado.
E não culpo somente “os políticos” – álibi do senso comum, que faz questão de se fazer de cego à nuances e de se eximir de qualquer responsabilidade.
Culpo e acuso especialmente os empresários das grandes corporações de comunicação de massas (rádios, televisões e jornais) que estão sendo muito competentes em sua destruição da inteligência do País. Que estão semeando com excepcional competência o campo árido da ignorância, para que floresça um novo campo de trevas.
Culpo e acuso os controladores do espaço aéreo dos grandes debates públicos, os controladores que promovem insistentemente a mediocridade artístico-cultural e empurram grandes talentos para a vala da quase mendicância.
(Nec Spe Nec Metu) Sem esperança nem temor, deixo com meus leitores do presente mais um poema da série Fábulas Contemporâneas.
Engulam com voracidade a parcela de ar que lhes cabe. Enquanto houver ar.
FÁBULA DA MEMÓRIA
todos lembravam do dia do linchamento
todos na cidade lembravam bem
do dia do linchamento
todos lembravam dos paus dos socos
lembravam dos chutes da barra de ferro
todos lembravam dos chutes
na barriga no peito no rosto
dos socos no estômago todos todos
lembravam dos olhos apavorados
dos gritos parem pelo amor de deus
todos lembravam dos gemidos todos
todos lembravam das súplicas
não me matem todos lembravam
lembravam dos xingamentos
filho da puta todos lembravam
do ódio dos homens dos uivos
das mulheres todos todos
lembravam lembravam dos pisões
na cabeça todos todos do sangue
escorrendo pela boca lembravam
lembravam do sangue escorrendo
pelos ouvidos todos todos lembravam
do inchaço nos olhos todos
da cabeça deformada todos lembravam
do corpo perdendo os movimentos do corpo
lembravam parecendo um boneco
de palha todos dos ossos lembravam
dos ossos quebrados todos lembravam
muito bem do fogo roendo as roupas
todos lembravam lembravam
do cheiro agridoce da carne queimada
todos lembravam lembravam muito bem
de tudo só
não lembravam mais
o momento exato
em que tudo começou
…
(Ademir Assunção)
desenho de Carlos Carah