Por The Conversation, compartilhado de Projeto Colabora –
Restrições para evitar a nova epidemia ameaçam cadeia mundial de suprimentos
(Chusu He*) – Enquanto os cientistas correm para criar um antídoto que combata o coronavírus covid-19, um diagnóstico sombrio paira sobre a economia chinesa. Existe um risco concreto de que os efeitos da epidemia sobre as cadeias produtivas levem o país à estagflação – baixo crescimento e inflação em alta -, doença para a qual tampouco os economistas têm vacina. Ainda não há políticas monetárias ou fiscais eficazes para combatê-la.
A incerteza, agravada pela guerra comercial China-EUA, forçará empresas pelo mundo todo a repensar sua dependência de fornecedores chineses. Não será surpresa nenhuma ver países rivais desenvolvendo centros de fornecimento à economia global do tipo que Pequim criou, até agora com muito sucesso.
LEIA MAIS: ‘Me sinto em Chernobyl’, diz brasileiro, no epicentro do coronavírus
LEIA MAIS: Crescimento demoeconômico e emergência climática
É possível que a própria China e o resto do mundo tenham subestimado o impacto do covid-19. Imagine: o lançamento do próximo smartphone da Apple, previsto para março deste ano, pode ser adiado. Os bloqueios de cidades chinesas e as restrições às viagens atingem a cadeia mundial de suprimentos da indústria. Desde grandes fabricantes de automóveis sul-coreanos, como Hyundai e Kia, a pequenas empresas de tecnologia nos EUA, como a Agilian Technology.
Uma pesquisa da Academia Chinesa de Ciência Sociais, publicada dia 1º, constatou que 43,9% dos empresários consultados admitem prejuízo no próximo ano. Não demorará muito para problemas de liquidez levarem muitas empresas, principalmente as menores, à beira da insolvência. Apenas 9% dos ouvidos arriscam dizer que sobreviverão a um mês de operações suspensas; dois terços creem que suportarão uma paralisação de duas semanas.
Muitas fábricas não podem retomar as atividades porque não conseguem matéria-prima e sua força de trabalho está em quarentena. Os problemas são de todos os tipos: com pedidos, salários, fluxo de caixa, entregas, pagamentos de dívidas, logística e transporte. Muitos estão sujeitos a multas por violar contratos. Outras são obrigadas a suspender operações por ordem de governos locais. Das 29.814 empresas que tentaram voltar ao trabalho em Hangzhou, capital da província de Zhejiang, apenas 162 tiveram autorização até o último dia 10. Firmas menores não conseguem comprar máscaras para os funcionários.
Alguns fabricantes, como a Foxconn, principal fornecedora da Apple, retomam as atividades em fases, mas precisam de tempo para voltar à capacidade total porque apenas os funcionários locais podem retornar imediatamente. Os que viajam de outros lugares precisam se isolar de sete a 14 dias.
Mais de 80 cidades entraram em confinamento, incluindo áreas inteiras de cinco províncias – Hubei (onde fica o epicentro do covid-19, a cidade de Wuhan), Liaoning, Jiangxi, An’hui e Mongólia Interior, além das quatro principais cidades de Zhejiang, afetando mais de 275 milhões de pessoas. Pequim e Xangai aumentaram as restrições aos deslocamentos de pessoas.
Durante o feriado do Ano Novo (iniciado em 25 de janeiro), o movimento de passageiros em transporte público interurbano atingiu apenas 60% do registrado em 2019. A Xibei, com 350 restaurantes e receita anual equivalente a US$ 817 milhões, teve uma queda de 87% em sua receita durante o período de férias em relação ao ano anterior. É enorme o contraste com o ano anterior, quando os negócios em turismo, varejo e refeições cresceram 8% durante o Ano Novo.
A taxa anual de inflação em janeiro subiu a 5,4%, a maior desde outubro de 2011. Durante a epidemia de Sars, em 2003, a inflação também se elevou, mas caiu rapidamente. Isto pode não acontecer agora porque tanto a oferta quanto a demanda estão em baixa, mas a oferta está descendo mais rapidamente. O nível de otimismo entre os empresários do país, medido pelo Índice dos Gerentes de Compras, está em 50%, menor nível dos últimos meses.
Para conter a crise, o governo adotou uma série de medidas, incluindo empréstimos com juros mais baixos, alongamento de dívidas, renúncia fiscal e uma injeção do equivalente a US$ 28 bilhões no mercado financeiro, para manter a liquidez. Elas aliviarão as tensões financeiras, mas provavelmente não os problemas subjacentes no setor produtivo.
*Professora de finanças na Universidade de Coventry, Grã-Bretanha
(Tradução: Trajano de Moraes)