Por Washington Luiz de Araújo, jornalista –
Oi, dona Periferia, tudo bem? Mais ou menos, né? Posso chamá-la aqui de Perifa e tratá-la por você? Afinal, como vou mostrar nesse nosso papo, temos alguma intimidade. Faço questão de salientar que me dirijo a você, Perifa, em sua faceta de morro, de subúrbio, de vila. Você é muitas, minha amiga.
Pois é, Perifa, o que me levou a escrever para você foi o texto do Jorge Américo e do Douglas Belchior, “Periferia, a dama mais cortejada da cidade”.
No texto, a dupla de autores lembra muito bem que você, Perifa, só é lembrada de quatro em quatro anos, e, feito a Geni do Chico Buarque, é apedrejada durante todo esse intervalo para ser acarinhada falsamente em época de eleição.
Devo lhe confessar, Perifa, que não a visito como deveria. Falo mais de você, das suas penúrias, dos assassinatos de pobres pela PM, do que a visito. Reconheço. Minha família, Perifa, veio do Nordeste, lá de Pernambuco, eu com um ano de idade, e fomos morar na Capital paulista, na Vila Ema, Zona Leste, e depois na Vila Maria, Zona Norte. Hoje, moro em Perdizes, lugar de “coxinha”, Zona Oeste da Capital. Vou sempre à Vila Maria ver minha mãe e minhas irmãs, e tenho um irmão no Rio Pequeno, periferia da Zona Oeste, além de parentes nos fundos de Guarulhos. Ah, sim, e moro no Rio de Janeiro também; no bairro do Flamengo, na beirada da Zona Sul, que os “coxinhas” de Ipanema e do Leblon intitulam “Zona Norte da Zona Sul”.
Digo tudo isso não para justificar, não como salvo conduto, mas para dizer que poderia fazer muito mais por você, Perifa, e não tenho feito. E para dizer, que os locais por mim citados ainda se beneficiam um pouco por estarem mais próximos a lugares abastados.
Diferente das “quebradas do mundaréu”, tão citadas pelo eterno Plínio Marcos, que diz: “Falo de onde o vento encosta o lixo e as pragas botam os ovos. Da gente que sempre pega o pior, que come da banda podre, (…) Do povão que, apesar de tudo, é generoso, apaixonado, alegre, esperançoso e crente na melhor existência, na paz de Oxalá”.
Falo para você, “quebrada do mundaréu”, para reconhecer que o Jorge Américo e o Douglas Belchior têm total razão ao dizerem que você, tão cordial e acolhedora, recebe políticos de todas as cores de braços abertos, com cafezinho coado, com refresco de pacotinho e água fria em sua casa. Faz tudo isso, mesmo sabendo que esse visitante fortuito só pensa naquilo: no seu voto. Ele, que engole o que você, tão generosamente dá ele, fazendo caretas. Depois, ele some. Faz o que quer da vida, sem lhe dar a mínima.
Mas me permita lhe pedir uma coisa: não faça mais isso, Perifa. Dê uma banana (mera expressão) para esse que só te usa, que faz promessa e não cumpre. O seu asfalto, Perifa, continua sendo o pior, quando existe; o esgoto é a céu aberto, sua escola é a que tem menos estrutura, sua merenda é a que é mais roubada, a mais rala,e sua polícia é a mais armada, a mais violenta, a que te mata sem pedir licença.
Então, Perifa, pergunto: para quê tanta gentileza? Sei, sei, você aprendeu a ser educada, a receber bem as pessoas. Continue assim, mas veja bem para quem você abre a porta. Valorize-se, Periferia. Você que trabalha longe, quando tem trabalho, veja como é o lugar onde você deixa seu suor. Muito diferente do lugar daqueles que são considerados gente fina, não é?
Você também merece o melhor. Não ouça o papo furado de que quem paga imposto são só eles. Não é verdade. Aliás, você paga mais imposto do que eles. Sabia? Porque, quando podem, esses “gente fina” sonegam.
Voltando às eleições. Lembra quando você, em peso, votou na Dilma e eles vieram com aquele papinho de que você não sabia votar? Chamaram você de analfabeta, ignorante, nordestina burra, passa-fome. Pois é, eles derrubaram a Dilma e agora vivemos num golpe. Mas, Perifa, não desanime; continue votando em quem faz algo por você, como tem feito em São Paulo o prefeito Fernando Haddad, e và às ruas protestar, pois, como disseram o Jorge Américo e o Douglas Belchior, não é tempo para omissões.
Cobre, no entanto, de todos, o respeito que você merece! E cobre de mim também, que, reconheço, não tenho feito muito, além de protestar atrás de um computador contra as mazelas que lhes são impostas. Não abaixe a cabeça, Perifa, quando ouvir que pobre não tem valor. Levante a cabeça e responda à altura.
Você tem tanto valor que eles vêm te cortejar de quatro em quatro anos. É pouco! Eles que te valorizem todos os dias. Mas para isso, Perifa, deixe claro quem você é. Mostre todo seu orgulho de ser Zona Leste, extremo Sul, Norte e Oeste, morro, favela, subúrbio, vila. Mostre a eles o valor das beiradas.
Até mesmo nós, os de esquerda, ficamos cobrando a sua presença maciça em nossas manifestações, mas pode perguntar e jogar na nossa cara: onde estamos quando seu filho sofre com uma bala perdida – ou achada -, quando falta-lhe o arroz, o pão, o transporte e a educação dignos? Nós, que nos condoemos por você, Perifa,e nos diferenciamos dos “coxinhas” por isso, também lhe devemos.
É isso que eu tinha para lhe dizer. E, como não sou candidato a nada, não esperarei quatro anos para visitá-la e conviver mais amiúde com você, que está em minhas origens. Até mais, Perifa!