Estudo revela os desafios dos movimentos LGBTQIAPN+ pelo Brasil

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Organizações lançam o Projeto Pajubá, um diagnóstico inédito do ativismo da comunidade LGBT+ nas cinco regiões do país

Por Júlia Motta, compartilhado de Fórum




Estudo revela os desafios dos movimentos LGBTQIAPN+ pelo Brasil.Créditos: Fernando Frazão/Agência Brasil

Escrito en LGBTQIAP+ el 28/5/2024 · 21:59 hs

Organizações não-governamentais LGBTQIAPN+ lançam, nesta quarta-feira (29), o “Projeto Pajubá: Transformando a Gramática Política”, uma pesquisa que mapeia o atual cenário do ativismo da comunidade nas cinco regiões do Brasil. Com entrevistas feitas com lideranças selecionadas de agrupamentos de todas as regiões, o estudo busca contribuir para a elaboração de políticas públicas especificamente direcionadas à necessidade de cada região do país. 

No total, 88 entrevistas foram feitas com pessoas LGBTQIAPN+, que relataram os principais desafios enfrentados pelas ONGs, projetos e movimentos em sua região de atuação. Além disso, também citaram caminhos possíveis para combater esses problemas e a violência contra a comunidade. 

O relatório foi elaborado pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), e teve coordenação de Renan Quinalha, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Abaixo, confira alguns dos resultados da pesquisa de acordo com cada região.

Região Norte

A Região Norte se destaca pelos alarmantes dados relativos à detecção de Aids nos estados, que servem como um importante indicador da realidade enfrentada pelas pessoas LGBTQIAPN+ nortistas. A região abrange quatro dos cinco estados com as maiores taxas de detecção da doença, conforme o ranking de casos por 100 mil habitantes. Liderando a lista, estão os estados de Roraima, com uma taxa de 34,5, seguido pelo Amazonas (32,3), Pará (26,3) e Amapá (25,0). 

“Esses números são preocupantes e refletem desafios significativos enfrentados pela população, especialmente considerando que os índices de escolaridade e acesso à educação na região geralmente ficam abaixo da média nacional“, ressalta um trecho da pesquisa.

Em relação à violência contra a comunidade LGBTQIAPN+, os estados de Manaus Belém, importantes centros urbanos da região, estão entre os dez municípios com os maiores registros de mortes violentas

“De manhã, é rezar para voltar viva. E quando a gente vai chegar em casa? Respirar, Agradecer a Deus, porque foi mais um dia”, relata uma das entrevistadas, uma mulher negra e trans que representa a ONG GRETTA no Pará. 

“Esses dados revelam não apenas questões de saúde pública, mas também desafios sociais e de segurança que demandam uma abordagem integrada por parte das políticas públicas, especialmente adaptadas às especificidades da região”, ressalta outro trecho da pesquisa.

O relatório ressalta que os movimentos LGBTQIAPN+ do Norte passaram por um intenso processo de apagamento. Historicamente, a trajetória do movimento esteve predominantemente associada à criação do grupo Somos, estabelecido na região Sudeste do país. No entanto, é na região Norte que se registra a mais antiga manifestação cultural e associação de pessoas LGBTQIA+ no Brasil, conhecida como “Festa da Chiquita”. Este evento, de caráter estético-político, faz parte do circuito de festividades em torno do Círio de Nazaré, realizado em Belém, no Estado do Pará. Inicialmente concebida entre 1975 e 1976 como um bloco de carnaval, as “Filhas de Chiquita” se transformaram ao longo dos anos em uma expressiva alegoria de manifestações culturais e artísticas LGBTQIA+

Desafios 

falta de financiamento foi o principal desafio citado por todas as onze organizações entrevistadas. As ONGs afirmam que a falta de um espaço físico dificulta a promoção de articulações, reuniões, planejamento, capacitação e eventos para a população LGBTQIAPN+ do Norte. Mas para além disso, o espaço serviria também como um local de acolhimento para pessoas LGBTQIAPN+ que são expulsas de suas casas devido à discriminação familiar.

Outras demandas citadas foram a falta oportunidades no mercado de trabalho, orientação e capacitação para gestão de organizações coletivas, construção de espaços seguros para sociabilidade LGBTQIA+, atendimento ambulatorial para pessoas trans e serviços de apoio psicológico.

O nosso grande sonho no Amapá é ter um dia nossa sede própria, garantindo o atendimento psicossocial e jurídico às pessoas que precisam. O acolhimento dessas pessoas. Nos procuram pra saber se a gente pode acolher, recebê-los, recebê-las. A gente não tem estrutura, a gente não tem como receber essas pessoas. (Homem cis, gay, Amapá). 

questão burocrática também foi outro desafio citado pelas organizações. Alguns entrevistados relataram ter pouca experiência com as diretrizes formais das organizações da sociedade civil, o que dificulta o processo de formalização e administração dessas entidades. Um dos pontos críticos mencionados é a participação em editais e ações estatais.

Região Sul

Diferente da Região Norte, o ativismo LGBTQIAPN+ na região Sul  é ativo e diversificado, refletindo a pluralidade e as lutas por direitos da comunidade. De acordo com o relatório, as ONGs, coletivos e ativistas desempenham um papel fundamental na promoção da igualdade e na conscientização sobre questões relacionadas à diversidade sexual e de gênero. 

A Região possui uma história de ativismo LGBTQIAPN+ significativa, contando com líderes e grupos que lutam há anos por avanços nos direitos da comunidade. Além disso, o relatório ressalta que essas lideranças não contribuem somente para o avanço do ativismo na região, mas também causam um impacto nacional, contribuindo para a conscientização e a promoção da igualdade em todo o país. 

Sua atuação tem sido fundamental para impulsionar debates, influenciar políticas públicas e promover mudanças sociais que visam garantir direitos e dignidade para a comunidade LGBTQIA+ em âmbito nacional. 

Desafios

Porém, apesar de maior incidência que na Região Norte, o ativismo LGBTQIA+ do Sul também enfrenta a falta de recursos financeiros para promoção de atividades e projetos. A dependência de doações e financiamentos muitas vezes instáveis é um fato que dificulta o planejamento de longo prazo e a continuidade das ações. 

Assim, as ONGs dependem de doações individuais, de fundações e financiamento de organizações governamentais, mas que muitas vezes não dão conta de suprir as necessidades do movimento. 

A principal necessidade é o recurso financeiro. Porque a gente tendo isso, a gente consegue avançar. Vou te dizer que durante muito tempo o recurso era do nosso bolso. Dos seus associados, de quem tava ali, vamos fazer um projeto, a gente levanta o dinheiro para aquilo. E aí acaba a gente doando muito tempo da nossa vida pra isso. A gente não 23 amplia nossos projetos, não amplia a nossa incidência, porque não dá pra ficar no voluntariado. (Homem, gay, Santa Catarina).

Além disso, a rotatividade de pessoas dentro das organizações é outro importante obstáculo, pois a constante entrada e saída de membros afeta a coesão, o acúmulo das discussões e a eficácia do trabalho em equipe.

conservadorismo também é outro desafio enfrentado pelos movimentos LGBTQIAPN+ do Sul. Essa realidade tem se refletido em políticas públicas, na cultura local e até mesmo em questões legislativas, criando um ambiente desafiador para o avanço dos direitos e da inclusão da comunidade LGBTQIA+ na região. 

Um dos entrevistados, um homem pansexual de Santa Catarina, destacou que o estado é o que tem a maior concentração proporcionalmente de células neonazistas do Brasil. “Parece que a gente está no núcleo mais de extrema-direita do país, isso acaba sendo um grande empecilho na nossa sociedade”, disse.

Nordeste

O Nordeste se destaca por dois fatores: a presença de importantes organizações já consolidadas, como o Grupo Gay da Bahia e a ONG Gestos de Pernambuco, mas também por ser o estado mais perigoso para pessoas LGBTQIAPN+, segundo diagnóstico do próprio Grupo Gay da Bahia de 2023. A Região concentrou, naquele ano, 43,36% das mortes violentas.

Segundo um recente levantamento feito pelo Grupo de Trabalho de Memória e Verdade LGBTQIA+ do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, cerca 200 entidades foram mapeadas no Nordeste, sendo Bahia e Pernambuco os dois estados com maior presença de organizações LGBTQIA+

“De certo modo, a efervescência da luta coletiva organizada nesses estados pode ter como indicador o contexto violento em que as pessoas LGBTQIA+ estão expostas, o que impele as pessoas a se organizarem, tendo como objetivo comum a luta contra a discriminação e a violência LGBTfóbicas”, destaca o relatório.

Desafios

Entre os desafios enfrentados por movimentos LGBTQIAPN+ da Região Norte, estão a falta de captação de recursos e o engajamento das pessoas nas atividades e projetos de forma voluntária. Aliado a esses desafios, há também a questão territorial: organizações que residem fora das capitais sofrem ainda mais com essa questão do acesso a recursos.

O conservadorismo também se coloca como um desafio para as comunidades, o que influencia o agravamento da violência e impede que as organizações atuem em contextos escolares. 

Sudeste

A Região Sudeste se caracteriza como, historicamente, a região central no contexto de articulações de ONGs LGBTQIA+. O Sudeste abriga diversas organizações de abrangência nacional, incluindo tanto organizações que se originaram localmente e se expandiram, quanto organizações de outras regiões que acabam por centralizar ali suas atividades. 

Um exemplo é o SOMOS: Grupo de Afirmação Homossexual, fundado em 1978 e conhecido como uma das primeiras organizações brasileiras (se não a primeira) nesse recorte. O grande número de organizações LGBTQIAPN+ está atrelado à concentração histórica de universidades na região, de acordo com o relatório.

Desafios

O relatório destaca, de acordo com o relato das lideranças locais entrevistadas, que um grande desafio da Região Sudeste está na questão das desigualdades entre as cidades grandes e capitais e as cidades do interior nos estados da região. Assim, há um fomento muito maior ao ativismo LGBTQIAPN+ no primeiro grupo, enquanto nos municípios menores, não chega recursos nem iniciativas.

Esses contatos estão chegando só na cidade grande e não chega no interior, tá ligado? A visibilidade é sempre para a capital. Tanto que se for qualquer job [bico] que você for fazer, é sempre na capital. (…) Quando rola esse apoio [financeiro], não chega na gente. (transmasculino, branco, personal trainer, fundador de coletivo periférico no interior paulista). 

Para os pesquisadores do relatório, o cenário da Região Sudeste mostra uma dinâmica marcada, de modo bastante evidente, da vitalidade do coronelismo nas relações regionais, imbricados na política institucional e no acesso a recursos. Isso inclui navegar por famílias que detém o poder simbólico e econômico da região desde os princípios da colonização, e de configurações econômicas onde há maior centralidade do agronegócio – o que, vale pontuar, centra o poder regional majoritariamente em uma população branca, cisgênera e (ao menos publicamente) heterossexual

A pesquisa resume que, como um todo, os relatos das organizações do Sudeste apontam para dois movimentos importantes: primeiro, um mito sobre o Sudeste como um lugar de acesso a muitos recursos para todas as siglas do movimento social LGBTQIA+. Quanto ao segundo, as falas apontam que, os homens gays, em geral cisgêneros e brancos, são os que conseguem captar mais recursos por conhecerem os caminhos burocráticos e políticos necessários para alcançar tais recursos, assim como são os que dispõem de conhecimentos suficientes para a devida prestação de contas. “Neste sentido, a estrutura patriarcal e racista da sociedade em geral aparece também reproduzida na estrutura da comunidade LGBTQIA+”, afirmam os pesquisadores.

Centro-Oeste

A Região Centro-Oeste traz um contraste entre Brasília e outros estados do interior. Enquanto a capital possui maior apoio e recurso para realizar ações de ativismo LGBTQIAPN+, até com apoio de políticos, as organizações do interior lutam para manter vivas as pessoas da comunidade, oferecendo serviços básicos e essenciais como cesta básica e um espaço de moradia, mesmo quando não têm recursos para manter a organização.

Desafios 

Um dos principais desafios enfrentados pelas ONGs LGBTQIAPN+ da Região Centro-Oeste é a forte presença de valores conservadores, intimamente relacionados ao agronegócio na lógica de perpetuação de um padrão cultural heteronormativo. O estado de Mato Grosso se destaca dentro desse cenário. 

“No Centro-Oeste, essa violência assume contornos específicos influenciados por fatores sociais, culturais e políticos regionais. Há forte presença de valores morais conservadores. Crimes de ódio, incluindo agressões físicas e assassinatos são reportados com certa frequência, especialmente em áreas menos urbanizadas. A falta de políticas públicas inclusivas e a resistência de setores da sociedade em reconhecer e combater a discriminação contribuem para a perpetuação da violência”, diz um trecho do relatório. 

As ONGs também destacam a violência contra indígenas LGBTQIAPN+, que enfrentam desafios articulados entre as violências ambientais e contra os direitos de suas comunidades. O relatório afirma que a região parece ter uma dificuldade adicional porque as pautas sempre parecem chegar mais tarde em relação ao restante do país. 

Devido a esse cenário, os movimentos LGBTQIAPN+ do Centro-Oeste também enfrentam o desafio da falta de financiamento devido à visibilidade e ao reconhecimento limitados em uma disputa por potenciais financiadores. O relatório afirma que essa é uma realidade ainda pior para organizações menores e aquelas localizadas fora dos grandes centros urbanos.

Não tem recurso pra tudo. Nós do interior sofremos ainda, né? Vivemos a migalhas, né? Então, as ONGs LGBT, elas precisam ter mais visibilidade pra crescer também no interior, atingir aquelas pessoas que realmente precisa. (homem, gay, negro, Goiás). 

Lançamento do relatório

O evento de lançamento do Projeto Pajubá acontece nesta quarta-feira, 29 de maio, no Sesc 24 de Maio, centro de São Paulo. Na ocasião, serão apresentados os resultados da pesquisa inédita, além de outras programações como debates e shows. Confira abaixo:

  • 16:00 – Solenidade de Abertura
  • 16:30 – Apresentação dos Dados, por Renan Quinalha (Unifesp) e equipe de pesquisadoras
  • 18:00 – Debate, com a presença de organizações, movimentos sociais, governo e lideranças políticas. A mesa contará com a participação especial da Exma. Secretária Nacional LGBTQIA+, Symmy Larrat.
  • 19:30 – Show de encerramento com a cantora Majur

Serviço

Lançamento do Projeto Pajubá

Data e horário: 29 de maio, de 16h às 20h30

Local: Sesc 24 de Maio (rua 24 de Maio, 109 – República. São Paulo)

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