Por Juremir Machado da Silva –
Cento e vinte anos depois do grito de Emile Zola, eu acuso o juiz Sérgio Moro de encarniçamento contra Lula em nome de um projeto de brilho pessoal. Eu acuso Moro de querer aparecer e de forçar instituições a partir de uma visão ideológica seletiva. Eu acuso Sérgio Moro de ter sido investigador, acusador e juiz. Eu o acuso de, contrariando o princípio de distanciamento do julgador, ter formado equipe com o Ministério Público e a Polícia Federal, apoiado por parte da mídia, para desequilibrar o jogo político brasileiro. Eu acuso o judiciário, numa das suas diversas ramificações, de parcialidade, subjetivismo e tendenciosidade, tendo, como prova dessa seletividade, deixado até hoje livre, sem ter mais foro privilegiado, por fatos ocorrido há 20 anos, condenado em segunda instância, no conveniente aguardo de demorado julgamento de embargos, o grande tucano Eduardo Azeredo, pai dos mensalões e ex-governador de Minas Gerais. Só no próximo dia 24 de abril, pressionado pelos acontecimentos atuais, acontecerá o julgamento do recurso de Azeredo. Será preso ou esperará em liberdade o exame dos embargos dos embargos que deverá interpor?
Eu acuso o Supremo Tribunal Federal de ter descumprido clamorosamente a Constituição Federal, que prevê no inciso XVII do seu artigo 5º a culpabilidade só depois do trânsito em julgado, como qualquer pessoa alfabetizada pode ler e compreender. Eu acuso o ministro Luís Roberto Barroso, num arroubo de demagogia jurídica, de ter confessado publicamente que descumpriria a Constituição, em função de um duvidoso conceito de mutação, por considerá-la superada no item em questão e incapaz de corresponder às expectativas atuais da sociedade. Eu acuso o judiciário de condenar sem provas, com base em construções claudicantes como a teoria do domínio do fato e a teoria da cegueira deliberada, em nome de um punitivismo messiânico. Eu acuso o messiânico procurador Deltan Dallagnol de confundir ilações com fatos e de comportar-se como um iluminado salvador de consciências.
Eu acuso o Senado de manter Aécio Neves nos seus quadros apesar da fartura de provas contra ele, que, além de tudo, quebrou de todas as formas o decoro. Eu o acuso o STF de dois pesos e duas medidas, tendo afastado Eduardo Cunha do cargo, só depois de ele ter convenientemente conduzido o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e não ter sustentado a mesma posição em relação a Renan Calheiros e Aécio Neves. Eu acuso o STF de permitir a prisão de um homem a partir de provas sobre as quais pairam dúvidas e de manter como senador um homem sobre o qual pesam provas robustas. Eu acuso o STF de ambiguidade, hipocrisia, conveniência e seletividade ideológica. Se podia afastar Eduardo Cunha, sem autorização parlamentar, podia fazer e manter o mesmo quanto a Aécio. Eu acuso a ministra Carmen Lúcia, presidente do STF, de ter se acovardado no caso de Calheiros, soltado Aécio e atropelado a ordem jurídica para apressar a prisão de Lula.
Eu acuso a Câmara dos Deputados de manter na presidência da República, depois de ter derrubado uma presidente eleita pelo voto popular com base num forjado crime de responsabilidade jamais antes caracterizado como tal, um político asfixiado por provas acachapantes de malfeitos sob pretexto de que seria nocivo para o país ter uma nova troca de comando. Eu acuso todas as instâncias de jamais terem querido levar adiante investigações sobre as denúncias de compra da emenda constitucional que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Eu acuso o STF de deixar convenientemente prescrever ações contra Romero Jucá e outros que tais. Eu acuso Michel Temer de ter usado emendas parlamentares para cabalar votos capazes de mantê-lo no poder.
Eu acuso o general Villas-Boas de ter feito uma declaração golpista para intimidar o STF às vésperas do julgamento do HC do ex-presidente Lula. Eu acuso a Rede Globo de ter usado a declaração do general para assustar a população e pressionar os ministros do Supremo. Eu acuso a ministra Rosa Weber de covardia e falsa coerência, tendo votado manifestamente contra a sua confessada convicção por entender que se tratava de caso concreto e não da regra do jogo quando os demais ministros tratavam do princípio geral e não da concretude. Eu acuso a ministra Carmen Lúcia de ter pautado o julgamento de um caso concreto com uma regra sob suspeita e rejeitada publicamente pela maioria do pleno do STF. Eu acuso ministros do STF de julgarem para a torcida e não em conformidade com a clareza do texto legal, pisoteando a Constituição Federal e o artigo 283 do Código de Processo Penal.
Eu acuso o TRF-4 de celeridade ideológica, tendo apressado o julgamento de Lula e a autorização em tempo recorde da sua prisão não por virtude, o que seria louvável, especialmente se a celeridade fosse padronizada, mas por paixão e ideologia. Eu acuso parte da sociedade brasileira de fomentar o ódio ideológico, usando o combate à corrupção como pretexto para a aniquilação do oponente. Eu acuso parte dos que fomentam o ódio ideológico a Lula de odiar principalmente as políticas sociais acertadas dos seus governos. Eu acuso o judiciário de ter apressado os seus ritos para tirar Lula das eleições de 2018 por sentir que ele seria eleito. Eu acuso o STF de legislar vergonhosamente, atropelando um legislativo acovardado e corrompido.
Eu acuso o judiciário de ter prendido Paulo Maluf, aos 87 anos de idade, para simular uma universalidade que não pratica de fato, pavimentando o caminho para a prisão de Lula. Eu acuso quem de direito de ter prendido o tucano Paulo Preto no mesmo dia em que deveria ocorrer o encarceramento de Lula para criar a ilusão de que não há seletividade e de que todos os procedimentos evoluem com o mesmo dinamismo. Eu acuso Moro de ter condenado Lula no caso Triplex sem provar qualquer contrapartida objetiva, direta, não genérica, com meios públicos, ao suposto favor recebido. Não defendo Lula, não sei se ele é inocente ou culpado, acuso os seus acusadores de não terem provado que as suas “provas” são boas provas. Acuso a elite brasileira de tolerar Temer no poder por ele ter oferecido, antes de praticar o seu golpe, a sua artimanha para chegar ao poder sem votos, um programa ultraliberal capaz de anular os avanços sociais da era Lula. Acuso a parte mais radical do elitismo brasileiro de querer conduzir o país de volta à escravidão, a escravidão por outros meios tecnológicos.
Eu acuso Moro de legislar. Acuso o STF de julgar sem princípios gerais, por conveniência, caso a caso, sem respeito à Constituição. Eu acuso o STF de consagrar o lugar comum: a constituição é o que ele diz que é, não o que nela está escrito. Eu acuso especialistas de dissimularem suas preferências ideológicas como discursos de autoridade, vomitando subjetividade com palavrório enganoso. Eu acuso parte do Brasil de promover uma vingança contra o intruso, o “quatro dedos”, o retirante, o “analfabeto”, o “menas”, o operário que governou, em muitos aspectos, melhor que os bacharéis, tendo produzido, apesar da limitação dos seus feitos, das contradições, dos erros e dos delitos no seu entorno, um dos melhores, ou menos piores, períodos para a parte menos aquinhoada deste país de canibais. Eu acuso as instituições do dispositivo policial-judicial de consagrarem um novo ditado: mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um grande tucano ser preso. Logo haverá exceção para confirmar a regra. Eu acuso parte da mídia, sempre tão falsamente sensata, de querer tirar de Lula até o direito de se sentir injustiçado. Eu acuso os paneleiros de seletividade ideológica e indiferença à corrupção.