Em defesa da vida, da verdade, da luz, da ciência, do conhecimento, da solidariedade, da tolerância, da modernidade, da paz e da democracia, outubro marcará um estrondoso “Eu recuso” nacional.
Por Weiller Diniz , compartilhado de Os Divergentes
Emile Zola, além de jornalista, foi um dos mais talentosos escritores franceses da sua geração. Ele capitaneou o movimento contra uma farsa, maquinada nos porões das Forças Armadas francesas e sustentada por mais de uma década. Zola iniciou a demolição da patifaria orquestrada contra o insuspeito capitão Alfred Dreyfus. Em 13 de janeiro de 1898 inaugurava-se no L’Aurore, jornal literário parisiense da época, uma cruzada para reparar a infâmia, coroada com uma tramoia que encarcerou e degredou um inocente por quase 4 anos. Dreyfus foi fraudulentamente condenado em 1894 em um julgamento precário, superficial, de portas fechadas, sem prova alguma, com transgressões forjadas e a ciência do real criminoso. Em uma das mais célebres primeiras páginas do jornalismo mundial, Zola dilacerava os carrascos e linchadores com suas devastadoras sentenças morais e jurídicas resumidas no imortal “Eu acuso”.
A realidade brasileira atual tem similitudes nauseantes com a França de Zola. As práticas são idênticas: o segredo como norma, violentando a regra constitucional da transparência, ilegalidades em série, pendores absolutistas, a mentira como método, arapucas institucionais, transgressões de agentes públicos, militares dissimulados e corrupção grassando nas frestas fétidas do poder. A imprensa esteve no centro das duas crises. Elas envolveram delações, fraudes, manipulações, conluios, armadilhas e mentiras. O Brasil tem a oportunidade de se reconciliar com a humanidade, de voltar a ser um ator relevante e conviver com os conceitos do iluminismo e da civilidade. Em defesa da vida, da verdade, da luz, da ciência, do conhecimento, da solidariedade, da tolerância, da modernidade, da paz e da democracia, outubro marcará um estrondoso “Eu recuso” nacional.
1) Eu recuso a morte
A pulsão de morte acompanha Bolsonaro. Matar é sua meta, o ódio o método. Seu desgoverno fede como as necrópoles. Na pandemia, com mais de 670 mil mortes, desprezou os brasileiros com “e daí?” “Eu não sou coveiro”. O culto a morte, às armas e aos assassinos resume o ideário tumular do capitão. Existem mais de 300 declarações do capitão minimizando a Covid-19, sabotando a ciência ou conspirando contra as medidas não farmacológicas (uso de máscara, isolamento) e até boicote às vacinas. Ao votar contra Dilma Rousseff, o então obscuro deputado Bolsonaro reverenciou o ex-chefe do Doi-Codi, Carlos Alberto Brilhante Ustra, síntese do sadismo assassino da ditadura. Na presidência estendeu o tapete vermelho para outro facínora, major Sebastião Curió, comandante da repressão no Araguaia, que resultou em 41 mortes.
Enalteceu o ditador Alfred Stroessner e Augusto Pinochet: “Pinochet devia ter matado mais gente”, disse o capitão. A psicopatia do extermínio é constante: “Espero que (Dilma Roussef) acabe hoje, infartada ou com câncer”. “Isso é que dá torturar e não matar”, defendeu em junho de 1999. “O grande erro da ditadura foi não matar vagabundos e canalhas como Fernando Henrique”, pontificou em julho de 1997. A campanha de 2018 ficou eternizada pelo gestual da arma e pela vontade de “fuzilar a petralhada”. Sua existência estéril é tracejada pelo extermínio, pelo desejo de ferir, pela índole de eliminar e pela compulsão em matar. O discurso de ódio já mostrou sua face mais cruel, com um bolsonarista executando um líder do PT durante uma festa de aniversário.
2) Eu recuso a Mentira
Reiterar a mentira é um método nazista de desconexão da realidade. O estudo da agência “Aos Fatos”, quantificou a tática de Bolsonaro. Em 2021 aumentou muito a média diária de declarações falsas ou distorcidas do capitão. Foram 6,9 mentiras por dia. A média ultrapassa o acumulado de inverdades ditas por ele desde a posse, de 4,3/dia. Em 2019, 606 declarações foram catalogadas como inverídicas. Uma média diária de 1,6. Em 2020 foram 1.592 alegações desvirtuadas, ou 4,36 rotineiramente. Já em 2021, nada menos do que 2.516 falas continham informações improcedentes. Apenas sobre a pandemia, o capitão deu 1.278 declarações mentirosas no ano passado.
O maior embuste é de que o STF o impediu de trabalhar na pandemia. Convocou até o corpo diplomático para mentir sobre a urna eletrônica. Além da mentira, tem o cinismo que ele pretende levar como ‘verdade’ para a campanha. As declarações falaciosas sobre os imunizantes também ganharam mais espaço no universo paralelo de Bolsonaro: foram 357 afirmações falsas e distorcidas sobre as vacinas. A campeã em repetições falsas (52 vezes) foi a declaração de que o Brasil é o que mais vacinava no mundo. Sobre economia ele quintuplicou em 2021 a quantidade de declarações irreais. A mentira repetida 58 vezes foi a de que o país criou mais empregos formais em 2020 do que em 2019. Repetiu a farsa para todo o planeta na abertura anual da Assembleia da ONU em 2021. É um mentiroso compulsivo. Apesar de reiterados escândalos de malversação, diz que o governo dele não tem corrupção: rachadinhas, barras de ouro e propinas nas vacinas e na Codevasf o desmentem. As mentiras de Bolsonaro não são inofensivas. Elas matam.
3) Eu recuso Militares
Os militares com função gratificada no governo passaram a ganhar além do teto constitucional. Braga Neto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno, os que ecoam as cornetas golpistas, foram alguns dos privilegiados. Com orçamento deficitário eles ainda se beneficiaram de viagras superfaturados e próteses penianas paga pelo contribuinte para levantar a moral da tropa. A ocupação de milicos em cargos de confiança cresceu 193% com Bolsonaro. A farra com leite condensado, picanha, cervejas superfaturadas coroam a impudicícia dos maus militares que integram o governo. Estrela reluzente do caos generalizado é Eduardo Pazuello. Ministro da Saúde no pico da pandemia, foi o responsável pela contratação de R$ 1,6 bi de uma vacina superfaturada, sem testes, nunca entregue. Enquanto desprezava as 170 milhões de doses ofertadas pela Pfizer e Butantan, Bolsonaro pediu em carta a vacina Covaxin. Dois dias antes de Bolsonaro fazer lobby, uma empresa parceira do governo, a Precisa Medicamentos, participava de reuniões na embaixada brasileira em Nova Délhi, afiando as agulhas da corrupção. A empresa pertence a Francisco Maximiano e deu um calote de cerca de R$ 20 milhões no MS quando Ricardo Barros era ministro. Bolsonaro que soube das denúncias pelos irmãos Miranda (um deputado e outro servidor do MS) e cruzou os braços.
O coronel Marcelo Blanco, discutiu a compra de vacinas com um trambiqueiro, recebido inúmeras vezes no Ministério da Saúde. O estelionatário Luiz Paulo Dominguetti, associado a um reverendo e outros malandros, acusou a cúpula do Ministério da Saúde de cobrar propina de 1 dólar por dose na intermediação de 400 milhões de imunizantes da AstraZeneca. Militares também traficaram cocaína no avião presidencial sob o olhar sempre atento do General Heleno e não puniram Pazuello por uma transgressão militar. Um destemido general disse que tomou a vacina contra a Covid-19 “escondido”. O que não escondem é o vergonhoso nepotismo. A Casa Civil, quando tocada pelo general Braga Neto, autorizou a nomeação da filha dele para uma gerência na Agência Nacional de Saúde. A filha de Pazuello emplacou no governo do Rio. A filha de Eduardo Villas Bôas ganhou um posto na pasta de Damares. O filho do vice Mourão teve 2 promoções no Banco do Brasil. Parte das Forças Armadas endossam o discurso golpista contra o TSE. A desonra os acompanhará pelo resto de suas vidas e pelas gerações futuras.
4) Eu recuso a Mamata
Um dos principais apelos da campanha de Bolsonaro foi a imagem de homem do povo. O embuste da simplicidade foi amparado pelo marketing “acabou a mamata” para vender uma ilusão. Recentemente tentou repetir a farsa posando todo imundo e comendo em um quiosque. A farsa levou o capitão ao camarote da mordomia do Planalto. Além de não trabalhar, enforcar dias úteis, dissipa o dinheiro público e gasta desbragadamente com todas as anomalias que fingiu combater. As férias nababescas em Santa Catarina e Guarujá, entre os dias 18 de dezembro de 2020 e 5 de janeiro de 2021, desbarataram os cofres públicos em exatos R$2,4 mi. Uma queima diária de mais de R$ 140 mil. Nas férias de 2022 foram torrados pelo menos R$ 900 mil dos cofres públicos com as despesas do presidente e de sua comitiva enquanto fortes chuvas atingiam a Bahia e Minas Gerais, deixando vários mortos diante da indiferença desumana de quem tinha o dever legal de agir. No cartão corporativo torrou R$ 21 milhões com farras e viagens em 3 anos. São R$ 7 milhões por ano.
O filho Flávio Bolsonaro comprou uma mansão com rachaduras do alicerce ao teto. O valor do imóvel – R$ 5,97 milhões – é mais que o triplo dos bens declarados pelo senador em 2018. Ao TSE, o patrimônio informado foi de R$ 1,7 milhão: um apartamento, uma sala comercial, 50% da franquia da fantástica fábrica de chocolates, um automóvel e investimentos. A escritura atesta a quitação de R$ 2,8 milhões de entrada e o financiamento bancário de outros R$ 3,1 mi. Houve um incremento de R$ 1,1 milhão no patrimônio em 2 anos. As 3 transferências bancárias para pagar a entrada somam apenas R$ 1,09 milhão dos R$ 2,8 milhões assinalados na escritura como quitados. Todos os irmãos apresentam o mesmo sucesso no banco imobiliário. Os imóveis e opulência dos imóveis do clã desmentem a modéstia e, historicamente, foi bancada pelo dinheiro público. A única máscara que Bolsonaro usava, da falsa simplicidade, caiu há tempos. A família enriquece enquanto o Brasil empobrece.
Bolsonaro não desbarata o dinheiro público sozinho. Privatizou o orçamento público com alguns congressistas a fim de blindar os pedidos de impeachment. O orçamento secreto é um esquema subterrâneo para subornar parlamentares leais, que puderam definir onde seriam aplicados os recursos sem fiscalização. Os alicerces da transparência, impessoalidade e economicidade foram implodidos. Um ex-líder de Bolsonaro no Senado Federal, Francisco Rodrigues, foi flagrado ocultando perto de R$ 30 mil em dinheiro na cueca. Bolsonaro também se filiou ao PL de Valdemar da Costa Neto, um dos presidiários do mensalão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É uma velha cortesã que, apesar da prisão e do enxovalho público, segue na mamata pública ao lado de fantasmas, como a Wal do Açaí. O ex-presidente da CEF, Pedro Guimarães, enxotado como um tarado público, acumulava 21 conselhos no governo somando R$ 230 mil de salário.
5) Eu recuso a Milícia
A promiscuidade com a milícia é longeva. Flávio Bolsonaro na Alerj em 2007 fez a defesa dos bandoleiros: “A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos”. O pai respaldou: “Elas oferecem segurança e, desta forma, conseguem manter a ordem e a disciplina nas comunidades. É o que se chama de milícia. O governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no futuro, deveria legalizá-las”. O pendor nazista por mecanismos paraestatais fundou até uma milícia digital, já rastreada pelo STF. Flávio Bolsonaro contratou o PM das ‘rachadinhas’, Fabricio Queiroz. Queiroz era camarada de Adriano da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime. Adriano foi condenado por homicídio e o capitão o inocentou no plenário da Câmara. A medalha de Tiradentes a Adriano, outorgada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, foi entregue na cadeia. Tempos depois, o arquivo Adriano foi metralhado. Flávio Bolsonaro empregou a então esposa de Adriano, Danielle Mendonça da Costa, e a mãe, Raimunda Veras Magalhães. Os suspeitos pela morte da vereadora Marielle Franco são vizinhos no condomínio, onde o investigado, por ordem de Sérgio Moro, foi o porteiro. Daniel Silveira, que quebrou a placa com nome de Marielle, foi indultado por Bolsonaro, depois de uma sentença de mais de 8 anos de cadeia.
O presidiário Roberto Jefferson, além de ladravaz, também aplaude a milícia. “Está precisando montar umas milícias em Juiz de Fora e dar um pau na Guarda Municipal, um pau, pau para quebrar, virar os carros, meter fogo e dar um pau neles”, bravateou. Na cadeia, Roberto Jefferson se igualou ao deputado federal Daniel Silveira, preso duas vezes no ano passado e indultado por Bolsonaro após ser condenado pelo STF a mais de 8 anos. Os parentes de Michelle Bolsonaro também são familiarizados com a bandidagem. A avó, falecida, foi encarcerada por tráfico. A mãe respondeu por falsificação de documentos e o tio João Batista Firmo Ferreira, envolvido num esquema de grilagem de terras, pegou 10 anos de prisão por integrar uma milícia que vendia lotes ilegais em Brasília. Michele Bolsonaro recebeu em sua conta R$ 89 mil depositados por Fabrício Queiroz, preso em 2020. Indagado sobre a grana, o capitão ficou transtornado e ameaçou agredir um jornalista: “Minha vontade é encher tua boca na porrada. Seu safado”. Mas a pergunta simples, continua sem resposta.
6) Eu recuso a miséria
A economia implodiu na gestão Bolsonaro. Anunciado como uma grande astro, Paulo Guedes é um narcisista cego de um espelho imaginário: crescimento em V, PIB privado, qualidade na recessão, semana que vem … são alguns de seus delírios. O teto de gastos foi explodido em nome de uma composição política e a economia desabou na recessão. É a gastança eleitoreira e populista. O resultado é o aumento das contas públicas, maior elevação dos juros, explosão inflacionária, desvalorização do real e o aprofundamento do fosso recessivo. De outro lado é a perda da credibilidade, a desconfiança e a imprevisibilidade. A credibilidade de Guedes também desceu ao ralo depois da descoberta de uma offshore com US$ 9,5 milhões nas Ilhas Virgens, onde não paga impostos. Depois de 3 anos de ilusionismo, o saldo da economia é trágico. A inflação (a maior em 26 anos e quarta no mundo) voltou, a fome ressurgiu, os investidores evaporaram, fábricas fecharam, a dívida pública cresceu, o desemprego sacrifica milhões de pais e mães de família, a renda do brasileiro evaporou, o real foi uma das moedas que mais se desvalorizou no planeta e o Brasil levou um tombo vertiginoso no ranking das economias mundiais. A miséria e a fome explodiram no Brasil. Estão empilhadas em cada esquina, cada quarteirão, cada semáforo. O plano real foi esquartejado por Paulo Guedes.
7) Eu recuso o Nazismo
O que Bolsonaro pensa, diz e faz tem correspondências despudoradas com o 3 Reich: deslegitimar as instituições, sabotar a democracia, hostilizar a imprensa, culpar a esquerda pelos fracassos, incensar a mitomania, mentir como método, gastar na propaganda de falsidades, pregar o belicismo, a militarização dos cargos civis, estimular a montagem de polícias políticas, de espionagens paraestatais e a disseminação do ódio contra todas as minorias, adversários, pensadores, escritores e a academia. O capitão endossou a selvageria extremista na invasão do Capitólio nos EUA, comandadas por bárbaros ultradireitistas. Em seus porões o governo abrigou e ainda homizia eugenistas e supremacistas brancos, além de ter estendido o tapete vermelho para a herdeira do nazismo, a deputada alemã Beatrix Von Storch. A Polícia Rodoviária de Bolsonaro também mata em câmaras de gás improvisadas em camburões. A prática foi elogiada por ele e a vítima chamada de bandido.
A Secretaria de Comunicação da Presidência, então chefiada por Fábio Wajngarten, produziu uma peça publicitária contra o isolamento em maio de 2020, em plena ascensão da pandemia. Ela foi compartilhada pelo capitão e pregava: “O trabalho, a união e a verdade nos libertará”. Há dois erros grosseiros. O de concordância e a inconcebível correspondência fúnebre à inscrição nazista na entrada do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia: “Arbeit macht frei” (o trabalho liberta). O escorregão linguístico foi corrigido. As semelhanças da peça com nazismo são eternas como as câmaras de gás. O ex-chefe da diplomacia suicida, ignorante, isolacionista e servil aos EUA, Ernesto Araújo, também foi pressionado a se retratar por comparar erroneamente o isolamento social exigido pela pandemia aos campos de concentração. O assessor Felipe Martins também foi flagrado fazendo gestos supremacistas no Senado.
Em janeiro de 2020, ao som do compositor favorito de Adolf Hitler, Richard Wagner, o então secretário de Cultura de Bolsonaro, Roberto Alvim, plagiou trechos de um pronunciamento do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”, tropeçou Alvim em vídeo. Goebbels disse: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferrenhamente romântica, será desprovida de sentimentalismo e objetiva, será nacional com um grande pathos e será ao mesmo tempo imperativa e vinculante – ou não será nada”. A fala de Alvim resgatava a “limpeza” cultural dos carniceiros do amaldiçoado Terceiro Reich.
8) Eu recuso o golpismo
A índole autoritária foi escancarada no dia 19/4/2020, em frente ao quartel general do exército. O capitão, comandante das Forças Armadas, em uma espécie de teste e transe doentio, disse que não negociaria “nada” e repeliu a “velha política”. Se referia ao centrão, agora acomodado no poder e remunerado com orçamentos secretos e boquinhas contra do impeachment.No dia 3/5/2020 o capitão afirmou no Planalto ter as forças armadas ao seu lado. Em 22/5/2020, mesmo dia da reunião em que ameaçou intervir, após cogitada a apreensão do celular de Bolsonaro, Augusto Heleno endossou: “…O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Em outros ensaios golpistas, militares mamando nas tetas públicas emitiram outras notas intimidatórias.
Em 28/5/2020 Bolsonaro trovejou: “Acabou, porra”. Em 27/5/2020, Eduardo Bolsonaro disse que a ruptura era certa. Não era “se”, mas “quando”. Em 17/6/2020 a bravata do capitão atingiu o ápice ao reagir contra a quebra de sigilo de aliados investigados no STF: “Eles estão abusando… está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”. O capitão se referia, claro, ao STF. No mesmo dia, Flávio Bolsonaro, denunciado por crimes de corrupção, não quis “radicalizar”. No dia seguinte Fabrício Queiroz foi capturado e silenciou o toque dos corneteiros da quartelada. Mas a conspiração nunca foi abandonada. O novo mote da ruptura pré-datada foi a farsa do voto impresso. Outro golpe frustrado e que vem sendo sustentado para levantar suspeitas infundadas sobre o processo eletrônico, que já conferiu 76 de mandatos a toda família Bolsonaro. A tentativa real de quartelada aconteceu em setembro de 2021. O exíguo apoio popular arquivou o golpe, mas não o enterrou. Diante de uma derrota anunciada, uma mente doentia se insurge contra o TSE e a urna eletrônica com novas bravatas de quarteladas.
9) Eu recuso a corrupção
A gestão recende a corrupção. Os casos se multiplicam com uma frequência absurda diante de um cinismo escarnecedor. Bolsonaro mente que há não há denúncias de malversação. Talvez imagine um reino povoado por idiotas. Os casos vão se amontoando como um aterro fétido empilhando nomes e surrupios inusitados. Os mais recentes estão vinculados a excrescência chamada de orçamento secreto. São compras de ônibus escolares superfaturados, tráfico influência dentro do Ministério da Educação em troca de barras de ouro, kits de robótica superfaturados e, mais recentes, os caminhões de lixo com sobrepreços assombrosos. O ex-ministro Milton Ribeiro foi preso por corrupção em um país onde, diz Bolsonaro, a corrupção inexiste. A lama escorre fétida do MEC.
A oração demoníaca de pastores intermediava favores no Ministério da Educação, num esquema de fazer inveja aos Bórgia. Os evangélicos abençoados com acesso privilegiado a diocese satânica eram Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura Correia. Flagrado em uma pregação pecaminosa, o ex-apóstolo da Educação, Milton Ribeiro, apareceu doutrinando heresias éticas, onde o governo federal prioriza as prefeituras fidelizadas a dois pastores que atuavam como uma ordem religiosa secreta para obtenção de propinas. Segundo a confissão do ex-ministro, era uma epístola do próprio Bolsonaro. “Foi um pedido especial que o Presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar”, disse o ministro em um púlpito, que pensava secreto. Preso no final de junho de 2022, Ribeiro confessou o pecado com os lobistas da pastoral da má-fé, mas remiu Jair Bolsonaro. Como nos tempos do governador romano, Pôncio Pilatos, Barrabás foi poupado. Bolsonaro já responde a vários inquéritos e outros serão abertos. Por ora vai se esquivando pela cadeira que ocupa, mas não é eterna.
Antes, o ex-ministro do Turismo, que ninguém se recorda o nome, foi denunciado pelo laranjal do PSL. Outro ex-ministro, exterminador do meio ambiente, foi devolvido à sua insignificância, mas igualmente emporcalhado em corrupção. Muitos malfeitos estão vindo à tona. A CPI do Senado levantou a corrupção grossa na compra de vacinas. A Covaxin teve sobrepreço de 50% e a AstraZeneca propina de U$ 1 por dose. O partido que elegeu Bolsonaro, PSL que já mudou de nome para disfarçar, é investigado em vários estados. Onyx Lorenzoni pagou para escapar do crime confesso de caixa 2. O vice-líder do governo, Senador Francisco Rodrigues também foi alvo de uma busca e apreensão vexatória, que encontrou dinheiro nas nádegas dele.
10) Eu recuso o Secretismo
O capitão da caserna e seus ogros da caverna são devotos da escuridão, das trevas e do furtivo. Têm aversão à luz, ao conhecimento e às conquistas iluministas. Vadiam no degrau mais abjeto da indigência humana, no crepúsculo da civilidade. Fiel a cegueira dos incapazes, de esconder as mazelas da própria corriola e apontar o dedo contra os adversários, Bolsonaro só não oculta o tacape. Brande a borduna para revogar – com atos ilegais – os mandamentos constitucionais. Quando as labaredas se aproximam e iluminam os ilícitos dele e da família, a saída é golpear a transparência e decretar a opacidade. São inúmeros os expedientes para selar uma enorme caixa-preta no Brasil e esconder os vestígios delinquentes dos seus parentes e aliados.
Empossado, estendeu véu da escuridão, nublando as regras da Lei de Acesso à Informação (LAI). Um ato cinzento ofuscou banalizou o número de pessoas com poder para chancelar o sigilo de dados públicos. O decreto 9.690/2019 aumentou o número de pessoas que atribuem confidencialidade aos dados antes acessados pela LAI, embaçando a transparência. A classificação, de reservado a ultrassecreto, virou uma farra e pode ser feita por servidores com cargos comissionados DAS-6. Antes, a prerrogativa era do presidente, do vice-presidente, dos ministros e dos comandantes das Forças Armadas. No auge da pandemia ensaiaram eclipsar a Lei de Acesso à Informação. O STF cancelou em março de 2020 o trecho da MP 928/20 que suspendia os prazos para resposta dos pedidos da LAI. O plenário do STF referendou a decisão na mesma semana, no dia 30 de março. Frustrado, o governo passou a adotar a ocultação como norma. Assim que Eduardo Pazuello assumiu a Saúde, abortou as entrevistas diárias e deixou de divulgar o balanço diário de infectados e mortes. O Ministério da Saúde passou a esconder os dados oficiais. O boicote estatal à transparência foi substituído por um consórcio de veículos de imprensa que passou a divulgar os dados sobre a Covid-19. Ainda assim eles eram procrastinados a fim de evitar a audiência do maior telejornal do país.
O Ministério da Saúde colocou sob segredo os expedientes que tratam da aquisição de vacinas da Covaxin, investigada pela CPI por mais de 20 irregularidades, entre elas corrupção, superfaturamento, pagamentos antecipados e falsificação de documentos. O contrato assinado entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa Medicamentos na intermediação de um negócio de R$ 1,6 bi em vacinas da Índia é um pântano escuro e malcheiroso. Carlos Bolsonaro também foi iluminado participando de uma reunião dentro do Palácio do Planalto negociando vacinas da Pfizer. Ninguém explica a participação do vereador, sem cargo ou função no governo, na negociação dos imunizantes. Depois do escândalo, revelado no depoimento do CEO da Pfizer, Carlos Murillo, o governo recorreu à velha tática de eclipsar. Impôs um sigilo secular sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome de Carlos e Eduardo Bolsonaro.
Foi imposto um século de sigilo, pelo Exército, ao caso do general Eduardo Pazzuello, que participou ilegalmente de atividades políticas. Pazzuello não é um problema isolado. Ao contrário, exibe o expediente medular das máfias, a Omertá, o código do silêncio. Os trogloditas das catacumbas também classificaram como reservados ou secretos os telegramas diplomáticos trocados entre Brasília e Israel sobre a vexatória viagem para conhecer o spray nasal contra a Covid-19. As informações sobre a viagem do ex-chanceler Ernesto Araújo ao país do Oriente Médio, em março de 2021, serão conhecidas apenas em 2036. São 15 anos de escuridão. Em janeiro de 2021, o governo negou o pedido de acesso à carteira de vacinação do capitão Bolsonaro feito por meio da Lei de Acesso à Informação.
Os malfeitores rodeiam Bolsonaro, os infames o exaltam, os degenerados o louvam, os vis o bajulam, os delinquentes o circundam, os salteadores o protegem, os assassinos o seguem, os fascistas o servem e os golpistas o celebram. Toda horda de facínoras encontra acolhida no valhacouto bolsonarista. Essa súcia será devolvida à sua insignificância após a eleição de outubro. A maioria do Brasil que os rejeita se encarregará dizer um sim à vida, à democracia, à solidariedade e fará ecoar um retumbante “Eu recuso” a morte, a mentira, os maus militares, a mamata, a milícia, a miséria, o nazismo, o golpismo, a corrupção, o secretismo e todos os frutos apodrecidos que germinaram nos galhos dessa árvore envenenada.
— Weiller Diniz é Jornalista