Por Gabriela Cunha Ferraz, advogada e ativista, Justificando –
É impressionante como as pessoas têm medo do desconhecido. Basta uma palavra desconhecida ou interpretada como sendo “feia”, “suja” e pronto: já formamos um milhão de opiniões precipitadas e as publicamos para demonstrar indignação.
Estou me referindo a gravação de um grampo que registrou a conversa do Ministro (?) Lula com o Ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Paulo Vannucchi, vazado para a imprensa de forma completamente ilegal, na semana passada. Durante a ligação, o Lula está criticando as ações do procurador Douglas Kirchner, envolvido na investigação da operação Laja a Jato e conhecido por ser agressor de mulheres. Nesse contexto, o Lula fala: “(…) Vocês ficam procurando o que fazer… faz um movimento das mulheres contra esse filho da puta. Ele batia na mulher, levava a mulher no culto religioso, deixava ela sem comer, dava chibatada nela, sabe? Cadê as mulher de grelo duro lá do nosso partido?”
Ainda na semana passada, dois dias antes do vazamento das ligações telefônicas, o Conselho Superior do Ministério Público Federal decidiu não exonerar o procurador da República Douglas Kirchner (mencionado por Lula) por entender que ele estava, apenas, exercendo seu direito à liberdade religiosa. Ele estava sendo acusado de torturar física e psicologicamente a própria mulher. Existem provas e testemunhos que esse promotor mantinha sua esposa em cárcere privado, onde ministrava surras de cipó, supostamente motivadas por determinação dos mandamentos da sua religião.
O CSMP, diante dessa grave violação, afirmou, porém, que o promotor estaria exercendo seu direito de liberdade religiosa e, com isso, deixou claro que pastores e fiéis evangélicos estão legalmente autorizados a cometer graves crimes contra mulheres, desrespeitando todo o arcabouço jurídico de proteção criado há 10 anos no Brasil e criando um perigoso precedente. Porém, diante dos eventos das últimas semanas, esse foi apenas mais um episódio onde importantes leis foram ignoradas e descartadas nesse país.
Dito isso, voltemos ao áudio. Diante das ações do promotor – agressor confesso de mulheres, Lula fala que as mulheres deveriam se mobilizar e pedir a justa punição das suas ações. E, para isso, ele pergunta onde estão as mulheres de grelo duro do seu partido. Todos sabem que o Ministro Lula é um excelente orador, internacionalmente reconhecido por falar a língua das ruas, por ser popular e se aproximar do povo. Pois então, esse é mais um desses episódios. No Nordeste – minha região de pertencimento, todo mundo sabe o que significa a palavra grelo, mas, percebi que no resto do país esse nome não deve ser muito conhecido. Pois bem, grelo, na linguagem científica, significa clitóris e fica logo ali no meio dos pequenos lábios da vagina.
Minutos depois do áudio ter sido ilegalmente divulgado, foi publicada uma série de manifestações contrárias, afirmando que o Ministro Lula estaria ofendendo as feministas. Cheguei a receber um “abaixo assinado” de uma aluna que me perguntava se iríamos deixar barato essa situação. A partir daí, decidi fazer uma reflexão já que nem a palavra feminista aparecia na fala do Ministro. Passei a tentar entender por que eu não estava me sentindo ofendida com aquela expressão que, para mim, já era conhecida apesar de quase nunca ser usada.
Percebi que quando nos referimos a homens importantes ou homens que, em alguma medida, tomam decisões e definem o rumo da história, costumamos usar, com frequência, expressões fálicas como, por exemplo: “Esse cara é pica grossa” ou “Ele é o pica das galáxias”, ou ainda, o famoso “pauzudo”. A verdade é que, muitas vezes, usamos essas mesmas expressões para falar de mulheres bem resolvidas, já que não existia uma expressão equivalente para o universo feminino.
O fato de não existir uma expressão equivalente para mulheres já mostra que esse espaço de tomada de decisão e de luta nunca nos foi reservado. Também indica que se uma mulher assume esse papel, ela passa a ser reconhecida enquanto homem, sendo, portanto, classificada como “pauzuda”.
Ora! Sendo assim, minha conclusão pessoal é que o Lula acaba de cunhar uma expressão extremamente feminista e de empoderamento para as mulheres da luta, mulheres políticas e mulheres que costumávamos dizer que “botavam o pau na mesa”. Agora, podemos dizer que somos mulheres de grelo duro porque assumimos um espaço público de luta e estamos decididas a erradicar qualquer tipo de violência. Machistas e agressores não passarão!
Sim, nesse contexto, eu sou uma mulher de grelo duro e não sossegarei enquanto não erradicarmos a violência que nos oprime. Haverá luta enquanto indivíduos como o procurador da república Douglas Kirchner não forem devidamente punidos e exonerados dos cargos públicos que misteriosamente ainda ocupam. Não somos tolerantes com essas práticas e afirmamos que a luta pública é (e sempre será) nosso espaço de pertencimento.
Gabriela Cunha Ferraz é advogada, mestre em Direitos Humanos e Coordenadora do Comitê Latino Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil Foto: Cristóbal Escanilla