Com as “digitais das mudanças climáticas”, onda de calor se espalhou pelo continente com temperaturas passando de 43º₢ na Espanha e na França
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Francesa leva cachorro para aproveitar água da fonte em dia de calor de 40 graus no sul do país: na França, mais de 200 cidades registraram, neste junho de 2022, recordes de calor para o mês (Foto: Marcelo Carnaval)
O verão no Hemisfério Norte só começou na terça-feira, 21/06, mas a Europa enfrentou uma onda de calor precoce e intensa antes mesmo da estação mais quente do ano, com temperaturas recordes para o período, mais típicas das testemunhadas em julho ou agosto. Meteorologistas alertam que o verão 2022 pode repetir o do ano passado, que foi o mais quente da história e provocou, além da onde de calor, recordes de chuvas na Europa, provocando dezenas de mortes.
Nas últimas semanas da primavera europeia, as temperaturas alcançaram mais de 10°C acima da média para esta época do ano em partes da Espanha e da França, quebrando recordes mensais. O calor extremo foi classificado pelos meteorologistas de “inquietante” e “sem precedentes”: eles apontam claro sinal de alerta da crescente influência do aquecimento global no clima do dia-a-dia. “Como resultado das mudanças climáticas, as ondas de calor estão começando mais cedo, estão se tornando mais frequentes e mais severas por causa das concentrações de gases de efeito estufa no atmosfera que estão em nível recorde”, afirmou Claire Nullis, porta-voz da Organização Meteorológica Mundial. “O que estamos testemunhando hoje é lamentável antecipação do futuro”, acrescentou.
No seu mais recente relatório, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas projeta que, para 1,5°C de aquecimento global, haverá ondas de calor crescentes, estações quentes mais longas e estações frias mais curtas. Com 2°C de aquecimento global, os extremos de calor atingiriam com mais frequência limites críticos de tolerância para a agricultura e a saúde. Ainda não chegamos lá, mas as ondas de calor estão começando mais cedo e estão se tornando mais frequentes e mais severas devido às concentrações recordes de gases de efeito estufa que retêm o calor.
A onda deste final de primavera foi alimentado por um atípico – para o período – sistema atlântico de baixa pressão entre as ilhas dos Açores e a Madeira, que favoreceu a subida do ar quente para a Europa Ocidental a partir de abril. A onda de calor foi combinada com uma seca intensa em partes do continente.
Na Espanha, serviço nacional de meteorologia e hidrologia (AEMET) constatou que as temperaturas no interior do país superaram os 40°C em dias consecutivos na semana anterior à chegada do verão, alcançando a 43°C na província de Toledo, no centro do país, nos dias 15 e 16 de junho. Quase todo o país enfrentou um risco extremo de incêndio. O AEMET também alertou para o agravamento das ameaças à saúde e do estresse ambiental com nuvens de poeira do Saara, que chegaram à Espanha, onde a primavera foi também particularmente seca.
Depois de enfrentar o maio mais quente no país em pelo menos 100 anos, a Espanha registrou recordes de calor em várias cidades para o mês de junho. Na capital, Madri, a temperatura alcançou 40,7º C no dia 13 de junho. As temperaturas atingiram o pico de 41,6º C em Badajoz, no dia 10 e 41,5º C no dia seguinte em Sevilha, na Andaluzia, onde a temperatura média para o mês é de 33 graus. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) também reportou o maio mais quente desde 1931 e a grave situação de seca que está a afetando 97% do território de Portugal.
Na França, mais de 200 cidades registraram, neste junho de 2022, recordes de calor para o mês. O meteorologista Maximiniano Herrera, especialista em clima extremo, identificou ainda quase 20 locais onde foram registradas as mais altas temperaturas da história, superando picos anteriores estabelecidos no verão. No dia 18 de junho, três antes do verão, 203 cidades tiveram suas maiores temperaturas para junho, 18 superaram recordes históricos. A temperatura mais alta foi de 43,4° C em Pissos, no sudoeste francês. No balneário turístico de Biarritz, a temperatura alcançou incríveis 42,9°C em Biarritz, o dia mais quente de todos os tempos, 2,3° C acima do recorde estabelecido em agosto de 2003.
Recordes de temperatura para junho foram quebrados também em outros países: 39.2°C, no último domingo do verão, em Cottbus, Alemanha, o dia mais quente já registrado neste local desde 1888; 39 graus cravados em Husinec, na República Tcheca, agora a mais alta temperatura da história para junho no país; 36,9º C foi a temperatura registrada em Beznau, Suíça, empatando como o dia mais quente de junho do país, que havia registrado a mesma temperatura apenas em Basel em 1947; 38,8º C é o novo recorde de temperatura para a Polônia no mês de junho, registrado dia 19 em Radzyn.
Os primeiros dias do verão deram um refresco para a maioria dos países europeus apesar de a Itália ter registrado temperaturas acima de 43 graus em cidades da ilha da Sardenha, na virada da estação. Os meteorologistas europeus explicaram ainda que a onda de calor ajudou a elevar a temperatura da água no Mediterrâneo para mais de um grau acima da média, privando as áreas costeiras do sul da Europa de alívio de calor e prejudicando a vida marinha. Os primeiros dias de verão também estabeleceram recordes de calor para junho em cidades da Escandinávia.
A Organização Meteorológica Mundial alertou que os recordes de junho podem indicar um verão com temperaturas particularmente extremas em todo o Hemisfério Norte: já há registros de recordes de temperatura para junho no Kazaquistão e no Turcomenistão nestes primeiros dias da estação. “As impressões digitais das mudanças climáticas estão em todos esses recordes de calor que voltamos a assistir agora”, afirmou o meteorologista e climatologista escocês Scott Duncan em seu perfil no Twitter onde acompanha os extremos do clima.