“Europa está humilhada como nunca na história” | Entrevista com Jean-Luc Mélenchon

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Político francês, Mélenchon explica que Europa está “saindo da história”, dominada por racismo e xenofobia, e vê na Quarta Transformação de Claudia Sheinbaum um exemplo a ser seguido; confira

Por Miguel Ángel Velázquez, compartilhado de Diálogos do Sul




Tradução de Beatriz Cannabrava

“Hoje em dia, a Europa inteira, como nunca antes na história, está humilhada…”, afirma Jean-Luc Mélenchon com raiva rebelde, no luto de sua realidade.

“França Insubmissa” é o nome do agrupamento político ao qual pertence o político francês, que visita o México e examina uma visão da história atual que compartilha com o La Jornada: “Este é um momento muito perigoso, e quando digo que a Europa está saindo da história é porque não temos nem um chefe de governo, nem um, em toda a Europa, que tenha a coragem de Claudia Sheinbaum para dizer ao senhor Trump: isto não, nós não vamos fazer isso”.

A entrevista acontece no quarto de um hotel do Centro Histórico da Cidade do México. Mélenchon está contente, encontrou uma pessoa em um comércio nas proximidades do Zócalo (a Praça de Constituição na capital mexicana) lendo seu livro mais recente, “Agora, o povo!”, e recebeu do leitor uma pequena cabeça de jaguar de metal polido como demonstração de amizade.

Miguel Ángel Velázquez — Depois de tudo o que aconteceu com o mundo, o que esquecemos, o que não aprendemos?

Jean-Luc Mélenchon — Sim, estamos repetindo uma história muito triste, não superamos a crise anterior, a da guerra, não a superamos. Não superamos a razão pela qual houve uma guerra.

Agora, o presidente Trump decide por si mesmo o que vai acontecer com a Europa, onde vivemos uma guerra provocada por eles, os gringos, contra a Rússia. Eles, os gringos, pediram aos chefes de Estado da Europa que fossem lutar contra a Rússia na Ucrânia e agora Trump vai discutir com Putin sem que nenhum país europeu intervenha, nem mesmo a Ucrânia. Por isso digo que, de uma forma ou de outra, a Europa está saindo da história.

Os povos da Europa agora estão todos divididos, fragmentados por duas causas. Primeiro, porque o estado de bem-estar que surgiu após a guerra mundial fracassou. Veja, na França há oito milhões de pessoas passando fome. Não comem como se comia antes, ou seja, três vezes ao dia. Temos mais de 10 milhões de pessoas em pobreza econômica e, como todos sabem, quando começa a pobreza econômica, vêm as outras pobrezas.

Somos um povo que perdeu algo que tínhamos de extraordinário: os hospitais públicos, a saúde. Isso já não existe. Hoje em dia, as pessoas morrem nos hospitais esperando que alguém as cure. Dói-me dizer isso, porque é o meu país, mas é a verdade. Todos os nossos povos foram recrutados pelo neoliberalismo.

Mélenchon gesticula, levanta os braços, fecha os punhos e alerta sobre as armadilhas de Trump, cujos discursos buscam desviar a atenção das pessoas, enquanto ele age de formas que às vezes parecem inesperadas.

Estão educando milhões de pessoas na ideia de que o inimigo é o migrante. Trump diz aos estadunidenses que o problema é o migrante e sentencia: “Fora o migrante!”, mas nós sabemos que esse discurso é direcionado principalmente à população dos Estados Unidos, pois hoje há menos empregos do que nunca para os gringos.

Alguns políticos mexicanos me deram números e fiquei sem palavras… deportam-se 400 mexicanos por dia, enquanto antes eram expulsos até 2 mil diariamente. Isso demonstra que se trata de um tema de dominação política, de uma ideologia comum entre os estadunidenses e em toda a Europa: o racismo, a xenofobia. A revelação foi que muitas forças de esquerda foram incapazes de pensar em uma alternativa. Ficaram no século 20, no 19.

O que quero dizer no livro é que a característica do momento é a luta. Vocês, mexicanos, não sabem a sorte que têm de ter um governo como este, porque, em um momento em que o perigo cresce, cresce também a vontade mexicana. Em contrapartida, nós, quanto mais o perigo aumenta, mais diminui a capacidade de luta do povo, e ficamos num “ai, ai, ai! O que vai acontecer? Quem vai conduzir uma saída honrosa?”.

Lutador de sempre, Mélenchon sofreu repressão.

Saquearam minha casa, tentaram me matar duas vezes na França, mas não me assustam. Um alto funcionário – insubmisso – também recebeu ameaças de morte, mas, repito, não me assustam.

Não faz muito tempo, realizou-se uma reunião da ultradireita, que parece estar crescendo e se renovando, mas, além disso, tem a arma mais letal de todas: o dinheiro, a educação e os meios de comunicação. Qual é a sua análise sobre isso?

Sim, há um totalitarismo em ascensão, mas que fique claro: totalitarismo e autoritarismo não são formas de autoridade; é a autoridade que não está funcionando. Eles, a direita e a ultradireita, têm o poder, mas nós temos a confiança do povo, porque não mudamos nosso ponto de vista quando nos atacam — e nos atacaram duramente.

Apesar de tudo isso, a política e as formas de fazê-la não mudam…

Há uma obsolescência total do pensamento. Eles ficaram no século XX. A crise climática, por exemplo, é tratada por eles como um tema abstrato, quando, na realidade, o que ela causa é seca, a perturbação total do ciclo natural, a catástrofe. Isso é obsolescência do pensamento. A essa altura da história, essa forma de capitalismo é um suicídio, não há outro nome, pois levará ao colapso da civilização humana. E quando digo colapso, não é em um sentido romântico. Quando vou a uma conferência e vejo os jovens ali, começo dizendo: “Não estou certo de que haverá um futuro para seus filhos.” Então, por favor, comprometam-se, porque, se vocês não se preocupam com a política, a política se preocupará com vocês.

A única saída é o povo?

As elites são incapazes de pensar o mundo de outra forma que não seja a luta pelo poder. Por isso, chamamos este momento de a era do povo. Hoje temos um povo fortalecido, mais educado, mais conectado do que nunca. Por favor, pare de chorar! É preciso agir. Temos os meios, vamos usá-los e empreender uma luta democrática. Isso é fundamental. Não se trata de iniciar um processo revolucionário. Não tenham medo. Já aprendemos a lição dos fatos aqui na América do Sul. A guerrilha urbana não serve para nada. No fim das contas, Pinochet morreu em sua cama, e meus companheiros morreram nas ruas, sob tortura. É por isso que o modelo da Quarta Transformação nos interessa tanto, porque é um processo democrático, e o que o processo democrático nos permite é fortalecer a consciência política da população.

A presidenta Sheinbaum me explicou que a chave para enfrentar a situação é elevar a consciência política do povo mexicano. Por isso, as coletivas matinais são um momento muito importante nessa construção. A presidenta vem e explica o que está acontecendo, e então os jornais podem escrever o que quiserem, a televisão e o rádio podem dizer o que quiserem, mas as pessoas já estão informadas.

A última vez que vi López Obrador, ele me olhou e disse: “Você está cansado de lutar assim, amigo? Não aguenta mais? Não se preocupe, veja o que diz o povo. O povo é honesto e busca o seu rosto, seus olhos, sua maneira de falar. Se sente que você é honesto e pode confiar no que está fazendo, ele te seguirá.”

Deixe-me voltar a Trump, porque, quando escuto o que ele propõe, parece que estamos prestes a enfrentar uma longa noite. A noite do trumpismo. Até quando será possível resistir? Quanto sofrimento mais?

No fim deste século, os Estados Unidos da América não existirão mais, porque são uma construção baseada em violência permanente. Esse homem (Trump) não é capaz, assim como os próprios Estados Unidos, de reconstruir uma base industrial. São incapazes. Só sabem propor uma economia de guerra. E as pessoas não vão suportar isso. Temos que entender que o mundo está chegando ao seu limite. Esse sujeito fala e fala, mas não é capaz de construir nada.

Digo isso porque sei o que acontece nas ruas dos Estados Unidos. Lá, as pessoas dizem que nunca imaginaram que houvesse tanta pobreza em seu país. Elas precisam se perguntar: por que consomem tantas drogas? É por isso que não me assusto.

O melhor momento é o da luta?

Sim, sim, como dizia o poeta: “os que lutam são os que vivem”. Veja, isso é a história. Muitas vezes os seres humanos foram incapazes de controlar seu futuro, mas somos os mestres de nossas vidas, e superamos os desafios. Por isso, não devemos passar o tempo assustados e chorando.

Por favor, um pouco de otimismo, de amizade. A noite do trumpismo não vai durar.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.

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