Ex-editor de Caros Amigos é o homem branco por trás da “queima” de livros na Fundação Palmares

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Por Renato Rovai, compartilhado da Revista Fórum – 

Entre as obras que estão sendo descartadas por Marco Frenette, que foi por alguns anos editor da revista Caros Amigos, está o clássico Dicionário do Folclore Brasileiro de Câmara Cascudo

Marco Frenette com o deputado federal Hélio Negão na Fundação Palmares

Marco Frenette é o personagem por trás da “queima” de livros da Fundação Palmares. Tanto ele como seu chefe e amigo de infância Sérgio Camargo alegam que os livros não serão queimados. Que serão simplesmente retirados do acervo e doados para quem os desejar. Como se a ação não tivesse o mesmo significado.

Entre os livros que estão na mira de Frenette se encontram obras como Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, porque segundo o relatório o livro está “gramatical e ortograficamente desatualizado e com folhas soltas exibindo um forte cheiro de mofo”.




Frenette também está descartando obras de Machado de Assis, pelo mesmo “problema”. O livro não respeita as normas ortográficas atuais que foram implementadas em 2009. Ou seja, pela lógica de Frenette todo livro antes do novo acordo é lixo. Veja o que ele diz no relatório da Fundação Palmares sobre uma edição de 1938 do livro Papéis Avulsos de Machado de Assis.

“Hoje, quem desejar ler na Palmares, por exemplo, “Papéis Avulsos”, de Machado de Assis, encontrará uma edição de 1938, a qual prestará um desserviço ao estudante brasileiro, pois ele aprenderá a escrever “chronica” em vez de crônica; “Hespanha” em vez de “Espanha”; e “annos” em vez de “anos”.”

Entre outras obras, Frenette também está propondo o descarte de títulos de Foucault, “por conta de seu conteúdo erótico e incentivador de homossexualidade e pedofilia”. E de “Porcos com Asas”, um clássico de Marco Radice, por ser um “livro de pornografia juvenil, com incentivos à masturbação, ao sexo livre e à erotização”.

Quando trabalhou na Caros Amigos, Frenette não era de extrema-direita. Ao contrário, se comportava como humanista e priorizava em suas reportagens e artigos questões da periferia e do combate à violência policial. Neste texto de 1998, na edição número 12 de Caros Amigos ele fala sobre a banda Racionais MC.

“Pela primeira vez na história da música popular brasileira, temos à nossa disposição uma obra musical que realmente retrata, de A a Z, as agruras e sofrimentos que todo jovem pobre de periferia conhece de cor e salteado: a violência policial temperada com o preconceito racial, o som nervoso dos tiroteios noturnos entre traficantes, a banalidade do mal presente nos acertos de conta, a destruição dos jovens pelas drogas, a decadência de meninas que até ontem brincavam com bonecas e hoje são prostitutas mirins, a visão de mães angustiadas imaginando o maldito dia em que correrão para a rua e chorarão em cima de seus filhos tombados à bala.”

Marco Frenette também fazia matérias sobre a violência contra o MST, como no caso do Estado do Paraná, na edição de junho de 1999, na edição número 27 de Caros Amigos. Naquela edição, denunciou a perseguição sistemática ao MST por parte do Estado paranaense que, por sua vez, não agiu de forma tão “eficaz” contra os abusos dos grandes proprietários rurais, que contratam capangas para assassinarem integrantes do movimento sem-terra”.

Do texto de Frenette: “Um soldado me deu uma rasteira e me derrubou, me algemaram com as mãos para trás, depois me mandaram levantar e o mesmo policial deu quatro tiros para cima perto de mim. Depois me levaram junto com os outros, um outro policial me deu dois chutes e bateu com aquele pau na minha cabeça…”, contava E S.R.L, adolescente de dezessete anos.

Além de trabalhar na Caros Amigos por muitos anos, Frenette também colaborou em algumas edições impressas da Revista Fórum e lançou pela editora Publisher Brasil, que edita a revista, dois livros: “Preto e Branco, a importância da cor da pele”, obra que o colocou em evidência no debate sobre a questão racial, e “Os Caiçaras Contam”, uma grande reportagem a partir de entrevistas com antigos moradores de Ubatuba que narram como foram sendo retirados de suas terras por conta da grilagem e da especulação imobiliária.

Atualmente, em 5 de janeiro deste ano, Frenette escrevia em seu twitter: “A vagabundagem faz de tudo para impedir a atuação do governo Bolsonaro, e depois finge lamentar a “inércia” do presidente. Todo antibolsonarista é um animal trabalhando para a criminalidade esquerdista, pouco se importando com o futuro do povo brasileiro.”

Por fim, Frenette era habitué das grandes entrevistas que marcaram época feitas pela Caros Amigos. Uma delas foi com Chico Buarque. Para ir entrevistá-lo, Frenette encarou uma longa viagem de carro de São Paulo até o Rio de Janeiro numa kombi com outros entrevistadores, tamanha era a admiração que lhe tinha. E lhe perguntou:

“Marco Frenette – Li uma história que um dia você pegou um livro raro da biblioteca do seu pai e ficou andando com ele pelos corredores da faculdade…

Chico Buarque -Tomei um esporro do Flávio Motta (professor de História da Arte na FAU, e pintor), porque era o Macunaíma, autografado pelo Mário de Andrade para o meu pai, primeira edição. Eu estava lendo e, aquela coisa, vida de faculdade, você ia para o grêmio, bebia e tal. E o Flávio Motta: “O que você está fazendo com esse livro, rapaz?” E esses livros alguns não estão na Unicamp, ficaram com a família. Tenho O grande sertão, primeira edição autografada, dedicada ao meu pai, tenho Vidas secas, História da música brasileira, do Mário de Andrade, tenho Oswald de Andrade, algumas primeiras edições com autógrafo para o meu pai. Tenho O estrangeiro, do Camus, dedicado à minha mãe, quando ele esteve no Brasil. Esse eu roubei da minha irmã. (risos)”.

PS: Tive uma relação próxima e de amizade com Marco Frenette por alguns bons anos. O ajudei como amigo e editor na produção de “Preto e Branco, a importância da cor da pele” e de “Os Caiçaras Contam”. Frenette foi uma das pessoas mais humanistas e educadas que conheci. É muito triste vê-lo comandando essa ação de perseguição a livros e autores, defendendo a liberação de armas e chamando progressistas de quadrilha, gangue e assassinos. É algo que supunha impossível quando tomávamos cerveja e outras bebidas e falávamos de cultura e política nos bares da Vila Madalena.

 

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