Existem alternativas à PEC do Teto dos Gastos?

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Por Heloísa Mendonça, publicado em El País – 

Proposta divide opiniões. Críticos sugerem reforma tributária e mudança na estratégia de agamento da dívida

Protesto contra a PEC do teto dos gastos em São Paulo, em outubro.
Protesto contra a PEC do teto dos gastos em São Paulo, em outubro. AGÊNCIA BRASIL

O Senado prevê retomar nesta terça-feira a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece um limite para os gastos públicos pelos próximos 20 anos. Aprovada como PEC 241 na Câmara dos Deputados, agora ela tramita para análise do senadores sob a numeração de PEC 55, por uma questão de organização da Casa. A mudança não altera o conteúdo da proposta que hoje é considerada prioritária pelo Governo de Michel Temer para tirar as contas públicas do vermelho e reconquistar a confiança dos investidores no Brasil. A medida provoca muita polêmica – principalmente entre ativistas ligados a movimentos sociais que temem as consequências da restrição de gastos em áreas como saúde e educação -, já levou manifestantes às ruas e continua dividindo opiniões entre os especialistas ouvidos pelo EL PAÍS.

Para uma corrente, a aprovação desse teto que congela as despesas com cifras corrigidas pela inflação é condição prioritária para controlar o avanço da dívida pública brasileira – que já chega a 70% do Produto Interno Bruto (PIB). É também indispensável para ao menos começar a colocar as contas em ordem e dar início a outras reformas, como a da Previdência. Já para outro grupo de analistas, a emenda não será suficiente para resolver o rombo fiscal, pode comprometer investimentos em setores importantes e não deveria ter a duração máxima de duas décadas (dez anos, renováveis por mais dez), como estabelecido no texto.




O economista Nelson Marconi acredita que a aplicação do teto não será suficiente se não forem revistos, primeiramente, o financiamento da Previdência Rural (a que todos os trabalhadores do campo têm acesso, tendo contribuído ou não) e dos servidores, que representam juntos um déficit de mais de 3% do PIB. “O Governo deveria aumentar a contribuição dos servidores públicos na reforma previdenciária que pretende fazer. Hoje essa contribuição é só de 11%, tem que contribuir mais, talvez 14%. Só assim você começa a diminuir um pouco esse déficit”, explica.

Ainda segundo o economista, o período proposto para um teto deveria ser muito inferior e revisado antes dos dez anos que a PEC prevê. “O Governo deveria colocar esse teto até conseguir um resultado positivo de superávit. Dali para frente, a regra das despesas, que nem precisava ser decidida por uma PEC, deveria ser uma evolução de acordo com o crescimento do PIB e não de acordo com a inflação. Se o Governo está crescendo, a capacidade de despesas está acompanhando isso”, explica Marconi. O economista acredita que a proposta atual reduzirá inevitavelmente o tamanho do Estado “ao mínimo do mínimo”, colocando em risco várias conquistas sociais. “Ela é impraticável. Se passar assim, alguém vai ter o ônus de mudar essa PEC e esse alguém será o próximo Governo. O ideal seria primeiro o ajuste e depois a regra. Ou os dois juntos”.

Marconi também sugere que seja incluída ao ajuste fiscal uma alteração na estrutura tributária brasileira começando pelo retorno da taxação de lucros e dividendos. A medida poderia contribuir com uma arrecadação de até 43 bilhões de reais por ano, segundo estudo feito pelos pesquisadores Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea).

A economista Cristina Helena de Mello, professora da PUC-SP, também faz parte do grupo contrário ao formato da PEC e defende ser fundamental para o reequilibro das contas públicas uma mudança na estratégia de pagamento da dívida brasileira. “Hoje, gastamos 30% da receita líquida com juros nominais. E não estamos criando nenhum incentivo para controlar essa despesa”, explica. Ela também é contra a dívida ser paga através da taxa básica de juros, a Selic, que, em tempos de recessão e de alta inflação, geralmente está em um patamar elevado, aumentando ainda mais a dívida pública brasileira. “Deveria ser um juro pré-fixado, precisamos negociar melhor esse pagamento da dívida”.

Ainda segundo a professora, é arriscado colocar um teto de gastos quando não se podem prever alguns gastos que irão crescer de forma automática sem que o Governo possa interferir ou controlar. “É o caso da aposentadoria e do auxílio desemprego. As despesas obviamente vão aumentar e outras áreas terão que ser cortadas. É muito complicado”, ressalta Cristina, que também acha exagerada a duração da PEC.

Ela explica que nenhum país do mundo apostou em um prazo de teto de gastos tão longo e cita um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o tema. O levantamento analisou a aplicação da medida em três países que também enfrentaram dificuldades fiscais e poderia servir de guia para a elaboração de uma PEC mais efetiva, segundo a professora.

De acordo com o estudo, na Finlândia, Holanda e na Suécia a experiência de limitar os gastos foi positiva, mas o limite de gastos foi aplicado em uma perspectiva de médio prazo de no máximo quatro anos. No caso da Suécia e da Finlândia, a crise enfrentada pelos países foi sem precedentes nos tempos modernos e criou uma consciência da importância da estabilidade das finanças públicas. Nos três lugares, no entanto, o teto foi aplicado para manter a estabilidade das contas e não para criá-la. Em nenhum dos países a medida foi regulada pela legislação e não existia nenhuma sanção pré-determinada caso os gastos passassem do limite do teto. A introdução da medida não foi homogênea e nos três países foram realizadas repetidas avaliações e depois alguns ajustes foram feitos. “Claro que esses países são menores que o Brasil e possuem outro perfil de renda, mesmo assim, a experiência internacional deveria ser uma referência”, explica.

A professora também não acha que uma decisão de tamanha complexidade seja tomada por um Governo-tampão. “Temer foi eleito dentro da plataforma de Governo de Dilma Rousseff, ele substituiu a presidenta, mas não está respeitando os eleitores da chapa. É muito complicado isso, está mexendo com esse tecido político e social de uma forma muito irreversível por 20 anos.” Se aprovada no Senado sem alterações em relação ao texto da Câmara, a PEC começa a valer a partir de 2017. No caso das áreas de saúde e educação, as mudanças só passariam a valer após 2018, quanto Temer não será mais o presidente.

Um instrumento para criar expectativas

Na opinião de Edmar Bacha, doutor em economia em Yale, nos EUA, e um dos idealizadores do Plano Real, a duração de 20 anos da PEC reflete de forma perfeita o drama pelo qual a economia brasileira atravessa. “Com o tamanho do buraco que temos nas contas públicas, levaremos, no mínimo, dez anos até a dívida começar a cair”, explica. O compromisso de longo prazo, segundo o economista, também terá um efeito grande sobre as expectativas futuras sobre o país, o que vai gerar resultados positivos em curto prazo. “O que a PEC faz é criar expectativas favoráveis sobre o reequilíbrio das contas públicas. Esse movimento vai influenciar muito na decisão de queda das taxas de juros no Brasil. A taxa Selic é, ao lado da Previdência, um dos maiores problemas do país”, explica Bacha que defende que não haverá a reforma da Previdência se antes não houver o teto de gastos.

As manifestações contra a PEC 55, por enquanto, “só são espuma”, segundo o economista. “A massa dos brasileiros apoia o que está sendo feito no Governo Temer. O que há é um grupo de interesses específicos com capacidade de repercussão no país, mas não vejo grandes marchas populares como as que aconteceram em Paris ou que houve na Espanha [contra a austeridade]”, explica.

O economista Samuel Pessôa, da FGV-, também defende fortemente a adoção da PEC como condição primária para reequilibrar as contas públicas brasileiras. O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV não vislumbra outra alternativa: ou reforma-se o “estado disfuncional ou o destino do Brasil será voltar ao temido passado inflacionário dos anos 80”.

“Tivemos um crescimento quase linear e permanente nos últimos 25 anos. Ao explicitar um limite, a cooperação entre os grupos de pressão [no Congresso] vai acabar, já que ela tem um limite. A PEC dos gastos vai trazer essa racionalidade, e a comissão de orçamento passará a ser muito importante”, explica Pessôa que, assim como vários apoiadores da emenda, não considera a duração do limite longa. “Na verdade são dez mais dez. Eu acho pouco”.

O coro a favor da aprovação da PEC também é engrossado pelo economista Felipe Salto, para quem “não há bala de prata em política fiscal. “Mesmo com a emenda à Constituição aprovada, não será fácil”, escreveu em seu blog. Ponderações e críticas podem ser feitas quanto ao desenho, sobretudo a respeito do seu prazo, mas, na opinião de Salto, nada anula “a importância de aprovarmos o quanto antes essa proposta”.

Foto da capa: Paulo Pinto/ AGPT

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