Por Victoria Reis, compartilhado de Projeto Colabora –
Pesquisadora e figura de destaque do movimento maker no Brasil, Rita Wu desenvolve projetos para combater a pandemia
“Eu vejo o movimento maker como um ativismo” explica a arquiteta, designer, pesquisadora e especialista em tecnologia Rita Wu, que tem trabalhado em dobro durante o isolamento social. Nos últimos três meses, além de atuar em projetos para a produção de equipamentos para profissionais de saúde e pacientes da covid-19, ela ainda participa de lives e podcasts para explicar como o trabalho maker está ajudando no combate à pandemia.
Os makers (“fazedores” em português) são uma extensão mais tecnológica da cultura DIY – “Do it yourself”, ou “faça você mesmo”, em português – integrada ao trabalho coletivo, conhecido como DIT (Do It Together) ou DIWO (Do it with others). Entre as ações do movimento em rede durante a pandemia, destacam-se a fabricação de face-shields por meio de impressão 3D e do corte a laser. Em todo o Brasil, iniciativas estão fazendo a diferença, como o coletivo MakersContraCovid, do qual Rita é colaboradora, que já produziu e distribuiu mais de quatro mil protetores para hospitais públicos de São Paulo e mais de dois mil para organizações sociais e aldeias indígenas. De acordo com o grupo MakersContraCovid, Rita Wu participou na produção de EPIs, na captação de material audiovisual e ajudou também na parte de logística da iniciativa.
Por se tratar de um vírus altamente transmissível, os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) são vitais para garantir a segurança dos profissionais de saúde, e máscaras (dos tipos N95 e PFF2) e óculos ou face-shields são os itens mais escassos pelos hospitais brasileiros, segundo a Associação Médica Brasileira. “Ainda bem que agora os EPIs estão sendo produzidos em escala industrial! Nós, makers, agimos num momento emergencial, enquanto não tinha. Os makers são importantes para prototipar e validar os modelos rapidamente, para que a indústria consiga ter um modelo pronto e produzir em larga escala”, afirma Rita, chamando de “momento maker” o trabalho que ganhou notoriedade na mídia.
No início da pandemia, Rita estava engajada na produção das máscaras, cirúrgicas como a N95, e dos face shields. A cientista também estava envolvida com o projeto Inspire da Escola Politécnica da USP, que consiste num protótipo de ventilador pulmonar emergencial produzido totalmente com tecnologia nacional. Rita saiu do projeto quando o Inspire foi para a fase de testes em animais e humanos. “Agora eu estou tentando focar em protocolos, porque tem muitos lugares onde a coisa tá bem feia, muita gente chega ao mesmo tempo nos hospitais e a parte de triagem fica bastante complicada”, conta.
Atualmente, ela trabalha em duas linhas de pesquisa: formas de uniformizar protocolos de atendimento e novas formas de diagnóstico, que considera fundamental. “O diagnóstico é muito importante, inclusive para a gente conseguir flexibilizar a quarentena e sair desse obscurantismo que a gente tem sobre os números. Nós temos alguns laboratórios que começam a produzir (testes), mas está longe do que é necessário”.
A arquiteta e designer está mobilizando profissionais de diversas áreas nas redes para desenvolver um projeto de sensoriamento eletrônico de reconhecimento de moléculas por odor numa tentativa de paliativo para pacientes que tiveram seu olfato afetado pela Covid-19, como um “nariz eletrônico”, e também como uma nova forma de diagnóstico. “Pelo vapor que sai do nosso pulmão e do estômago é possível fazer o diagnóstico de muitas coisas. Por exemplo, a medição da glicemia ainda é feita naquele esquema de furar, colher o sangue e ver qual a taxa glicêmica. Mas a gente consegue fazer isso pelo vapor exalado pela boca. Então, conseguindo esse vapor que vem do pulmão, uma das tentativas é analisar se há ou não o vírus”, explica Rita.
O projeto seria uma espécie de bafômetro para detectar a covid-19, mas pesquisa ainda está em momento incipiente. “O projeto do nariz eletrônico está na fase de pesquisa e ainda vamos incluir pessoas de diversas áreas, como do Instituto de Química e do Centro de Inovação do Hospital das Clínicas. É uma pesquisa que vai levar bastante tempo, não é uma prototipagem de produto”, ressalta. A designer explica que o desenvolvendo dos sensores precisa de investimento semelhante ao dos projetos de ventiladores – para os quais muitas pessoas doaram recursos por ser uma questão direta de salvar vidas – mas não recebe a mesma atenção.
Consumo consciente e produção descentralizada
Um dos principais nomes do movimento maker no Brasil, Rita Wu vem buscando também divulgar mais seu conceito. “O tripé do movimento maker consiste na colaboração, no sentido que a gente aprende muito com os outros e vamos mais longe juntos; no compartilhamento, porque a gente tem que lembrar que o conhecimento não é uma propriedade privada e só faz sentido se (o conhecimento) circula; e a curiosidade, a busca pelo aprendizado”, explica. Por meio desse movimento, os makers estão tomando maior consciência sobre a produção e as matérias. Por isso, Rita chama o movimento de “ativismo materialista”.
Para a pesquisadora, a crise sanitária e econômica, que afetou a cadeia produtiva industrial global, abriu espaço para esse movimento apontar saídas diante do fracasso do sistema atual. “Esse é o momento ideal para repensar e reimaginar as formas de produção global, avançando para um sistema mais democrático, sustentável, descentralizado e colaborativo”, aponta Rita Wu.
Uma dessas saídas, defende a arquiteta e pesquisadora, é abandonar o hábito do consumo alienado, irresponsável, que desconhece a origem do material e a cadeia produtiva dos produtos. “Consumir é um ato político. Então, quando a gente toma consciência e começa a fazer escolhas diante daquilo que a gente necessita e não diante de necessidades introjetadas para nós, também influenciamos no que é produzido”, complementa.
Outra crítica da designer é a centralização da produção global. “Quando a gente fala de valorizar as produções locais é porque, para além da questão de logística (transporte, armazenamento e o respectivo impacto ambiental), não podemos depender de um único ponto; então, essa descentralização é importante. E por que o movimento ajuda? Porque o design pode ser global, a gente pode compartilhar por e-mail os nossos protótipos, os desenhos, e aí podemos produzir isso localmente”, diz Wu.
Crise política e econômica
Paulista, formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, Rita Wu foi diretora da Rede FAB LAB Livre SP, composto por 12 laboratórios de fabricação digital abertos e colaborativos da Prefeitura de São Paulo, que desenvolve o aprendizado e o acesso tecnológico à população. A cientista pesquisa a relação do corpo, com o espaço e com a tecnologia. “Ser maker é ter um grande tesão nas coisas”, acredita a arquiteta, que foi jurada do programa Batalhas Makers do Brasil, do canal Discovery, e também é palestrante regular na USP, na Unesp e no Senac.
“Quando eu entrei em Arquitetura e Urbanismo, depois de já ter passado por Física e Farmácia, o que eu mais queria era trabalhar com habitação social”, conta Rita, lembrando que sua primeira iniciativa científica foi em parceria com a COHAB (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo). Por meio do design paramétrico, pesquisava formas de baixo custo para personalizar as habitações sociais, assim, as pessoas não teriam o “mar de casinhas iguais”. Em outra pesquisa, ela se aproximou ainda mais da fabricação digital e trabalhou junto ao Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em Campinas, único lugar do Brasil com máquinas relacionadas a fabricação digital de precisão e qualidade há pouco mais de 10 anos.
Hoje, com 33 anos e seu trabalho reconhecido, Rita Wu chama atenção para os aspectos políticos da crise sanitária atual. “Essa crise não é de saúde pública simplesmente. É uma crise principalmente política e, em segundo momento, econômica. Isso não só no Brasil, com o governo que a gente tem, mas no mundo”, explica. “Não menosprezo o vírus, ele é perigoso, mas a taxa de mortalidade é muito pequena, a transmissão acontece de uma forma muito específica, que poderia ser muito bem diminuída se a população for bem instruída”, argumenta a pesquisadora.
Questionada sobre uma mudança concreta no sistema global, a referência do movimento maker se mostra descrente, mas diz esperar que a experiência da pandemia gere mais solidariedade e responsabilidade, principalmente nos cuidados pessoais. “Eu estou apostando nas pessoas como indivíduos que vão conseguir ter aí mudanças significativas. Mas, no macro, acho que tudo vai continuar do jeito que tesá. Lógico que a pandemia vai ter impacto no sistema, principalmente porque a gente vai ter que dar conta de produzir muita coisa. Assim, essa centralização da produção com certeza vai mudar. E a globalização, como conhecemos hoje em dia, está sendo colocada em cheque ”, destaca.