Por Thais Reis de Oliveira, publicado em Carta Capital –
Os soldados de Jair Bolsonaro na internet têm uma nova tática na guerra contra a imprensa. Vem germinando desde o mês passado no Twitter uma rede de perfis que se passam por jornalistas e veículos sob justificativa de ‘sátira’ ou ‘paródia’.
O modus operandi é o mesmo: contas trazem o nome de veículos de imprensa ou de jornalistas com um discreto erro de digitação — a CartaCapital, por exemplo, virou “CarpaCapital” em uma dessas falsificações.
O nome traz também uma figura azul que lembra o ícone de conta verificada e emulam a identidade visual do veículo verdadeiro.
Há contas associadas aos jornalistas Chico Pinheiro, Mônica Bergamo, Gilberto Dimenstein, Renata Vasconcellos e até do STF e seus ministros. As contas seguem umas as outras e compartilham mutuamente suas publicações, majoritariamente favoráveis ao presidente e contra adversários.
O próprio Bolsonaro é um grande vetor desse conteúdo. Desde o dia 1º, o presidente empossado compartilhou cinco vezes posts de perfis sob o nomes como “Trolha de S. Paulo”, “The Comunist” e “Estabão”. Ao mesmo tempo, bloqueia jornalistas e veículos, impedindo questionamentos.
Esses posts emulam jargões jornalísticos e a linguagem de comunicação dos órgãos públicos. A conta falsa do Supremo noticiou, por exemplo, que o motorista Fabrício Queiroz havia sido absolvido pelo Ministério Público Federal no caso Coaf.
Após esclarecimentos no canal SBT, o ex. assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro PSL-RJ, o sr Fabrício Queiroz, foi absolvido pelo ministério público. Segundo o MP, todas as acusações foram desmentidas em horário nobre.
“Bastante convincente”. Alegou o procurador Dallagnol.
Mudança de estratégia
A advogada Samara Schuch, especialista em Direito Digital, aponta uma sofisticação da tática de fake newsdesde as eleições. Como o assunto repercutiu na imprensa e entre usuários, os operadores passaram a tentar emular a imprensa profissional. Além disso, as próprias plataformas lançaram mecanismos contra a ação automatizada.
“Desde o fim das eleições, muita gente passou a checar com mais atenção a fonte das informações que compartilha, esse canais passaram a buscar formas de convencer o público da própria credibilidade”, explica.
A tática mais usada é o typosquatting: se aproveitar de um erro de digitação para registrar sites ou páginas que levem o leitor a acreditar que aquele é o conteúdo de um veículo conhecido. E o compartilhamento em massa traz uma sensação de consenso sobre aquele assunto.
Na prática, essas publicações acabam enganando muita gente. A senadora Gleisi Hoffmann denunciou no último dia 6 um caso de fake news atribuída a ela por um perfil falso da jornalista Monica Bergamo.
“O PT entrou com uma liminar pedindo anulação do projeto de Bolsonaro com Israel para acabar com a seca no nordeste; a seca no Nordeste é cultural, quase um patrimônio, e não deve ser destruída”, dizia o post atribuído a Gleisi. Bergamo também se manifestou.
Para evitar que o perfil seja bloqueado, o usuário responsável cria uma (ou várias) conta reservas com outro número de celular – há dezenas de falsas Mônicas Bergamo na rede. Outro truque é fazer tentativas sucessivas de “ressuscitar” as contas com dados diferentes.
Nos últimos dias, essas contas passaram a apresentar como ‘paródias’ ou ‘páginas humorísticas’. Foi criada nos uma conta batizada Central de Imprensa da Imprensa Sátira do Brasil, que agrega vários desses perfis. E as hostes bolsonaristas tentaram emplacar uma campanha contra censura.
Mentira ou bom humor?
Para a advogada, a fronteira entre humor e fake news é uma maneira desses se blindarem de eventuais processos. “A liberdade de expressão é uma garantia extremamente subjetiva na Constituição, depende sempre de uma análise humana”.
Abre-se também um flanco para evitar sanções das próprias redes sociais, sediadas nos EUA e submetidas às leis daquele país. “Essas máquinas de fake news tentam se aproveitar disso porque o direito americano valoriza a liberdade de imprensa. As próprias corporações vendem a ideia de liberdade de expressão, e por isso evitam ao máximo apagar qualquer conteúdo”.
O Twitter estabelece algumas regras para os perfis de cunho humorístico ou de fã-clube. É obrigatório, por exemplo, indicar claramente que o usuário não é afiliado ao assunto da conta, incorporando termos como “paródia,” “falso/fake”.
Questionada a respeito dos bloqueios, a empresa reafirmou os termos de uso que avalia as denúncias de usuários e caso as violações sejam comprovadas, essas contas estão sujeitas “à aplicação das medidas cabíveis”.