Aqui uma prosinha do amigo jornalista José Sérgio, contando como conheceu Moreira da Silva, considerado como o criador do samba de breque.
Por José Sérgio Rocha –
O cidadão de paletó branco e chapéu panamá, que orgulho!, ligou uma vez lá pra casa (na verdade, pra casa da vizinha, uma senhora de idade avançada). Quando disse o nome, eu não acreditei. Conheci Moreira da Silva uma ou duas semanas antes, ele acompanhado da equipe que fez um filme sobre sua vida. Como de praxe, eu fui até o meu “Ponto de Vista”, que na época era a loja Moto Discos do Largo de São Francisco (hoje é a Livaria Folha Seca, na Ouvidor) e ele estava lá fazendo uma graça. O meu vendedor favorito (e o dele também) era o “Cabo” (apelido), que era especialista em sambas da antiga e no jazz tradicional. Outra hora conto (pra quem quiser ler) uma história do Cabo com o Jorginho Guinle.
Cabo me apresentou como um apreciador do gênero (realmente, na época eu comprei algumas bolachas do Moreira e do Jorge Veiga na loja) e Moreira fingiu que ia me botar no filme e me pediu pra “solfejar” o que eu sabia. Mandei alguma que sabia de cor (Olha o Padilha, Amigo Urso, não lembro) e ainda cantei uma paródia que fiz para o Rei do Gatilho ambientada na Revolução de 1917, em que o Moreira entrava no Palácio de Inverno e dava uns tiros nos capangas do Tzar. Ele não entendeu nada, mas gostou.
Quando nos despedimos, pediu meu telefone para me ligar e avisar de seus shows. Eu rachava com dois amigos, Milson Bezerra (irmão de Múcio Bezerra, colega de jornal) e Andrezinho Português, um apê no tranquilo bairro do Beltrão, em Niterói, rua Coronel Sebastião Danas, mas não tinha o aparelho em casa. Nossa comunicação com o mundo era feita pelo fone da mãe do Milson, que na época tinha uns 90 anos e, se não me engano, viveu mais uns 10.
“É você mesmo, Moreira?”, perguntei, emocionado.
Ele me ligou para dizer que cantaria nos Arcos da Lapa e que, em minha homenagem, colocou no repertório “Jogando com o capeta”, uma das melhores letras do gênero.
Na noite do show, não pude ir. O pescoção (plantão de sexta-feira) impediu. Moreira voltou a ligar duas ou três pra casa de dona Maria Bezerra, televizinha que era amiga particular de Núbia Lafayette, que a visitava no Beltrão. Fui uma vez, mas percebi que ele tinha esquecido quem eu era exatamente. Pro Moreira, educadíssimo, apesar da malandragem, foi um encontro rápido. Pra mim, foi inacreditável.
Ouça aqui, “Jogando com o Capeta”