Desigualdade, questões climáticas e nova ordem mundial foram os principais temas abordados na fala do presidente na Assembleia da ONU
Por Renato Santana, compartilhado de Jornal GGN
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez na manhã desta terça-feira (19) o discurso de abertura da 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA).
Lula iniciou seu discurso lembrando que fome faz com que 735 milhões de seres humanos não tenham o que comer, enquanto os 10 maiores bilionários concentram riquezas equivalente aos 40% países mais pobres.
“Há uma legião de desempregados e desalentados que cresce no mundo. É preciso vencer a resignação que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural. Falta vontade política daqueles que governam o mundo”, disse.
Desde 1955, o Brasil é responsável pela primeira fala dentre os chefes de Estado da assembleia. A tradição está associada ao diplomata Oswaldo Aranha, que presidiu a 1ª Sessão Especial da Assembleia da ONU, em 1947.
Lula afirmou que a tecnologia tem ampliado as desigualdades, caso dos aplicativos de plataforma que vêm minando as leis trabalhistas. Cobrou os mais ricos: sejam os países, sejam aqueles que devem pagar mais impostos com base em fortunas pessoais.
Dessa forma, sob o lema ‘Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável’, o Brasil assumirá a Presidência do G20 para não permitir que a tecnologia seja utilizada para este fim.
Principais pontos do discurso
A sessão significou também o retorno de Lula à Assembleia da ONU iniciada há 20 anos atrás, em 2003. Nesta terça, o presidente fez o discurso de abertura pela oitava vez somadas suas três gestões no Palácio do Planalto.
A desigualdade, as questões climáticas e a busca pela paz entre as nações, em sincronia com a formatação de uma nova ordem mundial, foram os principais temas abordados na fala.
Mas para Lula a desigualdade é o desafio que resume os problemas do mundo hoje e “está na raiz dos fenômenos” que agravam mais a situação. “A Agenda 2030 pode se transformar num fracasso. Metade do período de implementação passou e o mundo está distante das metas (…) caminha em ritmo muito lento o imperativo moral de erradicar a fome”.
“Sete anos que restam (para o término da agenda) e deve se tornar o objetivo síntese reduzir as desigualdades dentro dos países e entre os países. Para isso se estabeleceu 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável. O Brasil acrescentou mais um, igualdade racial, que adotaremos voluntariamente”, declarou.
Nova ordem global
Naquele que é considerado o palco mais importante da diplomacia global, Lula defendeu a criação de um desenho alternativo, multilateral e universalista, das instituições internacionais ao inaugurado com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Lula entende que os mecanismos e instituições de negociação internacional perderam força e fôlego. O Fundo Monetário Internacional (FMI) liberou este ano 160 bilhões para saque aos países europeus e apenas 34 bilhões para a África.
“É inaceitável a gestão do FMI e Banco Mundial (…) as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas”, atacou Lula. O presidente brasileiro explicou que o Brics surgiu e hoje recebe novos membros para enfrentar esse contexto.
De forma prática, Lula afirmou que o mundo necessita que as instituições da ordem internacional atendam à pluralidade econômica, geográfica e política atinentes ao século XXI.
Neoliberalismo agrava desigualdades
Afirmou ainda que o protecionismo dos países ricos tem aumentado e que a Organização Mundial do Comércio (OMC) permanece paralisada, em especial seu mecanismo de resolução de controvérsias.
Ao passo que o desemprego e a precarização do trabalho minam a perspectiva de futuro da população mundial. “O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política mundiais. Em meio aos seus escombros, surge o nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”, declarou Lula.
Para Lula, é preciso resgatar as melhores racionalidades humanísticas que criaram a ONU. Lembrou da injusta prisão de Julian Assange ao defender a liberdade de imprensa como uma dos pilares dessa racionalidade.
Falando como principal representante do Brics, na medida em que os representantes de China e Índia não estão em Nova York, Lula trouxe nas entrelinhas de suas palavras a necessidade de se reconhecer o poder dos países emergentes.
Conforme apuração do jornalista Jamil Chade, do UOL, “a meta (do discurso de Lula), nos bastidores do Planalto, é a de credenciar o Brasil para ser uma “escolha natural” para uma eventual vaga no Conselho de Segurança da ONU ampliado”.
Questões ambientais e climáticas
“Países ricos cresceram emitindo muitos gases e alterando o clima. Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Os 10% países mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na terra”, declarou Lula.
O presidente lembrou da Cúpula de Belém e onde “lançamos uma nova agenda de colaboração entre os países que fazem parte da Amazônia. Também aprofundamos o diálogo com países do mundo que possuem florestas”, disse.
Lembrou ainda as metas do Acordo de Paris e do Marco Global da Biodiversidade e que a demanda para reverter as mudanças do clima provocadas pelo homem chega na casa dos trilhões de dólares, sendo uma obrigação dos países ricos arcarem com grande parte destes gastos.
Guerra e conflitos
“Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana”, disse Lula à Assembleia da ONU. Para o presidente do Brasil, “a promoção de uma cultura de paz é um dever de todos nós e requer paciência e vigilância”.
Citou a dificuldade da ONU criar um Estado ao povo palestino, além das situações do Haiti, Iêmen, Líbia, Burkina Faso, Gabão, Niger, Sudão, Guatemala, “onde tentam dar um golpe no presidnete eleito”.
Sobre a guerra na Ucrânia, Lula declarou que o conflito escancara “nossa incapacidade coletiva de fazer valer a carta da ONU. Nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo”.
Criticou as sanções unilaterais que causam prejuízos às populações dos países afetados e dificultam a mediação de conflitos. Medidas tomadas sem amparo da ONU, como o embargo à Cuba e a presença do país na lista de Estado terrorista, mesmo intermediando a paz, como no caso da Colômbia.
“O conselho de segurança da ONU vem perdendo a sua credibilidade. Sua fragilidade está em seus membros permanentes que travam guerras de expansão territorial sem autorização do conselho”, disse Lula.
O presidente brasileiro encerrou dizendo que a desigualdade precisa inspirar indignação. “Somente movidos por essa força podemos agir contra a desigualdade. A ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo e fraterno, mas só fará se os seus membros se pronunciarem contra a desigualdade e não medir esforços para superá-la”.
Presidentes ausentes
O diplomata e embaixador Sérgio Vieira de Melo, vítima de um atentado à sede da ONU em Bagdá, há 20 anos atrás, foi lembrado por Lula no discurso. Bem como as vítimas do terremoto no Marrocos, das enchentes devastadoras na Líbia e no estado brasileiro do Rio Grande do Sul.
Xi Jinping (China),Vladimir Putin (Rússia), Narenda Modi (Índia), Rishi Sunak (Reino Unido) e Emmanuel Macron (França) não participarão da da 78ª Assembleia Geral da ONU.
O presidente dos EUA, Joe Biden, participa do evento internacional, assim como o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. O presidente Lula terá conversas bilaterais com ambos.
Nesta quarta-feira (20), os presidentes Lula e Biden vão lançar um documento batizado de “Coalizão Global pelo Trabalho”, no qual defendem liberdade sindical, garantias aos trabalhadores por aplicativo, entre outras medidas.
Lula recebeu mais de 50 pedidos de reuniões bilaterais, segundo o Itamaraty. O encontro com Biden era a única reunião confirmada até o início desta semana, quando foi confirmado o encontro com Zelensky, com quem Lula deve abordar a questão da Guerra na Ucrânia.