Por João Fellet, compartilhado de BBC News –
Nomeado ministro do Meio Ambiente nesta quarta-feira (23/6) no lugar de Ricardo Salles, Joaquim Álvaro Pereira Leite integra uma família tradicional de fazendeiros de café de São Paulo que pleiteia um pedaço da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo.
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CRÉDITO,REPRODUÇÃO
Segundo um documento da Funai (Fundação Nacional do Índio), capatazes a serviço da família chegaram a destruir a casa de uma família indígena ao tentar expulsá-la do território reclamado.
A terra indígena fica nos municípios de São Paulo e Osasco e é a menor do país, com 532 hectares.
Nela moram 534 indígenas dos povos Guarani Mbya e Ñandeva, segundo a Comissão Pró-Índio de São Paulo.
O processo de demarcação do território se iniciou nos anos 1980, mas jamais foi concluído e está paralisado na Justiça.
No relatório de identificação da terra indígena, publicado pela Funai em 2013, o antropólogo Spensy Pimentel diz que a família Pereira Leite cobrou várias vezes a paralisação da demarcação do território.
Segundo o relatório, em 1986, Joaquim Álvaro Pereira Leite Neto (pai do novo ministro) “exigiu que a Funai retirasse os marcos físicos do processo demarcatório da área indígena Jaraguá, alegando ser o proprietário da área, acusando agressivamente a Funai de estar praticando um crime”.
O relatório prossegue: “Tal agressividade, no entanto, extrapolou para além das missivas, e passaram então esses cidadãos a fazer ameaças aos índios, a intimidá-los com capatazes, e mesmo destruindo uma de suas casas”.
Segundo o documento, como a Funai não paralisou a demarcação, a família começou a ameaçar os indígenas diretamente.
Em artigo no livro A grilagem de terras na formação territorial brasileira, a doutora em Geografia Humana pela USP Camila Salles de Faria transcreve o relato de um líder espiritual guarani, José Fernandes, sobre uma visita de um membro da família Pereira Leite à aldeia.
“Chegou esse finado velho… Pereira Leite, (que disse): ‘não, isso aqui é meu; agora temos que fazer tudo, vamos lá pra delegacia’. Aí eu falei ‘não, não vou’. Aí ele falou assim: ‘tem papel da terra que comprou aqui?’ Eu falei: ‘não, não tenho, mas também sou grande, viu?’ Aí mostrei o meu documento de cacique. Aí ele foi embora.”
O líder provavelmente se referia José Álvaro Pereira Leite, morto em 2008 e avô do novo ministro. Foi José Álvaro Pereira Leite quem iniciou o processo judicial contra a demarcação.
A antropóloga cita o relato de outra indígena, identificada como Eunice, sobre o patriarca da família.
“Esse Pereira Leite, a família Pereira Leite, ele ameaça muito o pessoal indígena… Que vai pôr fogo na casa, que vai destruir… Numa época ele até veio com uma maleta de dinheiro para mim querendo comprar a terra de mim.”
Em 1996, diz o artigo de Faria, a família Pereira Leite pediu à Justiça a expulsão da comunidade e, acompanhada pela Polícia Militar de São Paulo, “tentou a retirada dos moradores indígenas da área”.
Porém, segundo o artigo, o Ministério Público Federal acionou a Polícia Federal, que interveio e evitou a expulsão.
A justificativa é que, como terras indígenas são áreas da União, conflitos em torno desses territórios devem ser mediados por órgãos federais, e não estaduais, como as polícias militares.
Formado em Administração de Empresas pela Universidade de Marília, o novo ministro do Meio ambiente diz em seu currículo ter trabalhado como “proprietário/administrador” da fazenda de café Alvorada, entre 1991 e 2002.
Entre 1996 e 2019, ele foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais antigas e influentes entidades ruralistas do país.
Também trabalhou como diretor de uma empresa do ramo farmacêutico e como consultor de uma marca de café.
Antes de ser nomeado ministro, ele exercia o posto de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais do Ministério do Meio Ambiente.
Após a publicação original desta reportagem, o Ministério do Meio Ambiente enviou nota à BBC News Brasil. Confira a íntegra:
“O Ministério do Meio Ambiente informa que o processo de disputa de posse em questão é tratado no âmbito do espólio da família paterna do ministro Joaquim Leite, que nunca teve atuação direta ou indireta no assunto.”