Por Rodrigo Gomes, Rede Brasil Atual –
Familiares das vítimas representaram os mortos com 19 cadeiras vagas, onde foram colocados pertences deles
São Paulo – A ONG Rio de Paz e familiares de vítimas realizaram hoje (12) um protesto cobrando o esclarecimento e a punição dos envolvidos na chacina ocorrida nas cidades de Osasco e Barueri, na Grande São Paulo, que deixou 19 mortos, na madrugada de 13 de agosto do ano passado. De 30 suspeitos do crime, entre policiais militares e guardas civis, quatro estão presos: três PMs e um guarda civil. E mesmo esses podem ser liberados, pois, segundo o promotor do caso, Marcelo Alexandre de Oliveira, as acusações são frágeis. Para Fernanda Valim, coordenadora da Rio de Paz, “isso é um tapa na cara da sociedade”.
“Não sei o que fez a Secretaria da Segurança Pública (SSP) que constituiu uma força tarefa que trabalhava 24 horas por dia, nas palavras do então secretário e atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para produzir provas frágeis?”, prosseguiu Fernanda. Segundo ela, os quatro serão denunciados, mas a Justiça vai decidir se aceita ou arquiva. Se a decisão for pelo prosseguimento do processo, os três irão a júri popular.
A SSP informou que os inquéritos do caso foram concluídos e encaminhados à Justiça. Os três PMs detidos e outros quatro policiais que não foram incluídos na denúncia estão respondendo processo de expulsão da corporação. A chacina teria sido uma retaliação ao assassinato de um PM e um guarda civil na região, dias antes. Nenhum dos 19 mortos tinha relação com os casos.
O principal problema da acusação é que a maior parte das provas é testemunhal. Mesmo algumas imagens dos ataques não têm detalhes suficientes. A força-tarefa ouviu cerca de cem pessoas sobre o caso. No entanto, os principais depoimentos estão comprometidos, pois uma testemunha admitiu estar sem óculos quando presenciou os fatos, outra não quer depor à Justiça por medo de retaliação, entre outros problemas. Já os familiares das vítimas disseram nunca ter sido procurados para nada.
Terapia
Na quarta-feira (10), os policiais e o guarda civil foram ouvidos no Fórum de Osasco, na última oitiva antes da decisão sobre aceitação ou arquivamento da denúncia. Todos negaram participação nos crimes.
Outra parte da ação das famílias é um pedido de indenização feito ao governo de São Paulo, por meio da Defensoria Pública, que foi protocolado hoje na Procuradoria-Geral do Estado (PGE). “Demos entrada com pedidos na PGE, há alguns meses. Essas famílias estão em situação difícil. Muitos dos assassinados eram provedores das famílias. Tem pessoas passando necessidade, contando com ajuda de parentes e vizinhos”, afirmou Fernanda.
Quase um ano após os crimes, os familiares passaram a receber atendimento psicológico. Foi iniciado há 15 dias um processo de terapia em grupo, por meio da Defensoria. “O governo paulista nada nos ofereceu. Nenhum apoio, nenhuma informação, orientação. O que sabemos do processo é pela Rio de Paz”, disse a diarista Maria José de Lima Silva, 50, mãe de Rodrigo Lima Silva, 16, assassinado com dois tiros na cabeça.
O adolescente trabalhava fazendo entregas em um supermercado. “Estava superfeliz”, destacou a mãe. Naquele dia 13, ele foi tomar um sorvete com a namorada, Larissa, que estava grávida. “Sentou numa cadeira para tomar o sorvete, chegou um carro com os caras atirando. Ela, por sorte, tinha saído um pouco antes”, relatou Maria. Hoje, ela cuida da filha de Rodrigo, junto com uma irmã do jovem.
A possibilidade de o crime ficar impune deixa Maria nervosa. Tanto quanto a presença de policiais, nos quais ela diz não confiar mais, ao ponto de ter mudado de bairro. “A gente põe um filho no mundo, cuida, alimenta, vive nas casas dos outros lavando e passando para levar comida para casa, daí chega alguém e faz isso. Não, isso não pode ficar assim. Eu espero que haja justiça. É o mínimo de resposta que a gente quer”, afirmou.
Os 19 filhos, maridos, namorados, primos e irmãos assassinados foram representados por cadeiras vazias colocadas em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). Em cada uma havia uma rosa vermelha e alguns pertences deles que hoje servem para manter vivas as “lembranças boas” que cada um traz à sua família. Chinelos, camisetas, blusas, fotos. Os familiares presentes seguravam um cartaz lembrando o primeiro ano do ocorrido, marcado, até agora, pela saudade e a impunidade.
“Eu acho que essa dor que tem dentro só vai aliviar um pouco quando for feita justiça. Alguém tem de pagar pela morte dos nossos filhos”, disse Sidinéia Ferreira, 46 anos, mãe de Daivisson Lopes Ferreira, 26, que ia se casar no fim do ano passado. Trabalhador, ele era a principal renda da casa e hoje a mãe está passando dificuldades para se manter, já que não consegue trabalhar.
“Ele trabalhava com embalagens, bem em frente à nossa casa. Depois passou a trabalhar com carga e descarga, mas sem registro. Daí eu sempre pegava no pé dele para arrumar um trabalho registrado. No dia em que ele foi assassinado, ele tinha ido avisar o patrão, com quem ele fez amizade, que ia sair do trabalho porque tinha encontrado outro com carteira assinada. Ia começar na terça-feira seguinte. Ele foi morto na volta para casa, pensando no futuro”, contou Sidinéia.