Por Grasielle Castro, compartilhado de Huffpost Brasil –
“Estamos assistindo agora não a um Estado já fascista, mas a um que está em andamento para se tornar. Parafraseando Eduardo Bolsonaro, não se trata de ‘se’, mas de ‘quando'”, diz o filósofo Roberto Romano, professor da Unicamp.
Nos últimos dias, boa parte dos internautas brasileiros acordaram estampando em suas redes o selo de antifascista. Junto com isso veio a pergunta: “é possível enquadrar o governo do presidente Jair Bolsonaro como fascista?”. De acordo com especialistas ouvidos pelo HuffPost, pode-se dizer que há fortes tendências fascistas em evidência e que o País caminha nesse rumo.
De acordo com Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o fascismo se caracteriza pela tese de que o partido que chegou ao poder representa a soberania popular e fala em nome do povo. A todo momento, Jair Bolsonaro diz falar e agir em nome do povo. Recentemente, disse tanto que “as Forças Armadas estão com o povo” quanto que “o povo deve se armar”.
Por ter chegado ao poder por meio de eleições e se valer da escolha do povo, segundo Romano, há no fascismo a crença de que todas as instituições anteriores não devem ser levadas em conta e devem ser destruídas.
“Vemos a campanha permanente do governo Bolsonaro contra o Congresso, contra o Supremo [Tribunal Federal] e sobretudo a campanha permanente contra a ciência”, diz o doutor em Filosofia. Ele acrescenta que um dos primeiros atos do presidente foi atacar o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e colocar a credibilidade científica do órgão em xeque.
Essa atitude, segundo ele, é semelhante ao que Hitler fez na Alemanha. “É uma característica muito clara da Alemanha nazista. Pegaram a ciência e debocharam dela o quanto puderam. Nomearam para os postos-chave pessoas que eram subservientes a Hitler, o que Bolsonaro tentou fazer com a MP [que permitia que o ministro da Educação indicasse reitores temporários, mas, e, após devolvida pelo presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, foi revogada].” No Ministério da Saúde, após a saída de 2 ministros técnicos, com formação em Medicina (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich), o interino, general Eduardo Pazuello, nomeou uma série de militares para seu entorno.
No livro Como Funciona o Fascismo – A Política do “Nós” e “Eles”, Jason Stanley, professor da Universidade Yale, pontua o constante ataque às universidades como um dos traços que definem o fascismo. Segundo ele, isso ocorre porque é nas instituições de ensino superior que há maior liberdade de expressão e pluralidade de ideias.
“Sempre que o fascismo ameaça, seus representantes e facilitadores denunciam as universidades e escolas como fontes de ‘doutrinação marxista’, o bicho-papão clássico da política fascista”, escreve Stanley. Ainda de acordo com ele, o fascismo consiste na perspectiva dominante, “assim, em momentos fascistas, há forte apoio no sentido de que se denunciem disciplinas que ensinam perspectivas diferentes das dominantes, como estudos de gênero”.
Sinais de fascismo
Jason Stanley descreve ainda outro traço comum com o bolsonarismo: a tática de classificar os “oponentes” como “comunistas”. Nas redes sociais, apoiadores do presidente ou mesmo bots mantêm a defesa de uma ameaça comunista iminente à qual Bolsonaro se contrapõe.
Tedros o chefe geral da OMS, destruiu a Etiópia, entregou para a China comunista! Acorda Brasil pic.twitter.com/Bw9Cq7nCzH
— Jane Mary Ceni (@ceni_jane) June 12, 2020
OMS E 100% CHINESA COMUNISTA !!! pic.twitter.com/kWm4jaW3Lz
— VANDERLEI GUIMARAES (@VANDERLEIGUIM10) June 7, 2020
No livro, Stanley escreve que esse método destina a dividir a população em “nós” contra “eles”. “Depois de um tempo, a política fascista acaba por criar um estado de irrealidade, em que as teorias da conspiração e as notícias falsas tomam o lugar do debate fundamentado”, argumenta.
Roberto Romano acrescenta o incentivo do presidente a seus apoiadores para que invadam hospitais como outro “sinal evidente” de tendência fascista. “No momento em que estamos vivendo uma pandemia, o presidente dizer que é uma ‘gripezinha’ e incentivar seus cúmplices a invadir hospitais é típico da SA (Sturmabteilung), uma milícia que se vestia de marrom e praticava a violência contra os que resistiam às ordens do partido nazista.”
Ainda segundo o filósofo, as palavras de ordem do governo Bolsonaro são totalitárias e contra a Justiça, o Parlamento, contra partidos políticos, alinhadas com o que o pensamento fascista do século 20 pregava. “Estamos assistindo agora não a um Estado fascista, mas a um que está em andamento para se tornar. Parafraseando Eduardo Bolsonaro, não se trata de ‘se’, mas de ‘quando’. Eles estão preparando tudo para instaurar esse Estado de cunho fascista, o presidente não tem um dia que não tenha uma atitude autoritária que distorça a Constituição de 1988.”
Professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Rodrigo Patto também avalia que há traços fascistas no governo de Bolsonaro e ameaça fascista. “Se observamos os grupos de direita atuais, vemos a presença de algumas dessas características, mas raramente a presença de todas ao mesmo tempo”, ressalta. Segundo ele, as características mais presentes são o antiesquerdismo visceral, o nacionalismo autoritário e a disposição para enfrentar os inimigos por meios violentos, ao lado de desprezo por minorias e pela liberdade de expressão (em todos os sentidos).
“A exacerbação desses movimentos de direita radical, semifascistas, é uma tendência muito perigosa, pois estão apoiados no atual governo federal, podendo levá-lo a sentir-se legitimado para atentar contra as instituições republicanas para instaurar uma ditadura ou alguma outra forma de regime autoritário híbrido”, diz, em artigo escrito para o HuffPost.
Para ele, há um elemento complicador para classificar o bolsonarismo como um movimento puramente fascista, que é sua adesão ao liberalismo econômico — ainda que ela seja um tanto oportunista, na visão dele. “Isso poderá ficar claro mais adiante, a depender da evolução do processo, mas no momento é difícil fazer afirmações definitivas”.
Neofascismo
O professor de Ciência Política da Unicamp Armando Boito Jr. avalia o fascismo como um gênero de fazer política e caracteriza o bolsonarismo e o governo Bolsonaro como neofascistas. “Teríamos um gênero fascista, dotado de algumas características, e, ao longo da história, você teria diferentes movimentos fascistas que seriam espécies distintas desse gênero comum”, explica.
Ele considera o fascismo como um momento de massa reacionário com demandas sociais intermediárias da sociedade capitalista. “Um grupo mobilizado de forma mais ou menos permanente em defesa desses interesses de classe e valores autoritários e conversadores, um movimento defende ditadura antipopular”, diz. Segundo ele, movimento fascista não se refere a uma política econômica ou política externa específica, “se refere a regime político ou movimento que luta pela implantação ou defesa desse regime”.
Para ele, o governo “neofascista” se fortaleceu muito nos últimos 2 meses. “Bolsonaro demitiu [ou levou à demissão] 2 ministros da Saúde e um ministro da Justiça, que embora fossem conservadores, pertenciam ao campo que denomino liberal conservador. Bolsonaro demitiu os 3 e colocou um militar e um jurista dócil ao bolsonarismo e tornou seu governo mais homogeneamente neofascista”, diz.
Histórico do fascismo
O fascismo é um movimento que surgiu na Europa no século 20 e cresceu principalmente na Itália, quando Benito Mussolini chegou ao poder por meio do Partido Fascista, no final da 1º Guerra Mundial.
O regime fascista italiano sobreviveu até o momento em que a Itália foi derrotada na 2ª Guerra Mundial. Durante o período de 21 anos, o fascismo foi a denominação do regime político italiano que se definia como antiparlamentar, antidemocrática, antiliberal e antissocialista.
Após esse período, alguns outros regimes foram chamados de fascistas por associação, como por exemplo o regime de Antonio Salazar, em Portugal, e o de Francisco Franco, na Espanha.
O movimento político fascista italiano definiu-se por ter um líder de extrema direita, apesar de a carreira política de Mussolini ter sido iniciada no partido socialista. Por ter sido concebido em um momento posterior à 1ª Guerra, as ideias extremamente nacionalistas soavam como uma resposta à devastação que alguns países tinham sofrido no conflito.
Para o filósofo americano Jason Stanley, o fascismo não é uma ideologia, mas um método de “fazer política” baseado na produção de mentiras que atrapalham a compreensão da realidade.
O escritor George Orwell, autor de A Revolução dos Bichos e 1984, foi mais cauteloso ao descrever o fascismo em sua obra: “tudo que se pode fazer no momento é usar a palavra com certa medida de circunspecção e não, como em geral se faz, degradá-la ao nível de um palavrão”.