Por ActionAid, compartilhado de Projeto Colabora –
Economista Francisco Menezes diz que iniciativa é fundamental para conter a proliferação do coronavírus mas também da pobreza e da extrema pobreza
Graças à demanda de diversas esferas da sociedade, o Governo Federal sancionou, com vetos, a Renda Básica de R$ 600 mensais para trabalhadores informais e temporários. No entanto, para impedir de fato uma tragédia sanitária e social, é preciso ter pressa para fazer com que o auxílio chegue o quanto antes a quem precisa. A avaliação é do economista Francisco Menezes, analista de Políticas e Programas da ActionAid, organização internacional que trabalha em 43 país em defesa da justiça social, da igualdade de gênero e pelo fim da pobreza.
Por que é urgente repassar a renda básica para os mais vulneráveis?
FRANCISCO MENEZES – No contexto de um país tão desigual como o Brasil, a renda básica já era uma reivindicação antiga de especialistas, por ser encarada como um direito de cidadania para aqueles que não têm mínimas condições de vida digna. Já seria uma importante conquista no campo civilizatório e de garantia de direitos. Diante do novo Coronavírus, sua implementação ganhou caráter de urgência. Temos aí um instrumento potente para conter não só a proliferação do vírus, uma vez que cria condições para que as pessoas fiquem em casa e se protejam, mas também minimizar a já prevista aceleração da pobreza e da extrema pobreza. É uma medida que contempla o trabalho informal, que cresceu tanto nos últimos anos e que nesse momento de pandemia deixa sob o risco da miséria milhões de pessoas, em face da necessária paralisação das atividades que vai se estender por um período indeterminado.
MENEZES – Para a aprovação da Renda Básica realmente frear impactos negativos, não pode haver de forma alguma demora no repasse de recursos. Depois da sanção do presidente, é preciso fazer chegar com muita rapidez aos mais de 40 milhões de trabalhadores informais, autônomos e microempreendedores individuais. Esse será o grande desafio. É preciso ser lembrado, inclusive, que já não se dispõe mais de toda uma estrutura de Centros de Referência de Assistência Social nos municípios, que poderiam ser de grande valia para uma rápida identificação do restante que ainda não está no CadÚnico. Assim como no enfrentamento de todas as outras questões que emergem da crise da pandemia, o governo precisa assumir uma capacidade de coordenação aliada à disposição de descentralização na implementação de ações, no caso de fazer renda básica às pessoas que dela precisam. Nesse sentido, organizações da sociedade civil que atuam diretamente em comunidades e com diferentes grupos sociais podem dar uma contribuição inestimável nessa difícil empreitada, sendo credenciadas para identificar com rapidez essas pessoas.
Qual a relação entre fome e impactos sanitários e socioeconômicos do Coronavírus?
MENEZES – As dificuldades de prevenção, isolamento e enfrentamento do problema por parte dos grupos mais vulneráveis os expõem a um risco enorme. Sem acesso a saúde e renda, pioram também as condições alimentares dessas pessoas que, se desnutridas, tornam-se ainda mais vulneráveis aos efeitos do vírus. É uma bola de neve, com implicações que afetam a todos. Se não forem tomadas medidas rápidas e efetivas de amparo a estas populações, que vão desde a garantia de renda básica e ampliação dos beneficiários do Bolsa Família a medidas de manutenção do abastecimento de alimentos, como as merendas escolares, temo por uma tragédia humanitária. O que foi aprovado em relação à Renda Básica tem um caráter emergencial, que irá durar por um período limitado de três meses e com um valor considerado insuficiente no caso de famílias mais numerosas. É um passo importante, mas é preciso ir além disso.
É possível que o Brasil volte ao Mapa da Fome após a pandemia?
MENEZES – Sim. Aumentam muito as possibilidades para um retorno da fome em escala ampliada. Apesar de terem sido coletados pelo IBGE em 2018, não temos disponíveis publicamente os dados que poderiam indicar quantas pessoas já vivem uma situação de insegurança alimentar grave, equivalente à fome, no Brasil. No entanto, já vínhamos observando situações nesse sentido em áreas rurais e urbanas, e o cenário tende a se agravar seriamente com o impacto do Coronavírus sobre a saúde e a economia no país. De um lado, o problema do desemprego deverá se agravar severamente, se não forem tomadas medidas fortes para sua contenção. De outro, os custos para os cuidados com a saúde e para a própria sobrevivência poderão crescer de forma impossível de ser enfrentada pelos mais pobres. No rastro desses fatores cresce a fome.
Qual sua maior preocupação em relação ao impacto social do novo Coronavírus?
MENEZES – É justamente sobre as pessoas mais pobres. Suas condições de prevenção, isolamento e enfrentamento do problema as expõem a um grande risco. Se desnutridas, tornam-se ainda mais vulneráveis aos efeitos do vírus. E não podemos esquecer que, entre elas, as mulheres e crianças e povos indígenas e quilombolas mostram-se ainda mais vulneráveis. Se não forem tomadas medidas rápidas e efetivas de amparo a estas populações, temo por uma grande tragédia humanitária.
Além da renda básica emergencial, quais outras demandas seriam urgentes para minimizar esses impactos sociais do coronavírus?
MENEZES – Existem muitas medidas que precisarão ser efetuadas em caráter de emergência. O Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, junto com outras 80 organizações da sociedade civil, subscreveu documento que enumera propostas viáveis de serem aplicadas e que podem contribuir para evitar o crescimento de pessoas com fome no país. Entre as medidas propostas, estão a expansão de programas de transferência de renda e seguridade social; a adoção de medidas para a manutenção do abastecimento alimentar; retomada imediata do Programa de Cisternas no Semiárido; garantia de políticas de proteção e defesa do direito à alimentação e à saúde de povos indígenas e comunidades tradicionais.
A seu ver, de que forma a sociedade civil pode contribuir para minimizar esses impactos?
MENEZES – A sociedade cumpre um papel fundamental nessas circunstâncias. Em primeiro lugar, deve cobrar do Estado a instituição ou fortalecimento de políticas públicas realmente efetivas no enfrentamento desses grandes desafios. E, também, monitorar a aplicação dessas políticas. Em segundo lugar, pode ter um papel mais direto, apoiando organizações da sociedade civil mobilizadas para esse amparo aos mais vulneráveis, seja através de doações ou outras formas colaborativas. O lado indiscutivelmente trágico dessa pandemia também traz a oportunidade de crescimento da solidariedade e do despertar para uma revisão de caminhos que agora se mostram tão frágeis perante essa situação. A sociedade poderá ficar melhor.